quinta-feira, setembro 30, 2010

Coroas

Alguns comentadores deste blogue chamaram há dias a atenção para o facto da RTP, nos últimos tempos e neste ano de comemoração do centenário da nossa República, estar a dedicar particular atenção a alguns reis portugueses. Curiosamente, igual atenção não tem sido dedicada aos nossos presidentes da República, num momento em que tal se justificaria como nunca.

É claro que tudo isto pode ser fruto do acaso e não corresponder a nenhuma significativa infiltração "talassa". "Não há coincidências", mas "Sei lá!" - para utilizar apenas dois títulos da modernidade da nossa escrita urbana. 

Recibo

Há um mistério que sempre me ultrapassou.

Por exemplo, no Brasil, quando se faz uma compra, não há mais nenhum talão de despesa que nos seja passado para a mão que não seja a "nota fiscal" (recibo). Em França passa-se o mesmo.

Em Portugal, no comércio, ao adquirir-se algo, dão-nos, na maioria dos casos, um papelinho que regista o valor dispendido e, depois, perguntam (quando perguntam): "quer recibo?" É claro que, muita gente, por inércia, acaba por não pedir recibo, o que faz com que o comerciante embolse o valor do imposto incluído na conta que acabámos de pagar. Por que razão não passa a ser obrigatória, em Portugal, a emissão automática de recibo e proibida a emissão de qualquer outro comprovante de despesa?

Se queremos caminhar no sentido de evitar, cada vez mais, a evasão fiscal, parece-me que esta seria uma medida óbvia. Mas, se não é praticada, então devo ser eu que estou a ver mal o problema...

Hoje

Recado aos pessimistas: em lugar de "chover no molhado", não será melhor arregaçar as mangas?

quarta-feira, setembro 29, 2010

"Egoísta"

Dizem-me agora que a "Egoísta" faz 10 anos. Trata-se de uma "aventura" dirigida por Mário Assis Ferreira, organizada por Patrícia Reis e "desenhada" por Henrique Cayatte, uma iniciativa de que todos os portugueses deviam estar orgulhosos.

A "Egoísta" é, provavelmente, uma das mais belas revistas do mundo e, ao que julgo saber, já ganhou, por essa razão, vários prémios. Na realidade, é menos uma revista e mais um "objeto" de culto, que varia na forma, surpreende pelo grafismo e pelas ousadias de produção. Nela se encontram, claro!, magníficos artigos. Além de outros, como um que por lá escrevi, vai para alguns anos, num número dedicado à Europa - porque a "Egoísta" tem sempre edições temáticas.

Possuir a coleção completa da "Egoísta" é um sonho de muita gente, muito difícil de realizar. Há números esgotadíssimos, disputados com fervor pelos colecionadores. Porque os tenho fechados a sete chaves, dou-me ao luxo de confessar ser um feliz possuidor da coleção completa da revista.

terça-feira, setembro 28, 2010

28 de setembro

A data de ontem dirá pouco às novas gerações. Contudo, em 1974, ela foi um dia-charneira na Revolução portuguesa, que assinalou a passagem entre dois tempos políticos bem distintos.

Em perspetiva do tempo, pode dizer-se, com alguma certeza, que o 25 de abril foi produto de um magnífico equívoco, que colocou, lado-a-lado, todos os adversários do regime que então se desmoronou. No 1º de maio que se seguiu, até parecia que todo o país havia saído à rua, talvez com exceção dos pides, da meia-dúzia de nostálgicos empedernidos e dos líderes apeados...

Mas as clivagens nas visões quanto ao futuro do país estiveram sempre presentes. Já no próprio dia 25 de abril, no "posto de comando" do Movimento das Forças Armadas, um conflito emergiu entre o general António de Spínola, convidado para "receber o poder" de Marcelo Caetano, e alguns elementos da "Comissão Coordenadora", que preparara o golpe de Estado, a propósito de certas passagens do Programa do MFA. Os portugueses que viveram esse período lembram-se, com certeza, que foi já muito tarde na noite que a Junta de Salvação Nacional falou ao país, numa muito aguardada emissão televisiva. A definição do texto do "Prograna do MFA", que o país conheceria em pormenor no dia seguinte, foi a razão principal desse atraso.

Daí para a frente, a unidade no seio das Forças Armadas apenas uma figura de retórica. Entre os "spinolistas" e a "Coordenadora" as tensões foram subindo de tom, com pequenas vitórias de parte-a-parte, a equilibrarem o jogo. No campo militar, o "documento Engrácia Antunes" polarizou, a certa altura, o descontentamento dos mais moderados. No seio do 1º "governo provisório", chefiado pelo advogado liberal Palma Carlos, as tensões subiram e as tentativas feitas por alguns no sentido de reforçar a autoridade do executivo, em ligação com Spínola e em oposição à corrente prevalecente no MFA, conduziram à sua queda. O general Spínola sentiu-se progressivamente ultrapassado pela dinâmica que os militares tinham imprimido à descolonização e espalhava pelo país avisos dramáticos à desregulação "anárquica" da vida portuguesa, com especial referência aos atentados aos direitos de propriedade. 

Durante todo o verão de 1974, Spínola foi conclamando à mobilização daquilo a que chamou a "maioria silenciosa" do país. No mês de Setembro, essa agitação, organizada em torno de personalidades conservadoras e de pequenos grupos políticos marcados pela saudosismo "estadonovista", que tinha por óbvio alvo a linha prevalecente do MFA - que confrontava Spínola, favorecia a descolonização e defendia políticas mais "progressistas", um tanto a reboque dos movimentos populares que explodiam pelo país -, acabaria por transformar-se na ideia de uma grande manifestação de apoio ao general e presidente da República, a ter lugar no dia 28 de setembro.

O que se pretendia com essa manifestação? Haveria, por detrás, uma tentativa de provocar um novo golpe militar, correspondendo a uma pretendida "vaga de fundo" de uma "maioria" da população, assustada com a dinâmica da Revolução? Haveria unidades ou comandos militares comprometidos? Haveria civis armados, prontos a criar um ambiente de anarquia, que justificasse uma intervenção autoritária com Spínola à frente? Há várias respostas para estas questões.

De seguro, apenas sabemos o que se passou. O MFA articulou-se com algumas forças sindicais e políticas - da extrema-esquerda a setores do PS - e lançou uma ação preventiva, impedindo os acessos a Lisboa dos potenciais manifestantes, que tinham a intenção de se apresentar em frente do palácio de Belém. Simultaneamente, na noite de 27 para 28 de setembro, o MFA procedeu à detenção de algumas dezenas de pessoas - na esmagadora maioria dos casos personalidades ligadas ao antigo regime - naquilo que aparentou ser mais uma ação de intimidação do que o desarticular de um verdadeiro "golpe reacionário" em preparação.

Como consequência deste novo estado de coisas, que desequilibrou politicamente a relação de forças no país, o general António de Spínola demitiu-se de presidente da República, tendo a chefia do Estado passado a ser assumida pelo general Francisco da Costa Gomes. O primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, que já chefiava o 2º "governo provisório" desde a demissão de Palma Carlos, formou então um 3º "governo provisório", com uma orientação mais "à esquerda", que marcou um novo passo no acelerar da Revolução. Os acontecimentos do dia 11 de março do ano seguinte tornariam ainda mais radical a Revolução portuguesa.

Pedras Salgadas

Temos feito eco neste blogue da luta da população das Pedras Salgadas pela recuperação do seu parque termal e pela necessidade da empresa Unicer cumprir com aquilo a que se comprometeu. 

Depois da manifestação popular de 23 de Setembro, corre agora uma petição para a qual são pedidas adesões. Quem a quiser subscrever pode fazê-lo aqui.

Se estiver interessado noutros textos aqui publicados sobre este tema, clique em "Pedras Salgadas" no marcador deste post. 

segunda-feira, setembro 27, 2010

O custo da vida

É de todos os tempos. Ficar isolado numa conversa cruzada, durante um jantar oficial, mantida entre vizinhos situados à sua esquerda e à sua direita, é uma situação inconfortável, particularmente se se tratar de uma mesa longa, em que não dê para falar com um terceiro parceiro. Se a educação dos vizinhos o permite, ou se a nossa imaginação conseguir descortinar uma aberta, pode ser que tenhamos oportunidade de entrar na charla, embora, às vezes, um tanto "à bruta" ou a despropósito.

