quinta-feira, março 27, 2025

Dos lóbis

A escolha do cabeça de lista do PSD por Bragança, que só um cego não veria que iria suscitar polémica, é, em si mesma, bem reveladora de como o partido se encontra preso a lóbis e lógicas de aparelho dos quais não consegue desligar-se. 

quarta-feira, março 26, 2025

O livro, a mesa e a solidariedade


Há dias, numa romagem com o meu amigo José Ferreira Fernandes à livraria Ulmeiro, na Avenida do Uruguai, que mudou ligeiramente de sítio e perdeu o gato à porta, não resisti: comprei, por bom preço, uma edição antiga do "Guia das Assembleias Gerais", de Mariano Roque Laia. 

Ainda me perguntei sobre se não teria um outro exemplar, em algum das dezenas de caixotes de livros que guardo por Vila Real. Se calhar tenho, mas achei que, por vénia à memória, não podia deixar de adquirir aquele livro. 

O "Guia das Assembleias Gerais", de Roque Laia, que teve a sua 1ª edição em 1957, foi, por muitos e bons anos, a "bíblia" das Assembleias Gerais. Trata-se de uma utilíssima codificação de regras e procedimentos, sem força jurídica vinculativa mas com um peso "moral" que, mesmo ao tempo da ditadura, quase ninguém ousava contestar. Usar "o Roque Laia" com mestria era meio caminho andado para gerir bem uma Assembleia.

Muito compulsei "o Roque Laia" quando presidi à mesa da Assembleia Geral da associação de estudantes do ISCSPU - isso mesmo, com "U", quando algum país também teve a ilusão de que o "U" lhe pertencia para sempre... Devo ter sido tão bom presidente, nesse ano letivo de 1969/70, que, no ano seguinte, o Ministério da Educação não "homologou" a minha reeleição. Embora, 30 anos mais tarde, tivesse sido colega de governo do ministro que referendou aquela decisão, tive sempre a delicadeza de nunca abordar com ele o episódio.

Mais recentemente, entre 2013 e 2015, já reformado, presidi à mesa da Assembleia Geral da Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses. Não tive então "o Roque Laia" à mão, mas também não precisei dele. Nos dias que correm, quase dirijo assembleias gerais "de cor".

Dito isto, há poucas horas, voltei a lembrar-me deste recém adquirido livro quando tomei posse do cargo de presidente da mesa da Assembleia Geral da APDP - Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal, uma instituição sem fins lucrativos que desenvolve um trabalho imensamente meritório e a que terei o privilégio de poder prestar esta minha modesta contribuição, nos próximos quatro anos, substituindo o Dr. Narciso da Cunha Rodrigues. Já tinha destinado à APDP metade dos direitos de autor da edição de 2023 do meu livro "Antes que me esqueça". Quem comprou o meu livro já ajudou a APDP.

Com franqueza, não espero ter de recorrer ao "Roque Laia" nas novas tarefas que vou exercer. Mas, pelo sim pelo não, o livro já ali está à mão de semear.

(A propósito: sabia que, sem que receba menos reembolso nem aumente o imposto que tem de pagar, pode colocar na sua declaração do IRS a consignação à APDP de 1% daquilo que vier a entregar às Finanças? Se o fizer, ajudará a que esta instituição, que está na primeira linha da luta contra uma doença que afecta um milhão de portugueses, venha a receber uma verba, ainda que pequena, que ajudará ao seu funcionamento? É simples: no campo dos apoios às IPSS coloque o NIF da APDP: 500 851 875. Vá, faça esse gesto!)

Coisas de outro tempo


Costumo dizer que, em regra, não guardo papéis. A regra tem, contudo, algumas raras exceções. Hoje, numa pasta que estava fechada há precisamente uma dúzia de anos, encontrei esta que foi a minha última comunicação para o Ministério, no meu último dia como embaixador em Paris, em finais de janeiro de 2013. Já não me recordava bem dos termos desse "telegrama" (é assim que chamamos às comunicações no MNE) que dirigi ao ministro Paulo Portas. Mas, confesso, continuo a achar adequado o que escrevi. 

(Uma nota para os não iniciados: a expressão "Secretaria de Estado", usada no texto, designa, no nosso jargão diplomático, os serviços do MNE em Lisboa. Porquê? Porque ainda obedece à memória da "Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra", criada em 1736...)

terça-feira, março 25, 2025

Uma coisa é uma coisa

O cartaz em que a cara de Montenegro surge ligada à palavra corrupção é uma forma miserável de fazer política. Até pode favorecer o primeiro-ministro, dado que as imputações de que é alvo nada têm a ver com corrupção, a contrário das acusações que visam o seu parceiro no cartaz. E as pessoas sabem isso.

domingo, março 23, 2025

Oeiras, Madeira


Guinness

O cabeça de lista do PS pela Madeira teve a sua 10ª derrota. Perder 10 vezes não é uma coisa por aí além; bem pior seria perder 20 vezes, não é? E assim até pode vir a entrar no Guinness! Mas ao PS nunca ocorreu tentar outro nome? É uma ideia "fora da caixa", eu sei!, mas pensem nela! Não é preciso pressa: daqui a uns anos e umas derrotas mais...

Old Joe


Uma das grandes injustiças que Trump ainda não colmatou é o resgate da memória de Joseph McCarthy, figura que os tempos atuais acabam por tornar num referencial da espécie de democracia a que os americanos têm direito.

sábado, março 22, 2025

Entretanto, na Faixa de Gaza...


Ver aqui.

Pois, pois...


Então a Primavera começou ontem?! Muito me contam...

Friedman

Tom Friedman no NYT: "Trump and Netanyahu are brothers from different mothers, and there’s only one good thing about both of them, and that’s God only made one of each." 

Por que será?

Os analistas nacionais que costumam dar mais credibilidade a fontes russas coincidem, nos últimos dias, num crescente ceticismo quanto às hipóteses de ser obtido a breve prazo um acordo na questão da Ucrânia.

quinta-feira, março 20, 2025

A bolsa ou a vida diplomática


Eram os meus últimos dias como embaixador no Brasil. 

Como é de regra nos postos em que a vida nos corre profissionalmente a preceito, as últimas semanas são preenchidas por uma imensidão de almoços e jantares de despedida, oferecidos por amigos, que juntam à nossa volta aqueles de quem vamos sentir saudades e personalidades que contactámos na nossa atividade. O número de refeições e o nível das presenças nessas ocasiões é sempre um belo teste ao saldo de memória positiva que vamos deixar no país e na cidade onde trabalhámos. 

Naquela noite de dezembro de 2008, num belo jardim da casa de um casal amigo, sobre o lago Paranoá, em Brasília, o jantar reunido para a nossa despedida teve algumas dezenas de pessoas, distribuídas por várias e divertidas mesas. O dono da casa, uma pessoa de extrema simpatia de quem eu tinha ficado um bom amigo, era uma das figuras proeminentes da vida social da capital brasileira. Em sua casa, eu tinha conhecido o "tout Brasília", logo após a minha chegada. A sua mulher era uma anfitriã fantástica. Toda a noite correu extremamente bem... até um certo momento.

