segunda-feira, novembro 30, 2009

Independência


O dia 1º de Dezembro, data que marca a recuperação da independência de Portugal face a Espanha, em 1640, parece ter hoje um significado residual para a maioria dos portugueses. Já muito poucos recordam a história da revolta aristocrática que, aproveitando habilmente a fragilidade conjuntural de Madrid, repôs a coroa numa personalidade portuguesa, na figura de um titular da família Bragança. Pergunte-se, pelas ruas do nosso país, a razão de ser deste feriado e - garanto! - as respostas serão as mais díspares e disparatadas.

A ditadura do Estado Novo procurou aproveitar, de forma oportunista, as grandes datas da nossa nacionalidade. Ao politizar esses momentos, ela contribuiu decisivamente para a diluição da sua importância no imaginário colectivo e, por uma reacção a contrario, fez deles afastar os cidadãos, o que resultou na quebra da herança histórica intergeracional com que se define um país. Confesso que sinto alguma nostalgia quando vejo o modo respeitoso como os franceses ou os britânicos comemoram as suas datas fundacionais, ao mesmo tempo que observo a displicência com que, em Portugal, se olham tempos similares nossos. E isto é tanto mais estranho quanto a nossa História, por ser muito antiga e rica, justificaria que as novas gerações olhassem para ela com bastante orgulho.

Na minha juventude, o 1º de Dezembro era uma data cheia de comemorações oficiais. Por todo o país, o dia era prenhe de desfiles e romagens esforçadamente patrióticos. Nos meus primeiros anos do liceu, em Vila Real, para a marcha militarista obrigatória que fazíamos pelas gélidas ruas da cidade, de calção castanho e camisa verde, com o cinto com um críptico S, a minha mãe acolchoava-me com camisolas interiores sobrepostas, para evitar as gripes que, à época, não tinham siglas cosmopolitas como as de agora. Mais crescido, passei a ir às "ceias do 1º de Dezembro" e a colaborar nas récitas do Teatro Avenida, onde a proverbial injustiça da crítica impediu que ficassem gravadas em glória algumas imorredouras "performances". Já de capa e batina, íamos cantar pela cidade o hino da Restauração, com uma letra "estadonovista" que era uma espécie de segundo hino da Mocidade Portuguesa. Os nostálgicos podem ouvi-lo aqui. Eu, confesso, ainda sei de cor a letra.

Hoje, o 1º de Dezembro está transformado numa data caricatural, comemorada por grupos minoritários, em busca de um reconhecimento que o público lhes nega e que só alguns blogues de seita acolhem. Neles sobrevive um anti-espanholismo primário - essa doença infantil do portuguesismo - que acaba por obscurecer os verdadeiros novos perigos que o país corre no plano externo.

Olhar o futuro




Aproveitando esta bela imagem de outros tempos, que ressalta a relação futebolística entre Portugal e a França, chamo a atenção para o artigo "Olhar o Futuro", sobre as relações político-económicas bilaterais, que publico no último número da revista da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa, em Lisboa, e que pode ser lido aqui.

domingo, novembro 29, 2009

Cerimónia


Já em tempos, tinha lido Eusébio afirmar que, aquando da sua vinda para o Benfica, o respeito era tal face a figuras consagradas da sua nova equipa que os tratava por sr. Coluna e sr. Costa Pereira.

Francamente, pensava que os tempos tinham mudado e que o ambiente, no seio dos clubes ou da selecção nacional, havia perdido esse tipo de cerimónias.

Por essa razão, foi com grande surpresa que li a confissão de Petit ao Jornal "i", sobre os seus primeiros dias na selecção: "Nos treinos, eu nem pedia a bola e quando a roubava entregava-a logo a eles, porque tinha vergonha de dizer 'ó Figo', 'ó Rui', 'ó Pauleta!'".

Pelos vistos, há um mundo por detrás desta timidez que joga mal com a sem-cerimónia agressiva que Petit assume em campo.

Será que isto também é válido para outras actividades, como a política ou a diplomacia?

sábado, novembro 28, 2009

Teresa Salgueiro

Foi um belo espectáculo aquele que Teresa Salgueiro trouxe ontem a Neuilly-sur-Seine, a convite da Associação Cultural Portuguesa naquele subúrbio elegante de Paris.