Aquele diplomata estava a passar horrores, num jantar chato e longo. Quase desde o início, as suas duas vizinhas, desinteressadas dos comparsas que tinham do seu outro lado, mantinham-se a falar entre si, inclinadas para a frente. Conferiam preços, falavam do custo de vida. De início, o diplomata fez de conta que estava interessado naquele tráfego de custos, olhando alternadamente para as suas companheiras de mesa, qual árbitro de um jogo de ping-pong. Mas os números continuavam a fluir, em torno de produtos completamente alheios ao seu círculo de interesses: alimentação, higiene e roupa de senhoras eram temas escalpelizados ao cêntimo, com informações detalhadas sobre os locais de compra mais favorável. Mas, no geral, a queixa assentava na exorbitância do custo de vida local.

A certo passo, o diplomata "encheu-se" e não resistiu:

- Têm toda a razão. Isto está "pela hora da morte". Já nada é barato! Sabem o preço dos leões?

As duas "gralhas" silenciaram de surpresa e o nosso homem prosseguiu:

- Pois fiquem a saber que um leão jovem custa hoje 100 mil dólares! Pensarmos nós que, há meses, se comprava o mesmo leão por 30 mil...

E o nosso diplomata continuou, detalhando o preço dos macacos, dos canários, das galinhas-de-angola, etc.

As vizinhas calaram-se, finalmente.

Li esta história num livro que vivamente recomendo: "Os bastidores da diplomacia", de Guilherme Leite Ribeiro, um diplomata brasileiro com boa escrita e humor.

Miliband

Ed, o mais novo, e politicamente mais à esquerda, dos irmãos Miliband, ganhou, por uma "unha negra", ao seu irmão mais velho a liderança do Partido Trabalhista britânico. Ambos tinham sido membros do último governo trabalhista, dirigido por Gordon Brown. Por razões que a ideologia explica, pode presumir-se que o pai, Ralph Miliband, se ainda fosse vivo, teria ficado contente com este desfecho.

Na vida internacional, os sinais são contraditórios. Não deixa de ser curioso que o "labour" britânico escolha uma figura mais progressista para encarnar as suas esperanças de regresso ao poder quando, quase simultaneamente, os social-democratas* suecos são estrondosamente derrotados pelos conservadores, assistindo mesmo a uma significativa emergência parlamentar da extrema-direita no seu país.

O mínimo que se pode dizer é que a Europa está complicada!

* Já agora, em dia de preciosismo estilístico, conviria que alguns dos nossos jornalistas e locutores aprendessem que se escreve e diz "social-democratas" e não "sociais-democratas".

Acordo Ortográfico

O (para muitos "irritante") Acordo Ortográfico da língua portuguesa tem vindo a ser utilizado pela Embaixada de Portugal em Paris, desde o início deste ano. Prática que obteve - "cela va sans dire!" - aprovação prévia das autoridades centrais portuguesas.

Ao longo destes meses, a representação diplomática em França esteve isolada, no mapa diplomático português, na antecipação da obrigatoriedade (que aí virá, daí a pouco) de utilização das escassas mudanças que o Acordo introduz na escrita do português. Hoje, porém, reparei que já não estamos "orgulhosamente sós". Estas coisas levam tempo, mas lá vão andando...

domingo, setembro 26, 2010

Vinho do Porto

"É lá da quinta!". A quinta não era dele, mas o nosso jovem diplomata, convencido que isso lhe conferia o "coté" finaço de proprietário rural no Douro, utilizava a quinta da tia como origem do vinho do Porto que oferecia, com orgulho, aos seus convidados, em garrafas sem rótulo, que entendia darem maior genuinidade ao afirmado néctar.

Naquela noite, tinha o seu embaixador para jantar. Apurado "gourmet", o velho diplomata tinha fama de ser um "connoisseur"* de vinhos. Os  Portos seriam, aliás, a sua grande especialidade, pertencendo até à respetiva confraria. 

O jovem anfitrião não resistiu enquanto não passou um cálice do Porto "lá da quinta" ao Embaixador, não se coibindo de adiantar: "O senhor embaixador vai deliciar-se com este Porto!". Fez-se na sala um silêncio ansioso, enquanto o embaixador degustava um trago do Porto "lá da quinta". O velho diplomata rolou com calma o líquido na boca e, para satisfação maior dos donos da casa e instrução definitiva dos restantes convidados, disse: "estupendo!".

Só o empregado português, contratado à hora pelo diplomata, que o embaixador encontrava por todas as receções naquela capital, terá notado que, segundos depois, com a discrição coreográfica que a carreira ensina a quem a sabe aprender, o embaixador pousou na sua bandeja o resto do cálice daquela zurrapa "lá da quinta", que tentava passar por um Porto, e optou por um seguro copo de água.

Em tempo: Um amigo referiu o meu "lapso" de ter escrito "connoisseur" em lugar de "connaisseur". Não foi lapso. De facto, em francês diz-se "connaisseur" mas, devo confessar, habituei-me, de há muito, a utilizar a consagrada corruptela anglosaxónica de "connoisseur". Mas, de futuro, e enquanto por aqui andar, reconheço que tem sentido vergar-me às origens etimológicas do vocábulo. Obrigado pela nota.

sábado, setembro 25, 2010

Selos ministeriais

Acaba de ser revelado um bem guardado segredo desta classe política: desde há várias décadas, os correios franceses emitiam selos, em folhas não picotadas, uma espécie de "provas de luxo", que se tornavam rapidamente em raridades, muito valorizadas no mercado filatélico. Estas folhas eram destinadas aos ministros que tinham a seu cargo o serviço de correios, mas também primeiros ministros e presidentes da República.  De todas as orientações políticas e em tempos muito diversos. Alguns dos beneficiados transacionavam essas raridades e garantiam, assim, um valor interessante, que se agregava ao respetivo salário mensal. Esta prática terá acabado durante a presidência de Jacques Chirac e é agora tornada pública num livro de um ex-ministro do atual governo. 

As raridades filatélicas fazem parte da mitologia de quantos, como eu, se dedicaram na sua juventude a essa aventura magnífica que era a filatelia, por onde aprendíamos geografia, história e paciência. Recordo a emoção que tive, a primeira vez que estive em Paris, ao deparar com a casa "Yvert & Tellier", editora daquele que foi, durante muitos anos, o grande catálogo filatélico mundial. No nosso burgo, vivia-se então apoiado nos catálogos "Eládio de Santos", "Simões Ferreira" e "Mercado Filatélico", bases orientadoras das nossas coleções.

Nos dias que correm, em que já quase ninguém escreve cartas, onde os selos deram lugar a carimbos, a filatelia já não é o que era. Nem sei bem onde pára a minha coleção... Mas, depois da notícia de hoje, pergunto-me: e em Portugal, alguém beneficiou de "borlas" dos CTT? Há por aí alguma "dupla impressão" disponível?

Deixo-os com uma imagem que, estou certo, criará saudades aos filatelistas da minha geração.

"e-mail" corporativo

De há uns anos para cá, o Ministério dos Negócios Estrangeiros criou, para cada um dos seus funcionários - diplomatas, técnicos e administrativos -, um endereço de e-mail próprio. A ideia, inteligente, seria proporcionar um canal de ligação entre a administração e os funcionários, servindo, ao mesmo tempo, de subliminar estímulo à sua desejável conversão às novas tecnologias.

Todas as boas ideias têm um "mas". No nosso caso, houve um "leak" que permitiu que todos passássemos a conhecer os endereços de e-mail de todos os outros. Mas qual é o problema, perguntar-se-á o leitor? É muito simples: quando alguém  ou algum serviço quer dar notícia de alguma coisa, por mais irrelevante que seja, manda indiscriminadamente (sem ter em conta se se trata de funcionários em Lisboa ou no estrangeiro, se somos solteiros ou casados, se temos filhos ou não) um mail a mais de um milhar (nunca os contei, mas anda nessa dimensão) de colegas.

Recordo que, uma vez, alguém se lembrou de avisar que a água ia faltar, no palácio das Necessidades, no dia seguinte. Com a maior das latas e displicência, a mensagem foi enviada a todos os funcionários do quadro do MNE, de embaixadores a contínuos, de Camberra a Washington, de Tóquio a Kiev. Todos fomos "obrigados" a perder algum tempo a ler uma mensagem perfeitamente escusada para quem vive no estrangeiro. Idêntica atividade tivemos que exercer quando, um dia, mudou, conjunturalmente, o horário de fecho do bar do palácio.