Já nos aproximávamos da meia-noite e alguns convidados iam abandonando o jantar. A certa altura, a mulher de um dos nossos amigos deu por falta da sua carteira Chanel. Depois de uma busca sem resultados, e com base em alguns indícios, deduziu-se que ela tivesse sido levada, eventualmente por engano, por uma outra convidada, que já tinha saído com o marido, uma figura então muito conhecida e com público destaque. 

Entretanto, alguém do serviço da casa alertou para o facto de terem desaparecido vários talheres do faqueiro de prata, que estavam numa das mesas. E aí começaram a somar-se dois mais dois: alguns tinham notado que, no termo do jantar, a mulher dessa destacada figura tinha mantido embrulhado, junto de si, no que veio a apurar-se ser uma toalha de linho entretanto retirada da casa de banho, um volume que continha, manifestamente, os tais talheres desaparecidos. 

O grupo dos convidados que restavam, onde havia políticos e outras personalidades de topo da vida brasileira, partilharam então as impressões de memória recente sobre o que tinham observado no comportamento, que a diversos outros títulos se mostrara bizarro, que a referida senhora tivera durante o jantar. E a conclusão foi unânime e inequívoca: fora ela a autora dos furtos. A nossa amiga que tinha ficado sem a caríssima bolsa, além de furiosa, estava inconsolável: com ela tinham ido também as chaves de sua casa...

Chamar a polícia estava fora de questão. Nas horas e dias seguintes, diligências particulares foram levadas a cabo junto da tal figura pública, que acabou por ter um comportamento curioso: nunca admitou expressamente a culpabilidade da sua mulher, nem sequer assumindo uma eventual cleptomania como justificação, mas acabou por compensar, com um cartão e a oferta de uma outra carteira, a nossa amiga a que a sua desaparecera. As pratas, contudo, foram levadas pelo vento...

Na ventanosa noite de ontem, durante um jantar, desta vez em nossa casa, em Lisboa, a simpática anfitriã de há 17 anos contou, com deliciosos pormenores, esse atípico jantar de despedida que ela e o marido nos tinham oferecido em Brasília. À distância, diga-se, tudo pareceu bem mais divertido.

Requiem


Muita saudade já da bela buganvília dos meus vizinhos, de que a paisagem do meu jardim foi "free rider" por muitos anos, até à noite de ontem, quando o tal Martinho, que a derrubou, e talvez em compensação, me ofereceu uma vista para o Tejo.

terça-feira, março 18, 2025

À Rádio Observador


Trump/Putin, financiamento europeu à Ucrânia, a Alemanha "va-t-en guerre" e a nova chacina israelita em Gaza.

Ver aqui.

Alemanha(s)


Tenho bem viva uma conversa telefónica com o meu pai, no preciso dia em que foi derrubado o muro de Berlim, em 1989. Ele tinha então 80 anos.

Recordo que não pareceu nessa data excessivamente feliz com a unificação alemã, não porque tivesse a menor simpatia pelo regime comunista de Leste (longe disso!), mas porque, como "aliadófilo" ferrenho que havia sido e como eterno desconfiado da bondade do poder europeu da Alemanha, repetia por vezes o dito atribuído a Mitterrand: "Gosto tanto da Alemanha que prefiro ter duas..." Tenho, contudo, a certeza que, lá no fundo, ele se congratulou com a reconciliação europeia que isso representou. 

Muita água passou sob as pontes. No dia de hoje, a Alemanha deu um passo importante no sentido de consagrar uma alteração radical à sua postura de contenção em matéria de política de defesa. 

O meu pai já morreu há muito. Desconfio, contudo, que, se fosse vivo, e uma vez mais, não se sentiria muito confortável com os novos ventos que sopram de Berlim. Se nem eu me sinto muito...

Notícias do défice

Há anos, por cá, quantos se mostraram relutantes em inserir na Constituição um valor-travão para a dívida foram considerados irresponsáveis. O rigor dos "frugais" e o quase "diktat" alemão fazia então escola entre nós. Agora que Berlim já flexibiliza, estão tão calados?

Israel (3)

Mais 300 e tal mortos em ataques israelitas em Gaza num só dia. Qual é a razão, qual é ela pela qual se deixou de falar no processo movido a Netanyahu, como um possível "criminoso de guerra", pelo Tribunal Penal Internacional? Ou lembrar isto transforma-nos logo em anti-semitas?

Israel (2)

Com mundo distraído com a Ucrânia, Israel "distrai-se" em Gaza e na Cisjordânia. Até as lágrimas da Europa secaram. 

Israel (1)

Alguém acreditava que Israel ia cumprir a trégua negociada com o Hamas?

Voto

Já decidi: a menos que me anunciem que, num determinado dia, "caiu o Carmo e a Trindade", não tenciono ver a cobertura televisiva das eleições. Assim, desejo muito boa sorte àqueles em quem confio e, claro, menos sorte àqueles de quem desconfio. E seja o que o eleitor quiser!

segunda-feira, março 17, 2025

Maria Cachucha


Hoje à tarde, ouvi alguém dizer que este meu blogue era já "do tempo da Maria Cachucha". Ainda antes de conseguir responder à graçola, surgiu logo do lado: "Mas ainda há blogues?" Foi demais! Chegado a casa, fui beber um whisky. Velho, claro!

Zelensky

Zelensky joga um jogo muito delicado. Ao colar-se aos europeus, que hoje são os seus mais fiéis amigos, acaba por rigidificar, até no discurso, a sua posição. Essa atitude pode vir a irritar Trump, no passo negocial seguinte, o que lhe seria fatal. Não é fácil estar no seu lugar.

Bolsonaro

Bolsonaro, que estará na iminência de ser detido, por implicação na tentativa de golpe para evitar a posse de Lula, continua a ser um fator polarizador de quase metade do Brasil. E é também um embaraço para a direita brasileira, que tem pouco tempo para encontrar um seu sucessor. 

Uma coisa é uma coisa

Fica a ideia de que os europeus querem misturar a tarefa de fiscalização de um cessar-fogo na Ucrânia, que devia ser da responsabilidade de forças neutrais, com as garantias de segurança para o país, que podem ser dadas sem tropas no terreno.

Kursk

A incursão ucraniana em Kursk, em 2024, pretendia aliviar a pressão russa no Donbass, o que não veio a acontecer. Outro objetivo seria utilizar essa ocupação, agora falhada, como moeda de troca territorial numa futura negociação. A virtualidade militar da aventura em Kursk, com os custos humanos e materiais envolvidos, parece assim muito duvidosa.

