terça-feira, fevereiro 12, 2013

O Honório e Jaime Neves

Naquele tempo, não havia em Vila Real quem não conhecesse o Honório. Era uma figura um pouco bizarra, magro, de óculos redondos, vestido quase sempre de preto, com um chapéu que lhe desenhava um perfil físico que lembrava Fernando Pessoa. Tinha por profissão ser contínuo na escola do Magistério primário. Lembro-me dele escuteiro, como me recordo de o ver lançar papagaios aos domingos, aproveitando o vento da "marginal", sobre o parque florestal.

O Honório era aquilo que, com alguma crueldade, poderíamos qualificar de um "pobre diabo". Muitas vezes gozado pela rapaziada - que, pelas ruas, lhe chamava o X9 -, o Honório apareceu um dia casado, com casa em Folhadela. Numa excursão a Lisboa, ficou famosa uma coça que terá dado na mulher. 

A pobre senhora, entretanto, deixou viúvo o Honório e este envolveu-se numa questão de partilhas com os cunhados, que se arrastava pelos tribunais, sem decisão. Foi isso, pelo menos, o que um dia ele me contou. Na altura, pediu a minha ajuda, nos termos de quem achava que Lisboa era uma Vila Real "grande", onde as pessoas se encontravam com regularidade, como por lá se fazia na "esquina da Gomes" ou no "cabo da Bila":

- Quem me podia ajudar a resolver o assunto, eram vocês, lá em baixo, em Lisboa. Quando vocês se encontrarem - vós, o António Barreto, o Jaime Neves e o Albano Bessa Monteiro - bem que me podiam tratar do processo, com os conhecimentos todos que têm.

O Honório convocava aqui as pessoas "influentes" que conhecia e que andavam "lá em baixo", por Lisboa. Recordo-me de ter respondido (eu tratei-o sempre por tu, nos últimos anos ele tratava-me por "vós"), com alguma ironia, ciente da implausibilidade do cenário que ele desenhava:

- Podes ficar descansado! Se eu, um dia, eu me encontrar com o Barreto, o Neves e o Albano, garanto-te que te resolvemos o assunto.

O Albano Bessa Monteiro era (e é) um velho amigo. À época, eu não conhecia pessoalmente António Barreto. E nunca na minha vida alguma vez falei com Jaime Neves. Lá por sermos ambos vilarealenses, só pela cabeça do Honório poderia passar a ideia de que éramos amigos. 

Lembrei-me desta história, há dias, quando foi noticiada a morte de Jaime Neves.     

12 comentários:

Isabel Seixas disse...

Ainda de bom tempo o Sr. Honório...

Helena Oneto disse...

:):) mais uma delicia da sua bila!

Anónimo disse...

Conta-se que um amigo das bilharadas e dominó do Excelcior tinha o telefone do Sócrates e que este lhe terá resolvido problemas! Veja lá!...
Mas, também, é um pouco como “pensar” num papa ou num presidente da EU português!… Honório não andaria assim tão “descarrilado”…

Afinal, Vila Real continua a fornecer do seu alfobre pessoas que “mexem os cordelinhos em Lisboa”! Que se cuidem os Lisboetas!

José Sousa disse...

O Honório tinha bem a noção da "cunha"...

Anónimo disse...

Coça na mulher à parte, o Honório aparece como um tipo simpático que as nossas sociedades sabiam integrar sem os estigmatizar como hoje com a tara integracionista dos psicólogos ou até dos psiquiatras.
Texto denso e emocional e que apresenta personagens tão diferentes e respeitaveis como o são Honório, Jaime Neves e Francisco Seixas da Costa.
José Barros

Anónimo disse...

O Senhor Honório julgava que com "aqueles" conhecimentos do Senhor Embaixador podia bem poupar o que teria de pagar, se tivesse de contratar um grupo de caboverdeamos...
Jaime Neves, viveu um dia preso no Quartel General, que acompanhei de casa, pois também estava impedida de sair. Era o nº1 da rua dr.Nicolau Bettencourt, mesmo em frente à sala aonde ele ia recebendo delegações militares e civis e, de algumas embaixadas. Alguns dos carros não entravam pelo Largo de São Sebastião para sairem (como era habitual) pela Duque d'Ávila. Paravam discretamente na Nicolau Bettencourt. Víamos bem quem saía e entrava, e, quem aguardava pacientemente nos carros.
Não direi que aquele dia desse um filme tão interessante como: "Una giornata particolare" nem que o personagem fosse tão galã como Mastroiani... Figuras femininas não faltavam; as funcionárias civis, que ao tempo eram em número considerável, no apoio à administração do quartel, e, as ""revolucionárias" que heroicamente cercavam o quartel... Também neste particular nenhuma me parece merecer a representação de uma Sophia Loren. Enfim, dava um filmezinho, porque a outra história, narrada em Itália é ainda e creio que será sempre um dos melhores filmes da minha vida. Já o revi várias vezes. O dia de Jaime Neves lembro apenas de vez em quando... No entanto, tudo se passou em curtas horas de forma muito intensa em que cada minuto contava...

Helena Sacadura Cabral disse...

Caro amigo este seu texto é admirável de subtileza. O António B veio a conhecer. O J.Neves não...

Carlos Fonseca disse...

Se bem percebi, com esta história, o sr. embaixador quis dizer-nos que não pertencia à "equipa" de Jaime Neves.

Não estava sozinho, antes pelo contrário,

Anónimo disse...

Tantos alunos do Prof. Pena.

E eu, nao sem pena, nunca conheci pessoalmente nem um....

N37111

Bmonteiro disse...

Em que equipa estava afinal o futuro embaixador.
É que me constou algo há dias, de uma meu amigo residente em Paris,
Mr Laceiras.
Ou não?

Anónimo disse...

Nos tempos do Salazar ( e não só ), a cunha era o "prato do dia". Hoje não é assim, os favores fazem-se com formas mais sofisticadas...

Anónimo disse...

Para falar de Jaime Neves, não é preciso ironia.......foi um dos principais operacionais (em qualquer profissão são precisos...)para que a democracia saisse vencedora em 25 de Novembro de 1975como deve estar recordado!

São pessoas como o Jaime Neves, de Gabinete ou Operacinais, (civis ou militares) que não vejo actualmente.

Na Nação actual, só vejo-personagens-de-entre-portas-de-vai-vem, aguentando a 3ª República, enquanto podem!....



Alexandre

Maduro e a democracia

Ver aqui .