De outra vez, um guarda da Securitas deixou o serviço do MNE. Logo, carinhoso, escreveu-nos a todos - às largas centenas que estamos espalhados pelo mundo, para benefício dos administrativos da cidade do México ou de Nairobi, bem como dos embaixadores na Croácia ou em Seoul - lembrando, com frases sentidas, as boas horas em que tinha tido à sua cuidadosa guarda a sede da nossa diplomacia.

Uma descoberta - "foram encontrados junto à saída do Protocolo, uns óculos de marca Vogue, com hastes pretas e brancas" - mobilizou também, há alguns meses, a atenção de milhares de pessoas, que perderam o seu tempo a abrir e ler o mail que revelava o importante achado. Isto para não falar dos amáveis (mas impessoais) votos de boas-festas que aí se anunciam ao aproximar da quadra natalícia, dos convites para  lançamento de  livros que causam angústias - por impossibilidade de tomarem um avião a tempo - aos funconários em Sidney, Toronto ou Belém do Pará.  E muito mais...

Por agora, parece terem abrandado um pouco aquilo a que eu chamo os "attachments da paz" - aquelas patéticas mensagens furtacores, em estilo de "power-point", tendo como fundo música de elevador ou de "crooners" românticos, com fotografias de paisagens serenas, crianças ou velhinhos, passando ditos de natureza comportamental ou de auto-ajuda, quase sempre redundantes conselhos à "la Palisse", na busca da felicidade perdida (pelos que têm tempo para andar a escrever aquele tipo de coisas), com citações "sábias", com um "lettering" de zoom, letras ou palavras a pingar sobre o écran, às vezes em "brasileiro", muitas outras com clamorosos erros de ortografia. Temíveis são os que pedem, no final, que se circule a mensagem por "amigos", já não por ameaças  tenebrosas do nosso destino por quebra das "cadeias", mas pela poluição informática que potenciam.

Enfim, o meu endereço de "e-mail corporativo" tem sido tudo menos útil, até porque tem um espaço de armazenamento que, naturalmente, se esgota com facilidade, porque não se previam estas inusitadas "encomendas".

Apesar de tudo, tem algumas "vantagens". Há dias, por ele recebi um mail (oficial, de um departamento do MNE) convidando-me a fazer um curso...de francês. Normalmente, tomaria isso como uma graça provocatória ao embaixador em Paris. Sosseguei, ao ver que os funcionários das nossas embaixadas em Montevideu ou em Otava, dos consulados em Manchester ou em Xangai, também tinham recebido. E que todos partilhavam comigo das dificuldades de podermos estar presentes em Lisboa, às horas previstas para tal curso.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Diplomata

Teve vários e prestigiantes postos na sua vida, que cumpriu com inteligência e estudado enfado. Mas só tinha um único lema, seguindo o "motto" de Clemenceau: "o meu antecessor é sempre um imbecil e o meu sucessor é sempre um incompetente".

quinta-feira, setembro 23, 2010

Romance de uma conspiração

Pode ter acontecido já a algum leitor ter lido um romance com cenas passadas em locais e circunstâncias em que esteve envolvido. É uma sensação estranha cruzarmo-nos com uma ficção que desenvolve uma trama que teria decorrido, sem o sabermos, ao nosso lado, envolvendo figuras que, embora sob pseudónimo, reconhecemos sem dificuldade. Aconteceu agora comigo, ao ler o "Romance de uma conspiração - Portugal no centro de uma intriga internacional", editado pela "Oficina do Livro" escrito pelo meu amigo João Paulo Guerra, um credenciado jornalista de quem já aqui se falou. Grande parte do texto situa-se no tempos quentes da Revolução de abril, em assembleias, estruturas e espaços militares por onde eu andava então.

Curiosamente, nunca tinha abordado com o autor o tema que trata no livro, sobre o qual, aliás, sabia muito pouco. Trata-se de uma interessante mescla entre ficção e realidade, em torno de uma investigação jornalística sobre uma rede internacional de extrema-direita que, até aos anos 70 do século passado, teve Portugal no seu centro. Ao ler livros como este, começamos a perceber que houve muita coisa, na nossa história recente, que, afinal, correu ao nosso lado mas que só agora, com o passar do tempo, nos vai chegando.

Pedras Frustradas

Sob o título deste post, publiquei ontem no "Jornal de Notícias" o seguinte artigo:  

"Durante muitos anos, Pedras Salgadas foi do que havia de melhor em matéria de parques termais portugueses. Entretanto, os tempos mudaram, o “charme” termal entrou num certo declínio e, apenas nos últimos anos, se registou, um pouco por todo o país, a recuperação de alguma da antiga vitalidade do sector.

Nem todas as estâncias termais tiveram, contudo, a mesma sorte. As Pedras Salgadas arrastaram-se, por algumas décadas, num processo de mera sustentação, a qual, no entanto, dava alento económico à vila e conforto sazonal ao seu comércio. A empresa das “Águas das Pedras”, nas gestões de Souza Cintra e Jerónimo Martins, mantiveram um mínimo de capacidade hoteleira local – que é a condição absolutamente essencial para a sobrevivência desse parque termal.

Uma luz emergiu ao fundo do túnel com o projecto, anunciado pelos novos proprietários das “Águas das Pedras”, a UNICER, da recuperação do balneário e do parque, assente na construção de um novo hotel, que iria ser uma obra de Álvaro Siza Vieira – e cuja designação teria, aliás, o próprio nome do arquitecto. A obra enquadrava-se no projecto Aquanattur e surgia como a contrapartida pelas vantagens da exploração do rentável negócio das águas. Os autarcas locais e, inicialmente, grande parte da população, logo se entusiasmaram com as perspectivas de desenvolvimento que daí poderiam advir, que a propaganda da UNICER espalhava aos quatro ventos.

Depois, veio uma nova administração da UNICER, logo seguida de uma dura realidade: a empresa não apenas encerrou o único hotel então existente como passou, de forma escandalosa, a violar todos os prazos de execução de obras a que, sucessivamente, se ia comprometendo, sob uma inexplicada complacência da AICEP – à qual, em princípio, competiria exigir tal cumprimento e a denúncia dessas violações temporais.  

Há cerca de um ano, sob pressão de um movimento cívico local, que reclamava desses recorrentes atrasos, a actual administração da UNICER anunciou, em comunicado, que, até ao fim de Maio de 2010, iria apresentar o projecto do tal novo hotel, desenhado por Siza Vieira, cuja construção se iniciaria (finalmente!) em 2011. Maio já lá vai há muito, nenhum projecto surgiu e – posso garanti-lo! – é completamente falso que Álvaro Siza Vieira tenha entre mãos qualquer projecto encomendado pela UNICER.

Cansada de esperar, a população das Pedras Salgadas vai sair para a rua, no dia 23 de Setembro. A UNICER – cuja excepcional saúde financeira não lhe permite utilizar o argumento da “crise” – será agora obrigada a explicar o verdadeiro logro em que tem mantido a população das Pedras Salgadas." 

Se estiver interessado noutros textos aqui publicados sobre este tema, clique, abaixo, em "Pedras Salgadas" no Marcador deste post. 

Elmano Sancho

A partir desta semana, quem for ver "Les femmes savantes" de Molière, na Comédie-Française, aqui em Paris, poderá apreciar o trabalho de Elmano Sancho, um jovem ator português já com interessantes experiências nos nossos palcos e cinema.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Rádio portuguesa em francês ?

Falar em francês para portugueses? A questão surgiu no domingo, durante o programa "Génération Portugal", realizado no âmbito da rádio RGB, de Cergy Pontoise, animado por Patrick Caseiro e Aida Cerqueira. Ao longo das várias horas de emissão, em que intervim, o francês foi a única língua usada. Alguém acha isso estranho?

Eu não acho. A comunidade de origem portuguesa em França é muito diversa: há quem fale correntemente português, há quem apenas perceba um pouco de português e há quem se sinta muito pouco à vontade a falar ou a ouvir falar a nossa língua. Sendo este um programa que pretende entrar num "mercado" de ouvintes de uma terceira geração de origem portuguesa, que tem o francês como língua comum, considero perfeitamente natural que o idioma utilizado seja apenas o francês. Quanto ao resto - à música, à cultura, aos temas de conversa - tudo foi sobre Portugal, sobre os portugueses. 