Português

O professor Jorge Miranda, uma grande figura do Direito, que há dias disse que todos os imigrantes que cá chegam deveriam saber falar português, deveria refletir no facto de, ao longo dos séculos, aos muitos portugueses que emigraram pelo mundo, em busca de uma vida melhor do que aquela que o seu país lhes proporcionava, ninguém perguntou que língua falavam.

Um lapso

Tendo comentado com regularidade em televisões, durante anos, entendo perfeitamente que, durante uma intervenção, possa ocorrer um lapso, como há dias aconteceu com Maria Castello Branco, na CNN. É fácil, para quem nunca teve essa responsabilidade, condenar do sofá. Vir a público corrigir o erro, como ela fez, parece-me uma atitude de honestidade.

A questão

Uma questão bastante delicada no cessar-fogo na Ucrânia deverá ser a composição das forças fiscalizadoras. Parece implausível que a Rússia aceite que tropas oriundas de países que têm apoiado a Ucrânia surjam ali colocadas como observadores "neutros". Mas que fará Putin se Trump insistir nisto? No atual equilíbrio, Putin não pode arriscar-se a antagonizar Trump a um ponto que o possa fazer reverter da empatia estabelecida entre os dois. Isto vai ter graça.

domingo, março 16, 2025

O outro golpe de 16 de Março


O António era um conquistador nato ou, como ele dizia com graça, referindo-se às suas tendências políticas de então, um pouco menos Nato e quase Pacto de Varsóvia. Tinha um sucesso enorme junto do "pequename", uma qualificação machista então em voga no nosso meio.

Tinha andado por Paris, na viragem dos anos 60 para 70, onde estudou sociologia e levou uma vida muito agradável, hóspede da cidade universitária, com um cheque mensal enviado pelo pai, um militar com posto elevado na Marinha. Contava histórias deliciosas da boémia parisiense que frequentara. 

Vestia-se sempre impecavelmente, tinha um MGB que era a inveja de muitos, abancava com noturna regularidade na barra do Gambrinus, onde espalhava a sua imensa simpatia e charme, que nas madrugadas ia testar nuns bares da moda. O facto de ser casado limitava-lhe, naturalmente, o espaço de manobra para as aventuras sentimentais, pelo que necessitava de montar alguns estratagemas por forma a conseguir levá-las cabo. 

Naquele mês de Março de 1974, ambos estávamos a prestar serviço como oficiais milicianos na Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na Alameda das Linhas de Torres, no Lumiar. O António dividia o seu quotidiano entre a tropa, a universidade, onde dava aulas, e a noite.

Um dia, o António pediu a minha ajuda para uma “operação”: telefonar à mulher dele, a meio da manhã de uma determinada data, informando-a de que, inesperadamente, tinha ocorrido uma emergência e que ele fora enviado, com outros colegas, para um “exercício militar”, pelo que estaria incomunicável durante 48 horas. Eu devia acrescentar que era apenas um exercício de rotina, pelo que não havia qualquer razão para ela se preocupar. Na lógica de uma velha (ainda que contestável, eu sei!) solidariedade masculina, prontifiquei-me a fazer essa chamada telefónica.

O plano do António era arrancar cedo para a Ericeira, acompanhado de uma bela pequena, impante no seu MGB. Havia já assegurado, antecipadamente, uma folga no serviço, para que tudo corresse sem falhas. No seu caminho para a Ericeira, passou na Alameda das Linhas de Torres e do que diabo se lembrou? De ir atestar o depósito de gasolina na unidade militar, onde o preço era muito mais barato. Esse era um dos privilégios que ninguém deixava de utilizar.

À chegada à EPAM, um complexo situado onde hoje é uma universidade, o António estranhou ao ver que os grandes portões de entrada estavam fechados, contrariamente ao que era habitual. Buzinou, aparecendo pela guarita a cabeça do sargento-de-guarda, o Sacadura, o qual, reconhecendo-o, deixou entrar o carro.

Só que a vida tem destas surpresas: estávamos precisamente no dia 16 de Março de 1974. As tropas fiéis ao general Spínola tinham-se amotinado na noite anterior nas Caldas da Rainha e a EPAM, como todas as unidades militares, estava, desde há horas, de rigorosa prevenção. Como era de regra nestes casos, todos os militares ficavam obrigatoriamente retidos em serviço. A unidade não tinha conseguido contactar o António.

O António já não foi autorizado a abandonar o quartel. Recordo-me da sua fúria e do imenso gozo com que alguns de nós, escassos e discretos conhecedores do esquema que acabara de se esboroar, vimos a pobre e bela amiga do António a ter de sair da EPAM, a pé, com um saco na mão, em busca de um táxi ou de um autocarro. Por mim, livrei-me de ter de dizer uma mentira à mulher do António. Logo naquele dia, em que ele tinha um álibi imbatível. 

O António já se foi desta vida há alguns anos. 

Para os anais da História, deixo apenas aqui registado que, em 16 de março de 1974, não falhou apenas o "golpe" de Spínola...

O médico recomendou...


BEBA MENOS! 

sábado, março 15, 2025

O preço da democracia


Ver aqui.

Síria: o regresso do conflito?


Ver aqui.

Cessar-fogo na Ucrânia


Ver aqui

O grande José Vilhena


Inspirado por este curioso "relatório" da Comissão de Censura, datado de 1962, que o "Público" hoje reproduz, a ilustrar um artigo de José Pacheco Pereira, decidi reler, neste sábado, aquela que é uma das obras primas de José Vilhena, humorista e desenhador de grande mérito, que a ditadura detestava e a quem fez passar as passas do Algarve. 

Sou feliz possuidor da "opera omnia" de José Vilhena, mas apenas da publicada antes do 25 de Abril.



A razão

Há algo que não pode deixar de acompanhar toda a campanha eleitoral, porque não fazê-lo seria tomar os portugueses por parvos: a razão que provocou esta crise.

sexta-feira, março 14, 2025

Ad hominem

Parece claro que a tática de Luís Montenegro para as semanas que aí vêm, além de apresentar o saldo da sua ação governativa, é tentar criar um contraste de "figura de Estado" com Pedro Nuno Santos. Vamos assim ter uma campanha "ad hominem", coisa que não deve ser bonita de ver.

quinta-feira, março 13, 2025

Ontem


Foi ontem. Jantar muito bem disposto com amigos, por mais de três horas. Nem uma palavra sobre eleições, Montenegro, Marcelo, o Chega ou os socialistas. Nem uma só vez chamados a terreiro Trump, Putin, a Europa ou alguma guerra. Apenas por menos de um minuto, o tal almirante roçou a troca de impressões. As boas conversas são assim mesmo.

Miguel Macedo

Lamento muito a morte de Miguel Macedo. Sempre um senhor na política, um homem sério, vítima de uma inqualificável incompetência e de leviandade judicial, feita com cumplicidade mediática, num caso que lhe afetou a reputação, a vida pessoal e profissional e, quem sabe?, a saúde.