Embora muitos associem ainda a sua voz aos Madredeus, Teresa Salgueiro, não abandonando a recriação de música antiga, passa agora pelo folclore e pelo fado, a que liga clássicos contemporâneos, como José Afonso e Fausto.

Teresa Salgueiro é hoje uma excelente "marca" portuguesa para o mundo.

O meu Comissário

Maigret

sexta-feira, novembro 27, 2009

Migrações

Recordava Jacques Toubon como ministro dos governos de Jacques Chirac, bem como deputado europeu. Ontem, visitei-o como presidente da Cité Nationale de l'Histoire de l'Immigation, e com ele estive a analisar a possibilidade de trabalharmos em iniciativas tendentes a sublinhar publicamente aspectos da migração portuguesa para França.

Este museu está instalado num edifício remanescente da Exposição Colonial de 1931, ricamente decorado com um curioso conjunto de símbolos artísticos desse mesmo tempo. Colocá-lo agora ao serviço da memória da imigração, que dá destaque às componentes da presente diversidade da sociedade francesa, constitui um imaginativo gesto cívico.

No diálogo com Jacques Toubon tornei claro por onde pretendemos avançar, na colaboração que a Embaixada pretende estabelecer com a instituição que ele dirige com grande entusiasmo e dinamismo. A aventura migratória de Portugal para a França é uma saga heróica de cuja memória não nos devemos afastar, porque constitui um singular património de dignidade e de coragem, um tempo histórico de que sempre nos devemos orgulhar. Um orgulho que é devido a homens e mulheres que tiveram a força anímica para dar o salto para um futuro de sacrifício e trabalho - como foi o caso do nosso compatriota Baptista de Matos, uma figura destacada da comunidade em Paris cujo percurso pessoal aparece singularizado na exposição permanente patente no museu. Mas esse orgulho tem sempre de ser pontuado pela consciência de que esses cidadãos foram obrigados a encontrar no estrangeiro as soluções para o seu destino, porque o seu próprio país foi incapaz de lhas proporcionar.

Assim, e sem esquecer nunca esse tempo de sacrifício, não creio ser prioritário estar a sublinhá-lo obsessivamente em exposições ou debates, a menos que esses inventários de memória sejam centrados em temáticas específicas que ainda não hajam sido suficientemente abordadas e que nos ajudem a aprofundar algumas dimensões mais interessantes. O que essencialmente nos interessa é olhar em frente. Por isso, as hipóteses de trabalho que analisei com Jacques Toubon prendem-se também com a análise dos processos de integração das actuais gerações de portugueses e de luso-descendentes, como exemplo de percursos a seguir e a relevar em termos públicos.

Tenho esperança de que seja possível vir a estabelecer uma relação de útil cooperação entre algumas instituições portuguesas e este museu da imigração, com vista a dar visibilidade e destaque àquilo que foi e é o magnífico esforço da nossa comunidade em França.

quinta-feira, novembro 26, 2009

Melo Antunes

Ernesto Melo Antunes é uma das personalidades fundadoras da democracia portuguesa. Ideólogo do Movimento das Forças Armadas (MFA), teve um papel central na superação das tensões políticas que marcaram a vida portuguesa durante 1975. Nesse ano, coordenou a definição de um Plano de recuperação económica do país, foi redactor do "Documento dos Nove", que representou a linha moderada do MFA contra as correntes mais radicais do processo revolucionário, e a ele se fica a dever a corajosa travagem de uma deriva autoritária que alguns esperavam retirar da vitória político-militar dessa mesma linha, na sequência dos acontecimentos de 25 de Novembro.

Melo Antunes foi ministro em governos provisórios após a Revolução de Abril, com especial destaque para os Negócios Estrangeiros, onde assegurou uma gestão que abriu o diálogo de Portugal com áreas importantes daquilo que então se designava por Terceiro Mundo. Homem sem ambições políticas, foi presidente da Comissão Constitucional e membro do Conselho de Estado, vindo a assumir funções importantes no âmbito da UNESCO.

Hoje e amanhã, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, o perfil de Melo Antunes vai ser analisado por cerca de 30 personalidades, que o admiravam e respeitavam. Tenho pena que impedimentos pessoais me não permitam poder participar na homenagem a uma figura que faz muita falta a Portugal e de quem tive o privilégio, embora já tarde na sua vida, de poder ser amigo.