Combinei ir falar, no futuro, ao mesmo programa, sobre o tema da língua portuguesa em França.  E vamos ter essa conversa em francês, claro! Essa será uma oportunidade para tentar explicar aos setores da comunidade luso-descendente que não têm o português no seu dia-a-dia as vantagens que a nossa língua hoje lhes pode oferecer. Esse foi, aliás, o mote de um artigo que publiquei este mês na revista da associação de jovens luso-descendentes "Cap Magellan", precisamente sob o título "Porquê o Português?", e que pode ler aqui.

Monet

Não é muito "decente" - reconheço! - estar a sublinhar uma "vantagem comparativa" de quem vive em Paris. Mas não posso deixar de recomendar, a quem por aqui vive ou por aqui vier a passar, até 24 de Janeiro de 2011, que visite a extraordinária exposição de Claude Monet, em exibição no Grand Palais. Fui ontem vê-la e, confesso, fiquei deslumbrado. Há 30 anos que não se reunia um conjunto tão rico de obras deste grande pintor do impressionismo.

Estando longe de ser uma obra típica de Monet - e talvez por isso -, apetece-me deixar aqui a sua "rua Montorgueil".

terça-feira, setembro 21, 2010

Televisão e futebol

O "Expresso online" trouxe ontem uma nota do seu correspondente em Paris, sob o título "Emigrantes em França criticam TV portuguesa". O texto dá conta do desagrado detetado junto de cidadãos portugueses aqui residentes pelo facto de nem a RTPi nem a SICi transmitirem os principais jogos do campeonato português. Posso adivinhar que terá sido o recente "derby" da 2ª circular a razão próxima desta reação.

Como ilustração desta posição, o jornal cita um compatriota nosso como tendo dito: "A mim só me interessa o futebol e a continuar assim acabo com a assinatura dos canais portugueses". Com esta frase ficam muito claras as motivações que, de facto, assolam muitos portugueses aqui residentes.

Porém, o texto também adianta esta frase: "A RTP e a SIC têm sido acusadas, até por diplomatas nacionais, de difundirem programas inadaptados aos interesses dos portugueses residentes no estrangeiro".

Ora convém não confundir as coisas: alguns "diplomatas nacionais" (a começar pelo embaixador português em França, que não costuma esconder o que pensa, como aqui bem se sabe) têm uma opinião muito pouco lisonjeira da programação que hoje é oferecida pela RTPi e pela SICi. Isso, porém, nada tem a ver com o futebol, ou melhor, talvez tenha! Devo dizer que, reconhecendo que pudesse, de facto, ser interessante ter alguns jogos portugueses mais relevante nesses canais, do que essencialmente me queixo como utente é de que há, precisamente, "futebol" a mais nas televisões portuguesas - longos debates microscópicos sobre "foras-de-jogo" e penaltis, feitos por personalidades com uma óbvia "balcanização" clubística, inenarráveis entrevistas (para passar publicidade em fundo) com treinadores, jogadores, bem como com outros figurantes e alguns figurões do ramo, incríveis imagens quotidianas de treinos dos "três grandes" durante os telejornais do almoço, relatos de sessões de psicanálise federativa, detalhes da comédia da seleção e, por vezes, (sempre muito graves) declarações das instâncias "judiciais" (tenho pudor em utilizar a palavra neste contexto) da modalidade.  

Em matéria de tratamento mediático do futebol, não tenho a menor dúvida em afirmar que Portugal é hoje um país subdesenvolvido e, para tal, muito tem contribuído a medíocre programação das nossas televisões, as quais, na minha opinião pessoal, prestam hoje um mau serviço ao país. Mas, convém ser justo, a televisão não esgota este triste estado de coisas: não imaginam a cara dos estrangeiros quando lhes refiro que há, na nossa terra, três jornais desportivos diários... A França tem um!

Imagino que os responsáveis televisivos, se acaso lhe chegasse à vista esta nota, pudessem argumentar que, como se vê, "não é possível agradar a gregos e a troianos". Claro que não é. Mas, quando não se pode agradar a todos, fazem-se opções. Uma das opções possíveis é seguir acriticamente as tendências do potencial auditório maioritário. Outra seria tentar trabalhá-lo culturalmente, respeitando-o sem o violentar, mas procurando fazê-lo evoluir. As televisões fizeram a sua opção.

Europa à mesa

Há uns meses, falei aqui da "franqueza" que, por vezes, marca as reuniões cimeiras dos chefes de Estado e governo da União Europeia. Quando as coisas "aquecem", a linguagem pode subir a níveis inesperados. Recordo bem duas cenas de quase confrontação física a que assisti, num intervalo de trabalhos, envolvendo grandes líderes políticos europeus.

Por essa razão, não me surpreende nada a descrição que o "Le Monde" de hoje faz do almoço "de trabalho" que reuniu os chefes de Estado e governo dos 27, em Bruxelas, no dia 16 de Setembro. Sob o significativo título "Déjeuner de fiel à Bruxelles", o jornal relata, com citações que a sua credibilidade não permite pôr em causa, as trocas de palavras entre alguns responsáveis pela condução política do continente. Infelizmente, o texto não parece acessível por link. A julgar pelo que foi dito, a chanceler alemã, Angela Merkel, teve plena razão quando avaliou a refeição: "o almoço correu bem, pelo menos no tocante à qualidade da comida..."

Literatura Portuguesa

Voz amiga informa-me de que duas obras literárias portuguesas estão entre os 13 romances estrangeiros finalistas do prémio Femina.

"Aprendre à prier à l'ère de la technique", de Gonçalo M. Tavares (ed. Viviane Hamy) e "Myra", de Maria Velho da Costa (ed, La Différence). 

Trata-se de um prémio cujo juri é composto apenas por mulheres e que, de certo modo, aparece como um contraponto ao prémio Goncourt. A premiação de romances estrangeiros começou a fazer-se em 1985.

De assinalar, também, que o romance de Gonçalo M. Tavares está também qualificado para o prémio Medicis, um outro importante galardão que se destina a autores "cuja fama não está ainda à altura do seu talento".

segunda-feira, setembro 20, 2010

Conselho de Segurança

No dia 12 de Outubro, decide-se a sorte da candidatura de Portugal a um lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU, para o biénio 2011-12. Como opositores, no grupo regional a que pertence, Portugal tem a Alemanha e o Canadá.

Esta eleição implicou um forte empenho de toda a máquina diplomática e política portuguesa. Muitas centenas de diligências foram feitas por todo o mundo, contactos múltiplos executados, imensas promessas de votos foram recebidas, grande parte em troca de apoios noutras eleições, no âmbito da ONU ou não. Imagino a quantidade de horas que o meu colega embaixador na ONU, Moraes Cabral, terá passado no "Indonesian Lounge", o lugar das conversas "onusinas", a tentar convencer colegas a votarem em nós, bem como os incontáveis almoços e jantares realizados. Sei do muito que se fez, através de todo o sistema internacional, para promover esta candidatura. Julgo, com toda a sinceridade, que melhor seria impossível.

Esta eleição é, porventura, das mais difíceis de todas aquelas em que Portugal esteve envolvido. Lutamos contra dois "gigantes", dentro da máquina das Nações Unidas e fora dela, dois países ricos, membros do G8, detentores de uma forte rede diplomática, com atividade muito intensa em várias áreas relevantes para a máquina multilateral e, por isso, com muitos "argumentos" de peso para convencerem os eleitores. 

Perder ou ganhar faz parte da vida internacional. Seguro, cómodo, seria não concorrer, não correr riscos. Assim, de facto, nunca perderíamos.

Nós decidimos "ir a jogo". E bem. Temos todas as razões para disputar esta luta, temos todo o interesse em, estar presente nesta competição, temos motivos de sobra para podermos ambicionar o lugar. Porquê? Leiam o que escrevi aqui, há alguns meses.

Entre 1997 e 1999, Portugal esteve presente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi uma vitória brilhante, numas eleições conduzidas politicamente por Jaime Gama e, no terreno e com mão de mestre, pelo então representante diplomático português na ONU, Pedro Catarino. Durante o biénio da nossa presidência, Portugal foi representado em Nova Iorque, com grande profissionalismo, por outro excelente diplomata, António Monteiro. Vim a suceder-lhe no lugar, como, por coincidência, também ocorreu aqui em Paris.