Branco

Aguiar Branco dava ares, no início do mandato, de querer assumir uma atitude de Estado, consonante com as responsabilidades inerentes ao lugar que ocupa. Com o decurso do tempo, foi perdendo equilíbrio e isenção. É pena. Usando termos de teatro italiano, sai pela direita baixa.

Maio

A mim, confesso, tanto se me dá que as eleições sejam a 11 como a 18 de maio. Só não gosto do 28 de Maio.

Trump e Putin. O jogo


Trump dá o braço à Ucrânia e entala a Rússia numa pirueta para um cessar-fogo. 

Conversa entre Manuel Carvalho e Francisco Seixas da Costa, num podcast do jornal "Público".

Ver aqui.

quarta-feira, março 12, 2025

Encavacado

Cavaco Silva tem como objetivo de vida afirmar-se no olimpo social-democrata, numa espécie de competição virtual com a memória de Sá Carneiro e Passos Coelho. Num momento como este, com o líder do PSD envolvido numa trapalhada, o senhor professor está verdadeiramente encavacado.

Fasten seat belts!


Eu sei que a oposição já treme como varas verdes só de pensar nisto, mas gostava de lembrar que a reconstituição da AD para as eleições de maio implica o regresso a terreiro da sua terceira força, que nem pelo facto de ser mais discreta deixa de ter um forte potencial devastador.

M(AI)

Não dei conta que a senhora ministra da Administração Interna tivesse feito parte dos membros do governo escalados para irem às televisões defender a causa de Luís Montenegro. E, cá por coisas, tenho pena que isso não tenha acontecido.

Redil

Durante semanas, viu-se comentadores da área do governo criticarem Luís Montenegro, acompanhando o choque ético que atravessou o país. Isso foi ontem. Agora, com o cenário esquerda-direita de novo instalado no terreno, as ovelhas regressarão ao redil. Já se notou esta noite.

terça-feira, março 11, 2025

Samsonite


... e assim acaba uma promissora carreira parlamentar, quando tanto dela ainda era legítimo esperar. 

segunda-feira, março 10, 2025

11 de Março


Na tarde desta segunda-feira, tive muito gosto em falar para largas dezenas de estudantes, além de muitas outras pessoas presentes, no Picadeiro Real, no Palácio de Belém, sobre o que foi a tentativa de golpe militar que ocorreu há precisamente 50 anos. 

O excelente documentário feito para a RTP por Jacinto Godinho abriu a ocasião. Depois, a historiadora Luísa Tiago de Oliveira fez um enquadramento da conjuntura.

A seguir vieram os testemunhos. O jornalista Adelino Gomes relatou o insólito encontro entre revoltosos e as forças do então RAL 1, cena que ele cobriu para a RTP. O comandante Costa Correia, uma prestigiada figura que meses antes ocupara a polícia política à frente de uma força da Marinha, relembrou a sua participação nesse frente-a-frente, que o filme registou para a História.

Seguiu-se a evocação da célebre Assembleia do Movimento daa Forças Armadas, por três pessoas que nela participaram e intervieram. 

No que me toca, procurei explicar o que fazia o oficial miliciano que eu à época era no seio daquela história. Contei como integrei um grupo de oficiais, profissionais e milicianos, que, à hora de jantar desse dia, irrompeu pelo Palácio de Belém, suspendendo a reunião do "Conselho dos Vinte" e convenceu o presidente Costa Gomes a deslocar-se ao edifício do atual Instituto de Defesa Nacional, para uma sessão de debate com mais de 200 pessoas, entre os quais o primeiro-ministro Vasco Gonçalves e o almirante Pinheiro de Azevedo, que só terminaria cerca das sete da manhã. Tentei fazer uma leitura política do que ali se passou e, de caminho, falei também de uma outra reunião, muito mais tensa, com apenas cerca de 30 pessoas, que teve lugar 24 horas depois, onde se discutiu a composição do futuro Conselho da Revolução e em que também participei. 

O coronel Nuno Santos Silva, da Força Aérea, que no 25 de Abril tinha sido um dos ocupantes do Rádio Clube Português, deu uma muito interessante visão das tensões políticas da época, chamando "os bois pelos nomes" no tocante às graves responsabilidades de António de Spínola, que, em 28 de Setembro de 1974 e naquele 11 de Março, ia levando o país para a guerra civil.

Vasco Lourenço, figura central do MFA, encerrou os testemunhos, relatando vários episódios, nomeadamente as tensões que protagonizou com o coronel Varela Gomes, que era a figura mais polémica da chamada "esquerda militar".

A sessão terminou com uma intervenção do anfitrião da sessão, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que falou em particular para os estudantes presentes. Também ele, à época com responsabilidades no jornal "Expresso", tinha algumas histórias para contar.

Foram umas belas horas. Fica uma foto da nossa audiência.

( Deixo a minha perspetiva sobre o 11 de Março de 1975, inserida num programa da RTP. Pode ver clicando aqui. )

domingo, março 09, 2025

Pois é!

Parece que vamos mesmo para eleições. Trata-se de uma fuga em frente de Luís Montenegro, que, pela relegitimação que julga ir conseguir através delas, espera poder escapar ao juízo negativo que grande parte do país faz do modo como geriu a triste trapalhada em que se envolveu. Montenegro, que se saiba, não cometeu nenhuma ilegalidade, mas o seu comportamento na questão dos seus interesses empresariais demonstra uma indesculpável leviandade, que se não esperava de um primeiro-ministro e de um político experiente. A paralela exposição de uma rede de conluios entre autarquias, escritórios de advogados e estruturas partidárias, que se soma a outros episódios recentes, conduz a opinião pública a um juízo cada vez mais negativo sobre a integridade do aparelho político, à conclusão de que o país está subjugado por uma inescapável rede quase mafiosa de troca de favores. É com estas e com outras que, daqui a uns meses, só um milagre nos livrará de ver em Belém um totem de cara esfíngica, uma espécie de justiceiro eleito "by default". Nessa altura, os políticos que agora por aí andam bem poderão limpar as mãos à parede pelo lindo serviço que irão fazer à imagem do país.

sábado, março 08, 2025

Mulheres

Finais de 1985. Tinha acabado de chegar a Lisboa, vindo do segundo de dois postos no estrangeiro. Estava com dez anos de carreira. Fui colocado no serviço que fazia a coordenação dos assuntos europeus. Portugal ia "entrar na CEE". 

Eu era o único diplomata naquele serviço, onde só havia técnicos economistas: várias mulheres e um homem. Fiquei sob a chefia de uma delas. Dias depois, um amigo telefonou-me, inquirindo: "Ouvi dizer que vais ser chefiado por uma técnica?" Com toda a calma, disse-lhe: "Vou. Qual é o problema?" Sempre achei que, por detrás da pergunta, onde despontava algum elitismo profissional, estava essencialmente a circunstância de eu ir ser chefiado por uma mulher, o que nunca, até então, tinha acontecido a alguém da minha ou de anteriores gerações diplomáticas. 

