segunda-feira, março 16, 2015

Memorabilia diplomática (VII) - Quem vê caras...


São duas curtas cenas que se ligam.
 
A primeira passou-se em Arusha, na Tanzânia, durante uma reunião da então SADCC, em 1988. A delegação portuguesa não tinha conseguido arranjar quartos individuais para toda a gente, pelo que eu partilhava um deles com o meu colega João Salgueiro. A certa altura da madrugada, o João acordou-me, chamando a atenção para uma gritaria no corredor do hotel. Era a voz de um homem que insultava uma mulher, a qual lhe respondia num nível idêntico de linguagem. A curiosidade é que a "conversa" era... em português! Abri a porta do quarto e vi passar uma mulher negra, lindíssima, completamente nua, com umas peças de roupa na mão, saída do presumível dissídio num quarto vizinho. Perguntei-lhe: "Precisa de ajuda?" Ela olhou-me com uma cara angustiada, respondeu com um "não" quase impercetível e desapareceu, a correr, na esquina do corredor. Era, com toda a certeza, da delegação de um país de expressão portuguesa. No dia seguinte, porém, não a descortinei em nenhuma dessas delegações.
 
Decorreram alguns meses. Uma outra deslocação, desta vez para uma reunião da Convenção de Lomé, agora na ilha Maurícia. Num corredor de acesso à sala da sessão, encontro jubiloso com a delegação de um país de língua portuguesa, com troca amigável de abraços entre os dois membros do governo e cumprimentos entre os restantes delegados. Numa dessas saudações, deparo com o sorriso tímido de uma delegada, que me disse, baixo: "Olá, como vai?". A cena foi rápida, mas o tempo suficiente para eu perceber que se tratava a minha "conhecida" de Arusha. Os nossos colegas lusófonos afastaram-se mas o Duarte de Jusus, que estava ao meu lado e ouvira a saudação da delegada, comentou: "Era muito bonita! Você conhecia-a?". O António Dias e o José Manuel Correia Pinto costumam citar a minha exclamação, que provocou gargalhadas em toda a nossa delegação, mas de que hoje, confesso, me arrependo: "Eu já vi esta mulher nua!". E na passada contei, também um tanto impudentemente, a cena de Arusha. Na altura, o Duarte de Jesus, que é um homem sempre sereno, manifestou apenas a sua surpresa por eu me recordar de uma pessoa que vira só durante alguns segundos. Gostaria de ter tido o génio de lhe responder: "Eu nunca esqueço uma cara..." 

(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

4 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

De la femme vient la lumière.

Bartolomeu disse...

No caso; seria uma carona (muito cara), a avaliar pela discussão e a saida abrupta da Senhora, em trajos inexistentes...

Unknown disse...

Caríssimo Chico

Achei excelentíssimas as estórias.

Mas sobre elas não digo mais porque aqui em Goa tive a oportunidade de ver o suposto PR ser o verdadeiro PRESIDENTE DO PSD...

O Francisco Clamote no seu Terra dos Espantos diz que o homem da Fonte de Boliqueime (politicamente correcto) foi MAIS PAPISTA QUE O PAPA.

Essa dos 2% de crescimento nem ao almirante Tomás lembraria. Tenho VERGONHA de ter um tal PR putativo!!!!

Abç

Anónimo disse...

Palavras de Soares sobre o seu segundo mandato:

"Fui uma força de contenção contra os demónios da arrogância e do autoritarismo, que algumas vezes terão marcado o Governo de Cavaco Silva."

"Fui também e sobretudo, uma válvula de segurança do regime democrático, procurando evitar derrapagens, excessos ou eventuais explosões"

Será que aqui também HOUVE VERGONHA do então PR?!!?

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...