Em tempo: Leiam, sobre Melo Antunes, o que diz Tim Tim no Tibete.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Douro em Paris

Ontem, o Douro desaguou na Embaixada de Portugal em Paris. Com apresentações culturais e turísticas, acompanhados por produtos típicos da região, promotores, jornalistas e empresários, bem como "opinion makers", puderam usufruir de uma imagem mais concreta da região do Douro. Oportunidades de investimento, dimensões culturais, facilidades turísticas e apelo paisagístico e ambiental foram alguns dos aspectos relevados na sessão.

Mais tarde, no restaurante Saudade, o chefe Rui Paula, do restaurante duriense DOC, apresentou a algumas dezenas de convidados um qualificado jantar "gourmet".

O vinho do Porto, mas igualmente os excelentes vinhos de mesa do Douro, estiveram em evidência durante esta acção promocional.

Uma bela jornada para uma bela região. Esta promoção do Douro vai continuar a fazer-se pelo mundo, com o apoio das nossas Embaixadas.

De Boissieu

Uma escolha de que praticamente se não falou nas recentes decisões sobre lugares europeus foi a do secretário-geral do Conselho de Ministros. Engana-se muito quem pensar que este cargo não tem relevância. A França promoveu para ele o nome de Pierre de Boissieu que era, até agora, secretário-geral adjunto, nº 2 de Javier Solana.

Pierre de Boissieu é, a meu ver, uma das figuras que melhor conhece a estrutura comunitária, para onde entrou há mais de 30 anos, pela mão de François-Xavier Ortoli, então presidente da Comissão europeia. Com os seus inconfundíveis pullovers azuis escuros, muitos dos quais já com ostensivo furo no cotovelo, de Boissieu é uma pessoa a quem, estou certo, os qualificativos de vaidoso e arrogante, que frequentemente lhe colam, não devem desagradar, porque ele próprio é cultor, com algum gozo e maestria, desse mesmo perfil. Espartano nos costumes, ácido na ironia e brilhante no raciocínio, com um ar algo irritante para muitos, onde se vê uma réstea do que terá sido um menino sobredotado e sabichão, de Boissieu mantém-se hoje como o eixo imprescindível de uma máquina de grande qualidade.

Em mais de cinco anos de convivência próxima, tive com Pierre de Boissieu algumas "accrochages" públicas fortes, entre as quais recordo, em particular, uma acesa discussão sobre questões relativas ao alargamento, numa madrugada do Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, em Junho de 2000. O Secretariado-Geral do Conselho, onde de Boissieu era um poderoso nº 2, é o "braço direito" das presidências rotativas, mas, muito frequentemente, pretende "guiá-las" e moldá-las a uma lógica própria de interesses. E isso, confesso, frequentemente recusei, com alguma veemência e para desagrado de de Boissieu. Reconheço nele, contudo, um profissional de altíssima qualidade, embora com uma visão da Europa muito marcada pela peculiar perspectiva francesa. Ou não tivesse sido ele, por muito tempo, um excepcional representante de Paris junto das instituições comunitárias.

No "Le Figaro" de ontem, Pierre de Boissieu disse, com alguma candura, a propósito do projecto europeu, algo de extrema importância, que alguns parece não terem compreendido até hoje: "Durante a geração precedente, o Conselho Europeu era visto como uma instituição de responsabilidade e de gestão colectivas. Hoje, é o lugar onde se confrontram as posições dos Estados membros." E, numa leitura que lhe é muito própria, acrescenta, sem quaisquer rebuços: "A culpa é, obviamente, do alargamento (...), mas também de uma lógica de toma lá-dá cá que acaba por nos bloquear permanentemente". Como diriam os compatriotas de de Boissieu: "à bon entendeur..."

Dentre os múltiplos episódios que o anedotário bruxelense acolhe de Pierre de Boissieu - e eu tenho várias (algumas impublicáveis) cenas a que assisti - escolho um que teve lugar numa longa noite negocial do Tratado de Amesterdão.