Trabalhei ali quase dois anos, sempre sob a mesma chefia. De todas as colegas que conheci à minha chegada àquele serviço, incluindo naturalmente aquela que o dirigia e algumas outras que entretanto ali chegaram, fiquei para sempre amigo.

Exatamente dez anos mais tarde, vim a ocupar um cargo governativo na mesma área. Para o meu gabinete, escolhi sempre muito mais mulheres do que homens. Não o fiz deliberadamente pelo facto de serem mulheres, confesso: sempre escolhi as pessoas exclusivamente pela sua competência técnica. Houve mesmo um período de alguns meses em que toda a gente que trabalhava comigo, com exceção dos dois motoristas, eram mulheres. 

Mais tarde - em Nova Iorque, Viena, Brasília e Paris - trabalhei com muitas mulheres. Desde há muitos anos que a qualidade do serviço público, na área externa que conheço bem, muito deve às mulheres, diplomatas ou técnicas, sem esquecer a indispensável máquina administrativa.

Trabalhar com mulheres foi sempre algo que gostei muito de fazer. Apeteceu-me recordar isto, neste que ainda é o dia internacional delas.

Tão simples...

O que faria se fosse eu a determinar o sentido de voto no PS na moção de confiança que o governo vai apresentar? Muito simples: decidia que o PS se abstinha, não caindo na esparrela de uma moção oportunista. De seguida, claro, avançava para a comissão parlamentar de inquérito. 

Quem será?

A mini-crise política em que país se viu envolvido não parece ter tido origem, que se saiba, em nenhum imbróglio empresarial de algum dirigente da oposição. Estão de acordo? Se sim, fácil será identificar o nome de quem quer levar o país para eleições.

Viva o 8 de Março!

A frase não é minha, li-a há pouco e é uma verdade que, nem por ser lapalisseana, deixa de ser uma imensa verdade: metade do mundo são mulheres; a outra metade são os filhos delas. Viva o 8 de Março!

A denúncia da ditadura


Sou pouco dado a ir a filmes que estão na berra. Faço mesmo gala de não correr a ver os que tiveram Óscares, antes de passarem uns bons tempos sobre o início da sua exibição. Às vezes, acabo por só os ver na televisão.

Pratico o mesmo com a leitura de autores a quem tiver saído, na rifa de Estocolmo, o Nobel da literatura. Só os leio, quando os leio, mais de um ano depois. Idem com os restaurantes ditos imperdíveis. Só lá vou quando já quase não se fala deles e ninguém lhes liga. É isso: em toda a minha vida, sempre mantive uma forte rejeição às modas. É claro que isso me coloca um pouco à margem nos jantares "en ville" ou nas almoçaradas em tertúlias. Mas cada um é como é, não é? 

Ontem, porém, uma circunstância muito pontual, por cancelamento de outro compromisso, deu-me a possibilidade de ir ver o filme brasileiro "Ainda estou aqui". Não escondo que algum viés político me fez privilegiar a ida a essa "fita". Um filme contra uma sinistra ditadura como foi a brasileira é, para mim, algo interessante. Não me arrependi: filmes como este, ainda por cima nos tempos que correm, oferecem boas lições históricas. Resta saber se alguém as aprenderá, ou melhor, se elas têm alguma eficácia para trabalhar as consciências e conseguir mudar o curso das coisas.

Já agora, deixo a minha opinião sobre o filme. Tem belos pormenores de realização, com apelativas imagens de época, embora os saltos no futuro quebrem e não acompanhem o ritmo narrativo anterior, acabando por "documentarizar" uma parte significativa da obra. Achei pena! Fernanda Torres revela-se uma magnífica atriz. 

No final do filme, rodeado de pipoqueiros, tive a cobardia de não abrir uma salva de palmas. Teria sido instrutivo saber se haveria muita gente a seguir-me. Provavelmente não teria. Mas o facto é que não tive a coragem de ser coerente com o que estava a pensar. 

sexta-feira, março 07, 2025

"A Arte da Guerra"


Para quem tiver paciência e uns minutos, desta vez de forma não segmentada porque se trata basicamente dos mesmos temas, aqui fica o episódio desta semana do podcast "A Arte da Guerra", com o jornalista António Freitas de Sousa, em que se fala de Trump, de Zelensky, dos esforços de defesa europeus, da questão nuclear, da guerra comercial americana e até do futuro papel da Turquia. Como se diz nos restaurantes, espero que gostem.

Pode ver e ouvir aqui.

quinta-feira, março 06, 2025

José António Saraiva


Foi há mais de duas décadas. Eu tinha sido objeto de uma determinada ação política, executada com o objetivo de me prejudicar, embora embrulhada em falsos pretextos. O "Expresso", de que José António Saraiva era diretor, publicou, na sua primeira página, uma notícia que dava uma visão falseada da questão, claramente soprada por alguém a quem essa versão convinha que fosse difundida por um jornal com aquela projeção. Conhecia mal José António Saraiva, mas telefonei-lhe e disse-lhe isso mesmo. A sua reação foi de clara surpresa: "Só publiquei a notícia daquela forma porque considerei que a minha fonte, que era de um nível político muito elevado, era de total confiança". Retorqui: "Essa pessoa, que desconfio quem seja, mentiu-lhe. Se quiser, pode citar-me a dizer que essa figura mentiu". E dei-lhe dados e pistas que lhe permitiriam, se quisesse, repor a verdade dos factos. Assim aconteceu. Uma semana depois, o "Expresso" voltou ao assunto, desta vez com todo o rigor factual e dando-me mesmo oportunidade para afirmar a minha parte da verdade. Não esqueci isto. E apetece-me lembrar esse gesto, nesta que é a hora da morte de José António Saraiva, com uma idade que conheço bem.

Língua portuguesa


Tive muito gosto de participar ontem no Congresso "Da minha Lingua vê-se o Mundo", organizada pelo jornal "Público", no seu 35° aniversário e nos 500 anos de Camões. Foi um debate animado com Álvaro de Vasconcelos, moderado pelo jornalista Manuel Carvalho.

Aa minhas intervenções centraram-se no estatuto internacional da língua, nos limites da sua projeção e no grau razoável de ambição que é possível ter para a sua contínua promoção. Falei do papel do Brasil e do futuro da língua em função do ascendente demográfico previsível de Angola e Moçambique, no final do século. Procurei ser realista, tentando não ser voluntaristicamente eufórico nas perspetivas futuras do Português no mundo. O patrioteirismo linguístico não faz o meu estilo.

quarta-feira, março 05, 2025

11 de Março - 50 anos depois


... não morre solteira!

Importa que o PS deixe claro que, mal tome posse a nova Assembleia da República, depois das eleições, e qualquer que seja o desfecho destas, apresentará um requerimento para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito, nos mesmos termos da que já tinha anunciado.