À época, estive ligeiramente envolvido na "guerra" de conquista de votos, em encontros múltiplos com governantes e diplomatas, em visitas a alguns países europeus. dadas as funções que então ocupava. Passei muitos dias de avião e em  ações de lóbi, da Estónia à Croácia, da Lituânia à Bósnia-Herzegovina.

Na noite da eleição, em Outubro de 1996, recordo-me que estava em casa do representante permanente austríaco junto da União Europeia, num jantar de trabalho no âmbito da negociação daquele que viria a ser designado como o Tratado de Amesterdão.

A certa altura, recebi um telefonema: a Suécia e Portugal tinha sido eleitos, a Austrália - o terceiro "challenger" - fora derrotada, de forma esmagadora. Com falsa naturalidade, interrompi a discussão e voltando-me para os presentes e, em especial, para o meu colega de governo sueco, Gunnar Lund (hoje, como eu,  embaixador aqui em Paris), disse: "Proponho um brinde, para comemorarmos a entrada da Suécia para o Conselho de Segurança". Todos me acompanharam. Um segundo depois, Gunnar lembrou-se: "E quem mais foi eleito, no grupo ocidental?". Aí, magnânimo, retorqui: "Portugal, claro, mas isso já era óbvio, ninguém estava à espera de outro resultado..."

Fabius e a pintura

Laurent Fabius, antigo primeiro-ministro francês, acaba de publicar um livro raro para um político: uma obra onde analisa 12 obras de pintura que, na sua opinião, marcaram o imaginário francês. Em "Le Cabinet des Douze - regard sur des tableaux qui font la France", faz um périplo muito pessoal por quadros de diversas épocas e estilos, num olhar eclético, que pode ficar aquém do preciosismo dos especialistas mas que, seguramente, vai muito para além daquilo que a generalidade dos seus pares conseguiria elaborar.

Fabius descende de um família da burguesia parisiense dedicada ao comércio de antiguidades. É um homem que escreve bem e fala melhor, cuja multifacetada cultura seduziu François Mitterrand, que o nomeou para Matignon. Hoje é uma figura senatorial da política francesa, que merece um alargado respeito.

É interessante ver um grande senhor da política fazer esta incursão num terreno menos comum e, em especial, apreciar a sua ousadia em, por exemplo, ir buscar a banda desenhada como um dos exemplos da arte a reter.

Deixo, na imagem, este magnífico "Footballeurs", de Nicolas de Stael, um quadro de 1952 que sempre me impressionou e que, pelos vistos, também marcou Fabius.

domingo, setembro 19, 2010

27 de maio

Há mais de um ano (como o tempo passa!) falei aqui do 27 de maio de 1977, uma data trágica para a história de Angola, que consagrou o início de uma espécie de "guerra civil" no seio do MPLA, a qual conduziu a milhares de mortos e a um traumatismo que ainda hoje atravessa muitos setores da sociedade angolana.

A história recente de Angola, queiramos ou não, constitui também um capítulo da nossa própria história. Não se pode compreender o 25 de Abril, e tudo quanto lhe sucedeu, sem se ter em conta o efeito recíproco dos fenómenos ocorridos nos territórios que, então, abandonavam a tutela da colonialismo português. Isso é válido para o 27 de maio, como o é para a relação entre o MPLA e a UNITA.

Por uma mera coincidência, cheguei a Angola, colocado na nossa Embaixada, no dia 27 de maio de 1982, isto é, precisamente cinco anos depois do 27 de Maio de 1977. Sabia pouco do que se tinha passado em 1977, isto é, tinha apenas os impactos mediáticos do acontecimento, em muitos casos sob a luz distorsora das ideologias. Recordo ter-me sempre defrontado com um imenso muro de silêncio quanto inquiria sobre os eventos ocorridos meia década antes. Poucos queriam falar disso e os que tal ousavam faziam-no num registo de contenção que muito me impressionou. Ainda hoje, com alguns amigos e conhecidos da realidade angolana, continuo a ter uma estranha dificuldade em abordar o tema, que parece ter-se convertido em tabu na memória coletiva.

Há dias, vi e comprei em Portugal um livro publicado sobre a figura de Sita Valles, uma pessoa da qual a maioria dos leitores deste blogue nunca terá ouvido falar. Sita Valles foi uma militante política, ligada à UEC (União dos Estudantes Comunistas), a organização estudantil do PCP (Partido Comunista Português). Nascida em Angola, filha de pais indianos, foi estudar medicina para Portugal, tendo-se tornado numa figura importante do movimento associativo universitário de então. A sua fase de maior atividade coincide com um período em que eu próprio estava já a ter uma menor ação nesse movimento, pelo que tenho dela apenas uma memória pessoal muito remota.

Após o 25 de abril, Sita Valles decidiu regressar à sua terra natal, para participar na vida do novo país independente. A sua ação no seio do MPLA foi marcada por um forte radicalismo, que a tornou, desde cedo, numa personalidade bastante controversa. Terá tido uma particular responsabilidade na formação de uma tendência política que era protagonizada na figura de Nito Alves, um prestigiado guerrilheiro em torno do qual se criou um movimento que, em 27 de maio de 1977, tentou forçar, de forma violenta, uma mudança no poder político angolano, pondo em causa ou pretendendo condicionar o presidente Agostinho Neto. Sita Vales foi então presa e, mais tarde, terá sido executada, como vários outros milhares de pessoas, alegadamente implicados naquele golpe político-militar. De notar que houve também alguns cidadãos portugueses que apareceram envolvidos naqueles acontecimentos.

O livro agora escrito por Leonor Figueiredo traça-nos um retrato inédito de Sita Valles, das suas relações familiares e afetivas, bem como da sua variada, mas sempre muito empenhada, atividade política. Fala-nos também um pouco do 27 de maio, acrescentando alguns dados mais à escassa bibliografia existente sobre essa data, a qual permanece muito pouco estudada e sobre a qual continua a imperar um grande desconhecimento público. O livro, em si mesmo e como biografia humana e política, tem o valor que tem, mas tem, essencialmente, o grande mérito de abrir mais uma porta para um dia se poder vir a saber, em detalhe, o que se terá, de facto, passado em Angola, nesse período. Talvez então possamos conhecer algumas coisas mais sobre o 27 de maio: as posições do Partido Comunista Português, a real atitude da União Soviética perante a aproximação e o desenrolar dos eventos, o verdadeiro papel desempenhado pelos diplomatas e pelas forças armadas cubanas, etc. Tudo isso é importante para a história de Angola, mas é igualmente vital para se perceber melhor um tempo decisivo no processo de relação política de Portugal com esse país. 

sábado, setembro 18, 2010

"To go native"

Uma das fraquezas da vida diplomática é a possibilidade de alguém se deixar seduzir de tal modo pelo país ou pelo governo junto do qual atua que passa, de forma mais um menos acrítica, a tomar como suas as respetivas posições, muitas vezes em contraponto às próprias orientações do Estado que representa. 

"To go native" (ou, em tradução livre, ficar igual aos locais) é uma forma de mimetismo diplomático que pode arruinar a função e tornar irrelevante, quando não contraproducente, a ação do diplomata. Esta atitude pode comparar-se a uma outra, de sinal contrário, igualmente nefasta: a rejeição e diabolização das instituições e das figuras do país onde se atua, conduzindo a uma sistemática crítica negativa das suas políticas e tomadas de posição.

Conheço muitos casos de diplomatas que "went native", subscrevendo, com regular entusiasmo, tudo quanto emane do governo junto do qual estão a atuar, relevando a sabedoria das suas políticas, a argúcia dos seus dirigentes e a sistemática razão que lhes assiste. A maioria das vezes, isso não tem a menor das importâncias, para além do facto de desvalorizar o trabalho de informação que deve ser efetuado pelo posto. 

Um problema surge, porém, se e quando há algum conflito de interesses entre o governo que esse diplomata representa e o Estado junto do qual está acreditado. Por real convicção ou por tropismo comodista, já vi casos de colegas apostados em tentar que as nossas autoridades mudem de posição, que Lisboa siga no sentido dos interesses... dos outros. Às vezes, o argumentário acaba por ser tão criativo que não pode deixar de ter-se alguma admiração profissional por quem, do outro lado, os conseguiu convencer...