Trump


Sinto-me um pouco masoquista, mas aqui estou eu a ver e ouvir o discurso de Trump no Congresso americano. São quatro da manhã, mas não podia perder este espetáculo de egocentrismo e megalomania. Ao ouvir este discurso alucinado, sou levado a concluir que não é (só) Trump quem está doido, são os americanos que o escolheram que o estão.

terça-feira, março 04, 2025

Jean-Louis Debré


Jean-Louis Debré, que hoje morreu, foi uma figura atípica da vida política francesa. Conhecido "franc-parleur", mantinha Nicolas Sarkozy e Edouard Balladur como seus "inimigos íntimos" - e não o escondia. Ao contrário, Jacques Chirac foi um dos seus grandes amigos, uma figura a quem se manteve fiel ao longo da vida. 

Era filho de Michel Debré, uma das maiores figuras da V República. Escreveu ficção, comentou em programas de rádio e tinha sempre um "bon mot" à mão. Tem livros de memórias bastante interessantes.

Debré teve uma carreira pública relevante, como deputado, ministro do Interior, presidente da Assembleia Nacional, figura proeminente do partido gaullista e presidente do Conselho Constitucional. 

Foi nesta última qualidade que o conheci, num almoço que ofereceu ao professor Rui Moura Ramos, então presidente do nosso Tribunal Constitucional - instituição que, contudo, tem um perfil funcional diferente do Conselho Constitucional francês. 

Esse almoço foi divertidíssimo. Debré faz comentários irónicos sobre Sarkozy, contou episódios da difícil convivência entre Jacques Chirac e Giscard d'Estaing e outras histórias do quotidiano político francês. A certa altura, disse-nos: "Como toda a gente sabe que não gosto de Sarkozy, a começar por ele, seria uma hipocrisia, mesmo com a função institucional que tenho, não apenas pôr-me a dizer bem dele mas mesmo não dizer o mal que dele penso". E foi por ali adiante...

À esquerda, havia muita gente que apreciava a sua heterodoxia e, em especial, o modo elegante como respeitara os direitos da oposição, aquando da sua presidência do parlamento. Ele próprio não escondia que lhe tinha "acontecido" votar à esquerda. Era um grande figura de uma certa direita gaullista que está a acabar em França.

À saída do almoço, o seu telemóvel tocou e o som que dele saiu foi uma versão da "A Internacional". Perante a surpresa de todos, Debré explicou: decidira colocar no telefone, em relação a algumas pessoas, músicas que as identificassem. Assim, com "A Internacional", ele sabia que quem o chamava era alguém de esquerda. Revelou então que tinha a "Le Chant des Partisans" para os amigos gaullistas, creio que "A Marselhesa" para os contactos de direita e outras músicas, com menos conotações políticas, para os contactos de familiares.

Homens assim fazem falta na política. Talvez por isso o seu último livro, um verdadeiro inventário de belas blagues, não sendo uma obra-prima, revela bastante do que ele era: "Quand les politiques nous faisaient rire".

UK


Na imprensa conservadora britânica.

segunda-feira, março 03, 2025

O G20 depois de Trump


Ver aqui.

A nossa língua dos outros

É excelente que um filme em língua portuguesa vença um Óscar. O português é também a nossa língua dos outros.

"Trump e a força dos fracos"


Ver Keir Starmer e Emmanuel Macron a assumir um assinalável protagonismo, na atual crise de segurança ocidental, quando os sabemos a ambos extremamente debilitados nos respetivos cenários internos, mostra que a vida política é uma caixa de surpresas.

E deixa demonstrado que as fronteiras de uma rutura tão importante como foi o Brexit são subitamente diluídas quando "valores mais altos se alevantam", fazendo vir a jogo, mão-na-mão, os dois poderes nucleares europeus que um dia a América ajudou a cooptar para o Conselho de Segurança da ONU.

Quando muitos acusam, com óbvia razão, Donald Trump de abandonar o terreno multilateral e optar por um diálogo entre poderes, é uma ironia constatar que a Europa, nesta crise, se comportou exatamente da mesma forma: Macron impôs o Eliseu a Bruxelas e foi a Washington com ares de chefe de turma. A Europa dos 27 podia esperar ou, como diria De Gaulle, "l'intendence suit".

Aliás, na sua tumba em Colombey-les-Deux-Églises, Charles de Gaulle deve sentir-se vingado, ele que sempre achou que a excessiva dependência dos Estados Unidos reduziria a Europa a um poder vassalo de Washington.

Já agora, convém lembrar que o gaullismo, na ordem internacional, não era só isso, era também a sabedoria de um atempado sentido de relacionamento crítico com Moscovo.

Um sentimento que a Europa e a América do pós-Guerra Fria que nela se apoiou não souberam ou não conseguiram construir, assim contribuindo para o encasulamento autoritário e para o tropismo expansionista em que decantou o ressentimento russo.

Aqui chegados, e tendo a débito a patética cena na Sala Oval, que fazer, como diria o clássico? 

Em poucas semanas, a NATO ficou entre parêntesis. Era um guarda-chuva de segurança que se baseava na previsibilidade da reação americana à ameaça das fronteiras dos aliados que sob ele se acolhiam. Todo o afã demonstrado pela Finlândia e pela Suécia para aderirem tinha como objetivo poderem partilhar essa apólice de seguro.

Com a chegada de Trump, o automatismo da atitude dos EUA desapareceu. Macron teve razão antes do tempo, quando um dia disse que a organização estava em "morte cerebral". Está, pelo menos, em "coma induzido". Por esse lado, e até ver, sabemos com o que (não) podemos contar.

A Europa - e por Europa, cada vez mais, deve entender-se a União e a NATO europeias, salvo escassíssimos reticentes como Orbán - sente-se por sua conta e risco. E está a fazer rapidamente as contas aos riscos que aí vêm.

Já se percebeu que uma Euro-NATO seria uma construção a prazo e que, na tarefa imediata a que se propôs - defender esta Ucrânia -, só poderia confrontar a Rússia tendo Washington ao seu lado. E foi-lhe dito por Trump que não terá.

A fuga em frente europeia consiste em apoiar Zelensky, a todo o custo - "até ao fim", havendo leituras cínicas da expressão. E aqui pode entrar numa inevitável contradição com Trump, que já se cansou do presidente ucraniano - como um dia um seu antecessor de cansou de Yanukóvytch.

Do que nas últimas horas chega de Washington, relativamente à liderança ucraniana, fica a ideia de que não veria com maus olhos a substituição de Zelensky. Experiência não falta aos americanos para este tipo de operações e Maiden lá está para o que der e vier.

O que se passou entre Trump e Zelensky, à vista de todos nós, não facilitou a vida à Europa. Trump sabe que, em grande parte, se deve ao conforto político europeu o facto de o líder ucraniano manter um maximalismo de objetivos. Por isso mesmo, a sua irritação com o "desplante" de Zelensky é também um ralhete para quantos apoiam a sua recusa de aceitar uma solução "realista".