Que fique bem claro que não estou aqui a falar de "traição" ou sequer de deslealdade, coisa com que, felizmente, nunca na minha vida profissional deparei em nenhum colega - o que, aliás, seria muito estranho, num corpo diplomático, como o português, onde o patriotismo é uma marca bem reconhecida. Trata-se apenas da emergência sincera de uma convicção de que a posição do nosso país está errada e de que certa é a daquele em cuja capital vive. Ora a vida diplomática é o contrário disso: é a necessidade de fazermos passar mensagens favoráveis aos interesses que as autoridades do nosso país entendem dever promover como sendo os nossos, mesmo que não tenham "pitada" de razão. Como dizem os americanos - e todos os diplomatas devem ter como lema -, "my country, right or wrong".

Muitas histórias poderia contar para ilustrar este tipo de atitude, mas, a este propósito e num sentido algo diverso, vem-me à memória a relutância que um dia notei, de um representante português junto de uma organização internacional, em obstaculizar a entrada da Indonésia num determinado comité. Tratava-se de uma instância onde a unanimidade era requerida e, por essa razão, Portugal poderia aí objetivar a sua política de então, que era criar dificuldades ao país cujo isolamento tentávamos garantir, como indireta pressão para contrariar a sua atitude no caso timorense. O argumentário técnico para justificar a nossa rejeição à pretensão de Jacarta era nulo, pelo que se imagina o embaraço do diplomata português junto dos seus colegas, ao ser-lhe pedido para explicar o inexplicável. Mas ele era pago para isso...

Depois de ter suscitado por escrito, ou em contacto com os serviços do MNE, todas as sua possíveis objeções às nossas instruções, o embaixador pediu para me falar - estava eu então em funções de natureza política. Pelo telefone, explicou-me a sua dificuldade: "Eu não tenho argumentos para me opor à admissão da Indonésia. Os meus colegas acham ridícula a minha posição e isto é quase um vexame!". Reparei que o homem estava, de facto, numa posição difícil. Perguntei-lhe: "Mas você acha que nós não temos razão?". Ao que me respondeu, um tanto aflito: "Bom, nós temos as nossas razões, só que eu as não posso dizer abertamente, porque eles nunca as aceitariam".

Nesse passo da conversa, não vi outra solução: "Meu caro, nesse caso, 'go native' e diga aos seus colegas que, por si, até concordaria com eles e deixaria entrar a Indonésia. Mas que, 'lá de Lisboa', as ordens são imperativas e que você, como profissional que é, as não pode contrariar. Eles perceberão". E ele assim fez. E julgo que os colegas perceberam.

sexta-feira, setembro 17, 2010

Retratos lisboetas (3)

Há uns anos, quando víamos alguém a falar sozinho pela rua, era, com toda a certeza, um "maluquinho".

Os leitores lisboetas com mais experiência (habilidade estilística para evitar o "mais antigos"), recordam-se do "noivo" que subia a Garrett (em frente a esta montra), em passo agitado e traje de cerimónia, de flor ao peito e sonoras frases sem destinatário óbvio. A tradição ligava a personagem a um infausto noivado, cuja não consumação conduzira ao desvario eterno.

Hoje não: para além dos verdadeiros "maluquinhos", que já são uma minoria, grande parte de quantos vemos e ouvimos a falar sozinhos pelas ruas - muitos dentro dos automóveis - são apenas palradores de telemóvel "hands free", com o microfone na lapela, na orelha ou em outros lugares insuspeitados.

Hoje há mais "maluquinhos", ou melhor, não se distinguem uns dos outros...

"Federação quer Mourinho para dois jogos"

quinta-feira, setembro 16, 2010

Dominicano

Aquele jovem funcionário internacional brasileiro, seguia, com visível atenção, a história que estava a ser contada, com vivacidade e graça, por um dos participantes, numa conversa de fim de tarde, algures no Brasil. Éramos aí uma dúzia de pessoas, algumas que antes não se conheciam entre si, na casa de uns amigos de todos.

A certo passo, fiquei com a nítida impressão - não me perguntem porquê! - de que a atenção do  nosso jovem estava mais concentrada na forma do discurso do tal participante e, menos, na substância do que ele dizia.

Numa pausa, consumando a curiosidade que visivelmente o estava a alimentar nos últimos minutos, o tal espetador pergunta para o ativo interveniente:

- Você, há pouco, disse que era dominicano. Como é que, sendo dominicano, fala tão bem português?

A parte da sala que captou a bizarria da pergunta desatou a rir.

- Foi no convento - respondeu-lhe, irónico, o brasileiro, frade dominicano...

Sporting

Valeu a pena ter ido hoje a Lille ver jogar o Sporting, numa produtiva jornada europeia.

Em tempo: o Sporting jogou com as "reservas" e ganhou, coisa que raramente acontece com os titulares. Está descoberta a solução?

SEAE


Noutros tempos, a sigla SEAE significava apenas, entre nós, "Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus". Agora, também quer dizer "Serviço Europeu de Ação Externa". Mas nada de confusões: uma coisa é a política externa europeia, outra coisa é a nossa política nacional para a Europa! 

Ontem, foi anunciado o primeiro grupo de nomeações para a chefia das novas "embaixadas europeias" pelo mundo, no quadro desse SEAE. Alguns comentaristas  lusos parecem algo desiludidos pelo facto de candidatos de nacionalidade portuguesa não terem "ganho" lugares nos paises de expressão portuguesa. Confesso que não acho que isso tenha uma importância decisiva, embora perceba que possa haver quem veja nisso algum simbolismo.

O importante - e que não vi referido com suficiente ênfase - é que esta evolução da política europeia não conduza, entre nós, ao aparecimento de peregrinas ideias no sentido de um ainda maior subdimensionamento da nossa rede diplomática. A Europa criou estruturas para representar os interesses comuns aos (por ora) 27 Estados membros. Mas as "embaixadas europeias" não estão lá para tratar das relações externas de cada um dos países, da promoção da nossa língua e cultura, da ajuda aos nossos empresários ou da preservação das nossas alianças históricas ou estratégicas. Que isto fique bem claro!

Para a chefia deste SEAE, a "ministra dos negócios estrangeiros" europeia, sra. Ashton, aceitou um excecional diplomata francês, Pierre Vimont (na foto), até agora embaixador da França em Washington. Vimont é um bom amigo pessoal, há bastantes anos. É um homem de uma extrema delicadeza pessoal, que vai de par com uma notável eficácia e pertinácia. Estou seguro que vai fazer um lugar à altura das expetativas de quem o escolheu. "Bon courage", Pierre!

quarta-feira, setembro 15, 2010

Europa "à la carte"

Uma grande maioria dos portugueses, ouvida numa sondagem, afirma-se favorável à existência de "mais Europa" para responder à crise. Seguramente que, desta maioria, faz parte uma outra, também portuguesa, que acha que a adoção do euro foi uma má medida.

Imagino eu que, se perguntada, uma imensa maioria se mostraria satisfeita com o facto de ter sido possível obter, a nível europeu, um conjunto de respostas de natureza financeira que permitiu estancar a ameaça que pairava sobre as economias dos Estados membros, que havia já afetado a Grécia e que se preparava para se estender a Portugal. Destes, não sei qual a percentagem de quantos, "patrioticamente", recusam legitimidade para as instituições europeias olharem para os orçamentos nacionais e neles "lerem" se estão a ser levadas a cabo medidas de contenção do défice. (Diga-se que esta "legitimidade" decorre dos tratados que Portugal assinou, aprovou por larga maioria parlamentar e ratificou)

Haverá tradução "europeia" para a expressão - não por acaso, portuguesa - "ter sol na eira e chuva no nabal"?

Retratos lisboetas (2)

Lisboa, bairro da Lapa, 15 de Setembro de 2010

terça-feira, setembro 14, 2010

Silêncio

Tinham sido longas horas, primeiro de avião, depois em viaturas militares, neste caso rodeados de forte segurança. O ministro estava de passagem naquela região do mundo. Aproveitando essa casual circunstância, o governo decidira destacá-lo para o representar na cerimónia de homenagem a militares portugueses, mortos durante uma missão no estrangeiro. Ainda que tal tivesse ocorrido num acidente, isso não diminuía o valor do seu sacrifício e a necessidade de o sublinhar da forma mais solene.