Trump entende que a Ucrânia já perdeu a guerra e que ela, no fundo, terá nascido da sua ambição de integrar a NATO. Ainda não foi ao ponto de comprar o argumento de que a expansão da NATO a Leste esteve na origem última desta tensão, mas já não anda longe disso. No essencial, Trump absolve a Rússia nesta guerra.

Ele parece pensar que, se Kiev vier a ceder às ambições territoriais de Moscovo, isso apaziguará a Rússia e permitirá a preservação da independência do país, com um estatuto neutral, uma espécie de protetorado europeu, cuja reconstrução competirá naturalmente aos europeus pagar.

Ao contrário de Zelensky, que quer garantias visíveis de segurança para o caso de ter de ser forçado a ceder solo à Rússia (e o subsolo aos Estados Unidos), Trump acha que a palavra de Putin lhe basta, porque entende - e este é o ponto essencial - que a Rússia só teme os EUA. E que, se Putin lhe prometer algo, ficará preso a esse compromisso para não ter de vir a afrontar o poder americano.

No tocante à Europa, Trump também "confia" em Putin e não parece ser minimamente sensível à doutrina, que hoje faz caminho nos corredores do medo europeu, de que a Rússia é uma ameaça iminente. Mas deixa intuir que, se a Europa persiste nesse temor e quer continuar a dispor do chapéu nuclear americano, deve contribuir bem mais para o "burden sharing" e dotar-se de melhor equipamento militar, dos EUA claro. Só lhe falta dizer: "comprem americano" e não assumam posturas comerciais agressivas quanto a Washington.

Trump não dura sempre, pensarão alguns. Pois não. Pode vir aí J.D. Vance. Gostam mais?

(Artigo publicado a convite do "Público")

domingo, março 02, 2025

Toda a gente?

Nos últimos dias, toda a gente fala do caso Montenegro e das suas repercussões para a estabilidade política do país. Toda a gente? Bom, bem vistas as coisas, nem toda ...

Ai se fosse o PS ...

Sei como funcionam as televisões, em face de um acontecimento como o de ontem. Mas ver todos - repito, todos - os canais de notícias a receberem ministros, a debitar os "eléments de langage" fornecidos por S. Bento, não foi uma coisa muito decente. Tivesse sido com PS e era o bom e o bonito!

Ainda a cena da Sala Oval

Ver aqui.

Com adversários assim...

Em Portugal, a inabilidade da esquerda é tanta que permite que a direita transfira para ela a responsabilidade das suas próprias crises. 

Já agora...

Já agora, para os que andarem distraídos com a Ucrânia, convém lembrar que Israel retomou os ataques na Faixa de Gaza. Não há nada como um comboio para esconder outro.

Há malas que vêm por bem...

A brincar, a brincar, com esta malapata do primeiro-ministro, já ninguém se lembra das malas do Arruda...

Alguém pode explicar ?

É minha impressão ou as regras aplicáveis às bicicletas, isto é, o código da estrada - como a proibição de conduzir contra a mão, a necessidade de terem luz à noite, etc - deixaram de ser obrigatórias? E os motociclos já podem "furar" livremente entre os automóveis? É mesmo assim?

... vê-se o mundo!

 


sábado, março 01, 2025

Trapalhadas


O primeiro-ministro tem toda a razão: o país não quer eleições. Mas ver Luís Montenegro no cenário de São Bento, rodeado do seu elenco lúgubre de prosélitos, trouxe-me à memória uma cena idêntica com Santana Lopes. É que o país, uma vez mais, também não quer "trapalhadas". E estas foi Montenegro quem as criou - só ele e mais ninguém!

... várias famílias


Em outros tempos, os jornais, quando queriam assinalar que tinham feito algo indo ao encontro da vontade expressa por alguns leitores, diziam que o faziam "a pedido de várias famílias".

Não foram várias famílias mas foram diversas vozes que, ao longo dos últimos três meses, me foram solicitando que voltasse a admitir a publicação de comentários. Ao que parece, há algumas pessoas que acham graça àqueles textos. Não sei quantas, dado que, desde que os comentários deixaram de ser publicados, os leitores do blogue aumentaram. Ele há cada mistério!

Mas, pronto, vamos fazer uma nova experiência. Só peço que sejam moderados no tom dos textos, para que isto possa ser um lugar sereno e amigável.

quinta-feira, fevereiro 27, 2025

O alibi


Sabia que o Luís Castro Mendes era um diplomata "de truz". Só não o sabia tão pérfido. Decidou marcar o lançamento do seu último livro para as 19.00 horas de hoje, no Grémio Literário, na rua Ivens, quando ele sabia, de ciência certa, que hoje iria estar um dia infernal de chuva.

Este é um conhecido truque! É assim que o Luís faz a separação das águas (neste caso, da chuva), é deste modo que ele seleciona os (verdadeiros dos falsos) amigos! 

Quem não tem pachorra para arrostar com a intempérie e meter-se no trânsito do Chiado vai argumentar que está com uma constipação "de caixão à cova". Os mais ousados vão dizer que estão com Covid. Outros justificarão a falta porque lhes chegou uma prima de Mirandela, atulhada de alheiras, à gare do Oriente.

O meu argumento para justificar a falta é, infelizmente, bastante mais frágil: disse ao Luís que, como antigo embaixador em França, tinha sido convidado para jantar esta noite com Macron, no palácio da Ajuda. Sendo isto embora pura verdade, ouvi o Luís, céptico, do outro lado da linha, responder: "Ai é?! Dá beijos nossos à Brigitte!" 

Derei, descansa!, Luís! 

Isto está um inferno! Já não há bons alibis!

quarta-feira, fevereiro 26, 2025

Conversa na SIC Notícias


Ver aqui.

Não é fácil explicar...


Há dias para a História. Ver os EUA (e Israel) a votar na ONU ao lado da Rússia, da Bielorrússia, da Guiné-Equatorial e da Coreia do Norte contra a Ucrânia foi um momento único. Se ainda desse aulas de Relações Internacionais, ia ter muito trabalho para explicar isto aos alunos.

terça-feira, fevereiro 25, 2025

A ver a vida passar

A cada dia que passa, com a deriva americana em crescendo, a Europa transforma-se numa impotente espectadora do seu próprio destino.

Centaur Club


Um grupo de fãs das sagas de Blake & Mortimer, a genial banda desenhada de Edgar P. Jacobs, decidiu criar em Lisboa o "Centaur Club", uma tertúlia cujo nome foi inspirado pela agremiação londrina tornada famoso no album "La Marque Jaune".

Por ora, o grupo, cujas futuras admissões passarão por rigorosos critérios de seleção, tem apenas quatro integrantes. As agendas dos respetivos encontros serão pontuadas por aprofundadas reflexões em torno das figuras mais marcantes do mundo de Jacobs. O inesquecível coronel Olrik ocupar-nos-á, naturalmente, a primeira reunião.

A vida é demasiado curta para que a gastemos em torno de coisas excessivamente sérias e graves, como dizia o meu colega Steinbroken, personalidade que também merecia que alguém lhe dedicasse uma tertúlia.

segunda-feira, fevereiro 24, 2025

Repita lá!