Via-se que o ministro estava genuinamente comovido, quando, depois de visitar e falar com os feridos, se deslocou ao local onde estavam os caixões, cobertos com a bandeira nacional. Teve então lugar a cerimónia do "minuto de silêncio". Quando o governante estacou e se perfilou frente a eles, os militares à sua volta fizeram, de imediato, a continência devida.

O ministro deixou-se ficar, num respeitoso recolhimento, um minuto. E, depois desse, outros minutos mais. Protocolarmente, a partir de certa altura, o tempo de expressão de respeito começou a "soar" como excessivo. A maioria do militares, muitos estrangeiros, foram "deixando cair" a continência, mantendo, contudo, a postura de sentido. Um acompanhante do ministro, notando o que poderia ser considerado um exagero no prolongamento do ato protocolar, deixou, baixo, uma palavra ao governante, do tipo: "Senhor ministro, acho que já podemos ir indo..." O homem, porém, não se desformalizava. E só ao fim de um silêncio longuíssimo, de vários minutos, se decidiu a sair de cena.

Na viagem de regresso, o colaborador, simultaneamente para justificar a observação feita e para tentar perceber a razão justificativa da longa pose protocolar do governante, inquiriu, discretamente, por que este não se limitara ao tradicional minuto de silêncio. A resposta do ministro foi esclarecedora: "Então você acha que eu vinha de longe, depois de tantas horas de viagem, e me limitava a ficar ali só um minuto?"

Bem visto!

Retratos lisboetas (1)

- Contamos consigo!

Não percebi o que o taxista queria dizer com a frase, ao ver-me sair do carro,  penosamente, com um visível esforço físico.

Minutos antes, ainda dentro do taxi, eu tinha tido uma conversa telefónica com um amigo, a quem havia dado conta do estado de evolução do meu joelho, depois de recente operação.

- Conta comigo, para quê? - perguntei, já de fora do carro.

- Para a seleção, claro! O amigo, quando ficar bom, é bem capaz de ficar a jogar melhor do que aqueles "morcões" que andaram a arrastar-se contra Chipre e a Noruega!

Não lhe dei razão, claro. Pelo menos, toda.

segunda-feira, setembro 13, 2010

O Brasil e a segurança global

Segundo a imprensa, num colóquio há dias realizado em Lisboa ficou patente a diferença de perspetivas entre o ministro da Defesa do Brasil e alguns dos seus parceiros de debate, oriundos da Europa. Em causa estaria o papel da NATO e a sua proclamada vocação à escala global, neste tempo que antecede a definição do novo "conceito estratégico" da organização, a fixar na cimeira de Lisboa, em Novembro.

Não me surpreende este contraste de posições, conhecendo bem o modo como o Brasil olha estrategicamente o mundo, as desconfianças que sempre alimentou face a um "norte" que, quase sempre, lhe aparece como pretendendo hegemonizar a segurança global. Embora me pareça que o Brasil leva, frequentemente, este seu argumento demasiado longe, quero deixar claro que reconheço que o tal "norte" lhe dá, por vezes, razões para alimentar algumas dúvidas.

No Brasil, prevalece, de há muito, uma espécie de "contra-cultura" estratégica que funciona numa relação bipolar com os Estados Unidos - tidos como fonte de sedução civilizacional e, simultaneamente, como eixo de perigosas ambições. E como o Brasil tende (bem?) a não separar a NATO (e a Europa nela) dos EUA, o nosso continente é tomado, nessas "contas", como um mero "fellow traveller" de Washington. 

Com esta sua atitude, o Brasil procura compatibilizar a afirmação de uma posição combativa em nome do "sul" com uma, menos afirmada mas facilmente pressentida, ambição de presença liderante nesse mesmo "sul". A emergência cíclica desta tentativa de autonomia estratégica, que o Brasil frequentemente enfatiza de uma forma que, erradamente, é percebida "a norte" como podendo ter um cariz conflitual, não deixa de criar algumas dúvidas nesta nossa parte do hemisfério. O que se passou recentemente com o Irão não ajudou também a afastar estas núvens. E, vale a pena dizê-lo, isso também não deixará de fazer parte da equação sobre uma possível reforma futura do Conselho de Segurança.

Em todo este contexto, e sem nos "pormos em bicos de pés", é mais do que óbvio que um país como Portugal deverá, desejavelmente, ter um papel positivo nesta clarificação de posições. 

Por um lado, no quadro da Aliança Atlântica, tendo o cuidado de contribuir para uma postura conjunta que seja respeitadora de outras culturas estratégicas, as quais partem de pressupostos diferentes. Nesse esforço, deveremos procurar destacar a contribuição que destas podem resultar para quadros geradores de confiança de dimensão reegional, que potenciem valores comuns em prol da paz e segurança. Para isso, é importante que fique bem claro que o papel da NATO não se assume como podendo arrogar-se uma qualquer preeminência face às instituições de natureza multilateral, das quais decorre sempre toda e qualquer legitimidade de intervenção à escala internacional. Para isso, importa discutir, com clareza, a excecionalidade da intervenção no Kosovo e destacar as divisões ocorridas no caso da última invasão do Iraque.

Mas, por outro lado, também nos compete trabalhar intimamente com o Brasil, bem como com os restantes países africanos de língua portuguesa, em especial no âmbito da CPLP, por forma a conseguir fazer destacar, no trabalho conjunto à volta dos grandes desafios de segurança global, alguns princípios comuns que cada um possa projetar, sem conflitualidade, nos diferentes quadros estratégicos em que nos inserimos. Pode ser que eu esteja enganado, mas o agravamento de algumas ameaças acabará por tornar mais evidentes, para países que partilham a mesma matriz democrática, que estamos todos muito mais próximos do que pode parecer. Isso será ainda mais claro se nos conseguirmos afastar das "vuvuzelas" de alguma retórica com que alguns se entretêm.

Eduarda Melo

Há uns meses, convidei a soprano portuguesa Eduarda Melo para cantar na Embaixada em Paris. O sucesso foi grande. Desde então, tem vindo a fazer uma segura carreira profissional em França.

Agora, importa destacar que ficou no pódio da 48ª edição do prestigiado Concurso Internacional de Canto de Toulouse, como aqui é noticiado.

domingo, setembro 12, 2010

O sangue do nosso verão

Todos os anos, não pela primavera - como no texto de Sttau Monteiro - mas pelo verão, somos brindados com o espetáculo dos touros mortos em Barrancos, em Monsaraz e outros locais, onde há a pretensão de converter uma certa versão de tradição numa forma de afirmação regional. Nas reportagens televisivas, lá vemos os decididos "populares", liderados pelos autarcas à caça dos seus votos, a sublinharem a "especificidade" desse culto local à morte, num triste jogo de "gato e rato" com uns pobres GNR's, condenados à tarefa, tida por menor, de ver a lei cumprida . Mais do que o facto em si - minoritário e localizado -, é óbvio que é a sua mediatização que permite conferir-lhe algum relevo.

Devo confessar, porém, que, muito mais do que este exercício lúdico com que alguns (poucos) se entretêm, me custa ver o canal de serviço público a continuar a dar grande espaço à tauromaquia, nesta estação que, sendo "silly", não necessitaria de ser triste. E ainda um dia gostava de perceber como é possível a alguns pais compatibilizarem a educação que julgo que darão às suas crianças, segundo a qual os animais devem ser bem tratados e protegidos, e que, simultaneamente, as deixam assistir ao ritual gratuito do sangue, por essas praças de morte e abate lento.

Noto, para quem o não tenha percebido, que este post não é, nem pretende ser, minimamente consensual. Mas o objetivo deste blogue é refletir o que pensa quem o escreve, sem nunca temer o contraditório nos comentários dos seus leitores.

Claude Chabrol (1930-2010)

Agora, foi-se Claude Chabrol. Da fornada criadora da "Nouvelle Vague" - e, antes, dos iniciadores dos "Cahiers du Cinéma" - restam apenas Jean-Luc Godard e Jacques Rivette. Com uma obra onde o mistério, o "suspense" e o humor se cruzaram frequentemente, onde ressalta uma acidez irónica contra a burguesia e na qual usou sempre de um tratamento muito particular para as figuras femininas, desaparece o cineasta que mais próximo ficou de uma fonte inspiradora dessa fantástica geração do cinema francês: Alfred Hitchcock. Há quem ache que Chabrol se deixou tentar pela facilidade, pelo cinema (e filmografia televisiva) "fácil", imposto talvez pelo ritmo intenso de filmes produzidos, por um culto excessivo do enredo policial, o que o levou a executar algumas obras que acabam apenas por ficar nos pés-de-página da cinematografia mundial. Talvez, mas, para mim, era um autor onde sempre brilhava o génio.

Para quem o conheça mal, recomendo o seu clássico, de 1958, "Le beau Serge", onde são inegáveis as referências ao neo-realismo italiano. E espero ter oportunidade de ver, proximamente, "Bellamy", com Gérard Dépardieu, que concluiu em 2009. 

sábado, setembro 11, 2010

TAP

Na passada semana, um amigo francês queixou-se-me do facto da TAP não ter servido qualquer refeição num voo Lisboa-Paris. Ainda perguntei se lhe tinham dado à entrada, como li anunciado, um "lanche" e água. Nada, rigorosamente nada!

Ontem, tive eu próprio uma experiência idêntica: só as crianças tiveram direito a serviço de bordo, na viagem para a capital portuguesa. Hoje, no aeroporto de Lisboa, ouvi o anúncio de que um voo para os Açores também não teria serviço de refeições.

Não faço ideia de quem é a culpa desta situação, nem isso interessa rigorosamente nada. Só sei que, por este caminho, a companhia acaba por oferecer os seus clientes à concorrência.

Para quem, como é o meu caso, tem um grande apreço pela TAP, isto são muito más notícias.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Duas cidades

"O 11 de Setembro de 2001 não derrubou apenas o World Trade Center e uma ala do Pentágono. Fez ruir também o sentimento de confiança que a América mantinha na sua própria intocabilidade, com profundas consequências no modo como a maior potência olha hoje o mundo e o seu papel dentro dele.

Uma das grandes linhas divisivas que afectam a política mundial prende-se precisamente com a impossibilidade, para a Europa, de interiorizar o sentimento de profunda angústia que hoje atravessa a América, face à sua inesperada impotência perante perigos de contorno desconhecido. E isso tem consequências com expressão política, num país onde a agenda pública segue de muito perto o sentimento colectivo, muito em especial quando este coincide com os grandes interesses estratégicos.

Desde há muito, a Europa habituou-se a viver com o perigo. Teve duas guerras trágicas no seu seio, sofreu o nazi-fascismo, os temores da Guerra Fria e os “anos de chumbo” das acções radicais extremistas. Os europeus têm consciência da sua própria fragilidade, mas convivem com ela com alguma naturalidade.

Para os Estados Unidos, o mundo exterior sempre fora um lugar perigoso, de que faziam uma caricatura à medida da suas vivências internas. E se a segurança interna não conseguira prever alguns actos tresloucados, os riscos políticos profundos estavam afastados do quadro de probabilidades, com a rede securitária concentrada na criminalidade, com a droga como inimigo público.

Tive a experiência de viver em Nova Iorque, antes e depois do 11 de Setembro. É sabido não ser a cidade americana típica. Alguém dizia que os europeus sempre tiveram Nova Iorque como a sua principal imagem da América, enquanto, pelo contrário, para a generalidade dos americanos, aquela cidade aparece já como uma espécie de primeira aproximação à vida europeia. Mas, talvez por isso, estando Nova Iorque “mais próxima” de nós, talvez a mudança da atitude de vida nessa cidade nos seja mais perceptível. E a ideia que me ficou do pré e do pós-11 de Setembro é que vivi em duas cidades diferentes.

Fui a Nova Iorque, pela primeira vez, há mais de 30 anos, com o World Trade Center por acabar. Daí para cá, visitei a cidade várias vezes, dela sempre recolhendo a mesma matriz trepidante, palco da ambição individual, de alguma agressividade egoísta, mas com uma indefinível cordialidade, com a assunção de um escasso número de regras de convivência urbana como chave para nos sentirmos em casa.

Em 2001, quando fui viver para Nova Iorque, a cidade recuperara o usufruto pleno de muitas zonas para os seus cidadãos, por virtude da queda do desemprego e de um eficaz combate à criminalidade. Passear à noite, em antigas “no-go areas”, tornou-se rotina. Restaurantes e galerias apareciam e desapareciam no West Village e em Chelsea, com as esplanadas cheias e um ar de prosperidade geral, embora distante do auge do Nasdaq.

Como em todas as sociedades em que a precariedade do vínculo laboral é a lei que reflecte as crises, Nova Iorque reagiu ao 11 de Setembro com brutalidade. Desemprego, encerramento de actividades e retracção de consumo, com a queda vertical do turismo e o afundar temporário da Broadway.

E, também, com a emergência da angústia com a segurança, que nunca mais terminou. Foram os tempos do “antrax”, das ameaças constantes das “dirty bombs”. Os novaiorquinos passaram à “vigilância popular”, a olhar o vizinho, o “diferente” como uma ameaça potencial. O uso da bandeira americana passou a factor de credibilitação, nas lapelas, nas portas ou nas montras, com os não seguidores da regra a serem vistos com anti-patriotas. O “nine-eleven” (fórmula americana para o 11 de Setembro), o terrorismo, Bin-Laden e Al-Queda monopolizaram os discursos, com uma comunicação social marcada por um jingoísmo que abafava reticências.

Com o 11 de Setembro, aprendi que os americanos estão dispostos a sacrificar o mais sagrado da sua liberdade – e poucos povos haverá com um sentimento de liberdade mais arreigado – em favor da restauração, ainda que limitada ou mesmo virtual, da sua própria segurança. Por muitos e menos bons tempos, a América está prisioneira de si própria, pelo temor e pela desconfiança. Mas América que eu conheço e admiro vai, estou certo, conseguir fazer sair o país desta psicose colectiva. E todos ganharemos com isso."


Nota: Este texto foi publicado no "Jornal de Notícias" em 11 de Setembro de 2003. Embora datado, achei que podia ser interessante recordá-lo hoje.

Paddy Ashdown

Nos anos em que vivi no Reino Unido, Paddy Ashdown era líder do partido liberal-democrata. Não era então fácil a esse partido, recém-saído da aventura do SDLP, ganhar uma identidade própria, num tempo em que o poder conservador era disputado por uns trabalhistas então já em lenta mas segura ascensão, fruto de uma forte bipolarização. Além disso, a "perfídia" do sistema eleitoral castigava, por regra, os liberais-democratas e induzia ao voto útil numa das duas formações do "rotativismo" costumeiro.

Sempre apreciei em Ashdown uma atitude de homem de uma só palavra, pouco dado aos rodriguinhos de alguma baixa politiquice. E foi-me sensível a sua postura de Estado, em todas as grandes questões de interesse nacional britânico - em especial, no caso da Irlanda do Norte. A essa cultura de comportamento não será talvez estranha a sua anterior pertença às Forças Armadas e ao MI6. Não posso deixar de dizer que, sendo a aposta na ideia europeia uma das suas grandes marcas políticas, isso foi-me sempre particularmente simpático nele.

Ashdown abandonou a política interna britânica ainda nos anos 90, tendo depois ocupado, por algum tempo, o cargo de alto-comissário para a Bósnia-Herzegovina. Mais tarde, a raínha deu-lhe o título de lorde. E, em tempos mais próximos, Ashdown resistiu ao convite que Gordon Brown lhe fez para ser seu ministro.

Ontem, num grupo restrito, almocei em Paris com Paddy Ashdown. A necessária obediência às "Chatham House rules" (as clássicas regras, criadas originalmente pelo Royal Institute of International Affairs, que impedem que se divulgue o conteúdo deste tipo de encontros informais) não me permite relatar as interessantes observações feitas por Ashdown, nomeadamente sobre o Afeganistão e as relações entre a Europa e os Estados Unidos. O antigo lider liberal-democrata, hoje um conselheiro próximo do vice-primeiro ministro Nick Clegg, demonstrou, nessas quase duas horas de perguntas e respostas, uma fantástica "maîtrise" dos grandes dossiês internacionais. No final, concluí que é pena não ver Ashdown num cargo internacional à altura das suas grandes capacidades.

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...