Quando ouço alguns políticos, um pouco por todo o mundo, dizer que estarão com a Ucrânia até ao fim, interrogo-me sobre o que isso realmente pode querer significar.

"Deutschland über alles!"


Como as sondagens há muito indicavam, o partido de extrema direita AfD, Alternativa para a Alemanha, obteve um excelente resultado nas eleições legislativas de domingo. Não vai ter possibilidade de entrar no futuro governo, mas o seu peso político está em crescendo, como em crescendo está o receio europeu de ver aproximar-se do poder, na Alemanha, uma força que não esconde a nostalgia por um passado que trouxe a tragédia e a devastação ao continente.

Por estes dias, tenho-me lembrado muito de uma pessoa cujo nome nunca soube, que só vi creio que menos de uma hora, vai já para seis décadas. Alguém que já deve ter morrido há muito, mas que deixou em mim uma imagem impressiva. 

Este é um episódio que creio que já aqui contei, mas que agora me apetece repetir, depois do que passou nestas eleições alemãs.

Nesse final dos anos 60 e nos inícios de 70, passeei algumas vezes à boleia pela Europa, chegando até aos países nórdicos. De uma delas, tendo saído da Bélgica, eu atravessava a Alemanha, dormindo em vários locais. Já não recordo qual era a cidade alemã onde, naquele dia, eu pretendia chegar. 

Sei apenas, de certeza segura, que o nome da localidade estaria escrito, em grossas letras, numa página branca de um grande bloco de argolas, preservado dentro de uma cobertura plástica transparente, para evitar uma eventual chuva. Tenho saudades de quando era assim imensamente organizado...

Eu estaria, ao que recordo, à entrada de uma autoestrada. A certo passo, parou um automóvel, conduzido por um cavalheiro que à época achei ser já bastante idoso. Num inglês algo macarrónico mas suficiente para uma conversa simples, confirmou o meu destino e convidou-me a entrar para o seu carro.

Coloquei a mochila no banco traseiro e sentei-me ao seu lado. Nesse instante, dei-me conta de que era uma pessoa que não utilizava os pedais da viatura, que tinha uma acentuada deficiência física. Vi que tinha manípulos junto do volante, para acionar o acelerador e o travão. 

Terá sido porventura o olhar menos discreto que deitei para tão pouco usuais instrumentos que levou o meu disponível transportador a explicar que havia sido ferido na Segunda Guerra, como soldado da Wehrmacht na frente leste. "Foram os russos que me fizeram isto", disse, com uma voz cortante, para logo acrescentar: "E foram também os russos, durante a invasão do meu país, que mataram a minha mulher". 

Estava feita, dessa forma simultaneamente simples e brutal, a sua apresentação. Não recordo pormenores da minha reação, talvez porque houvesse muito pouco que eu pudesse dizer, em face da tragédia que afetara, de forma tão marcada e definitiva, a vida aquele homem. 

O tempo que então atravessávamos era de plena Guerra Fria, havia ainda o Muro e as duas Alemanhas. Os russos e a sua visível influência estavam por muito perto, a escassas centenas de quilómetros.

Perguntou-me de onde eu vinha. Ao ouvir o nome de Portugal, vi surgir-lhe na cara um esgar feito sorriso, creio que o único que lhe detetei em toda a viagem. "Você é de um país que tem a sorte de ter tido Salazar no governo. Como a Espanha tem, com Franco".

Comecei a perceber "do que a casa gastava". Mantive uma "cara de poker", terei dito umas banalidades factuais e preparei-me para uns minutos de convívio menos fácil. Por mim, a última coisa que me interessava era uma discussão política. Não me apetecia fazer teatro, mas também não queria irritar o homem, que se prontificara a levar-me no seu carro.

Ao ter ali ao lado um cidadão do país de Salazar, uma figura que muito apreciava, sentiu-se estimulado a continuar a falar contra os russos, contra o comunismo, mas também, na sua política interna, contra o executivo da "grande coligação", entre os cristão-democratas da CDU e os social-democratas do SPD, que então governava em Bona. 

Uma sua "bête noire" era o então MNE Willy Brandt, que ele achava "um traidor", um esquerdista "vendido aos vermelhos". Ora eu, à época, até considerava Brandt um excessivo moderado, e a expressão "social-democrata" que o definia melhor do que a ninguém, tinha, no jargão político-radical do país político que eu então frequentava, uma sonoridade muito pouco positiva. Assim, por  proverbial prudência, evitei produzir o mínimo comentário que pudesse potenciar a raiva que jorrava do discurso prolixo e incessante do meu interlocutor.

"Mas isto vai mudar, em breve, você vai ver! Aqui na Alemanha, estamos a organizar um novo partido, o NPD, e vamos dar a volta a isto. Um destes dias, vamos acabar com esses vermelhos e criar um regime novo. A Alemanha é um grande país. Temos de resgatar a nossa memória e deixar de ter complexos quanto ao regime que tivemos durante a guerra, que só foi derrotado pela aliança entre as democracias corruptas do ocidente e os bandidos comunistas. Vou hoje para uma reunião do NPD onde, com alguma gente que combateu na Wehrmacht, mas também já com muitos jovens patriotas, estamos a preparar o futuro. Os Brandts e estes traidores que nos governam vão ter a devida lição".

Importa lembrar, chegado a este ponto, que o NPD foi um partido neonazi criado em 1964, que nunca conseguiu fazer-se eleger para o parlamento federal, mas que chegou a estar representado em assembleias estaduais. A sua influência foi sempre muito diminuta na política alemã e alguma radicalização da conservadora ala bávara dos cristão-democratas, a CSU, de Franz-Josef Strauss, terá contribuído para esse inêxito. A AfD na qual ontem votou um em cada cinco alemães, é o herdeiro do NPD a que o meu companheiro de viagem estava ligado.

Uma viagem que estava a ser-me bastante incómoda. Eu olhava a estrada, mantinha-me o mais silencioso que podia, enterrado no banco do automóvel, desejoso que aquilo acabasse rapidamente, um pouco perturbado por aquele insólito encontro com uma Alemanha que apenas pelos jornais sabia que existia. 

Num certo momento, num cruzamento, numa zona urbana, tive uma inspiração: disse-lhe que, afinal, tinha mudado de ideias e que ficaria por ali, mudando os meus planos de percurso. Parou, eu retirei a mochila do banco de trás, agradeci a amabilidade da boleia e ele desejou-me umas férias felizes no seu país.

Quando fiquei sozinho, antes de repensar o novo trajeto, devo ter matutado que levava daqueles penosos minutos uma boa história para contar à família e aos amigos. Nunca pensei que viria a pô-la numa coisa chamada blogue.

Hoje quase ninguém anda à boleia, mas começa a haver muitos mais neonazis e gente congénere por aí.

A "democradura" turca

Ver aqui .