Durante a manhã do mesmo dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês de então abordara um determinado assunto de uma certa forma. À tarde, o secretário de Estado francês interviera num tom que parecera, a alguns de nós, um tanto dissonante com o que o seu ministro afirmara. E, nessa noite, ao focar de novo o tema, na sua qualidade de embaixador francês, de Boissieu parecia estar a seguir uma terceira via. Alguém sublinhou o que podia ser lido como contraditório entre os três discursos e interrogou-se sobre qual deles representava, afinal, a verdadeira posição francesa. Com um esgar, onde se podia ler uma atitude entre a superioridade e o gozo da "blague", que sempre caracterizou as tomadas de posição de alguém que tem orgulho nas suas raízes familiares partilhadas com o general de Gaulle, de Boissieu respondeu, imperial: "Les autres je sais pas. Moi je parle au nom de la France...". Ficámos esclarecidos. No meu caso, até hoje.

Recife

Com grande pena minha, não irei estar no Recife para receber, com 13 outros galardoados, o diploma "Personalidade da Neolatinidade 2009", durante o III Festlatino, Festival Internacional de Línguas e Literaturas Neolatinas, organizado pela Fundação Joaquim Nabuco.

Entre as línguas neolatinas presentes no Festlatino contam-se o português, o francês, o italiano, o espanhol, o galego, o catalão, o romeno, o romanche, o ladino, o sardo e o provençal. O Festival inclui colóquios, seminários, exposições e espectáculos do património latino.

Aproveito este post para enviar um abraço aos meus amigos Fernando Lyra, presidente da Fundação Joaquim Nabuco, e Humberto França, organizador do Festlatino. E também aos amigos do Gabinete Português de Leitura. Desta vez, não poderemos ir ao Leite experimentar o bolo Souza Leão... Não sabem o que é? Vejam na internet!

Viana

Por alguma razão, apetece-me hoje recordar Viana do Castelo.

terça-feira, novembro 24, 2009

Montecarlo

Ao ler hoje um texto sobre os tempos sombrios do Estado Novo, no interessante e muito recomendável blogue que é o Caminhos da Memória, recordei-me de um episódio passado nessa "catedral" da conversa que foi o Montecarlo, um café-restaurante perto do Saldanha, em Lisboa, hoje transformado, pela globalização ibérica, numa loja espanhola.

No Montecarlo, como escrevi um dia, "coabitavam mundos muito diversos, da tertúlia neo-realista à marginalidade sexual, do vário jornalismo a um certo "bas-fond", confinado este à área do dominó, protegida pelos bilhares. O Montecarlo era um curioso espaço plural, uma espécie de permanentes "estados gerais" de uma esquerda em definição de projectos que, quando abonada, assomava ao bife nas "toalhas" e, na rotina da crise, se resumia à imperial do fim da tarde ou à bica da noite"*.

A história passa-se no início dos anos 70. Nos cafés portugueses de então, havia uma velha prática, que os telemóveis entretanto tornaram sem sentido, de permitir aos clientes atenderem chamadas feitas para os telefones dos estabelecimentos. Assim, era muito vulgar ouvir: "Chamam ao telefone o sr. ....". No Montecarlo, com uma sala de considerável dimensão, distribuída por ambientes diversos muito ruidosos, havia mesmo um altifalante para tornar as mensagens mais audíveis.

Uma noite, com o café cheio, alguém se lembrou de utilizar a cabine telefónica que existia à entrada para os bilhares, ligou para o número do próprio café e solicitou: "Podia fazer o favor de chamar ao telefone o sr. general Humberto Delgado?". No balcão, estava um miúdo para quem esse era um nome como qualquer outro, pelo que logo anunciou: "Chamam ao telefone o sr. general Humberto Delgado". Grande parte da sala entrou em divertido alvoroço e comentários. Viu-se um empregado mais maduro ir repreender o rapazote, ensinando-lhe quem era o "general sem medo", talvez lembrando que os cavalos da repressão quase que haviam entrado pelo café dentro, em 1958, aquando da manifestação em favor do candidato presidencial oposicionista, em frente ao vizinho Liceu Camões.

Dias mais tarde, a cena repetiu-se com o nome de Álvaro Cunhal. A gestão do café percebeu o risco e uma figura mais madura passou a atender ao telefone, para que ninguém se aproveitasse da fragilidade em matéria de cultura política do rapazote do balcão. Mas essa "vigilância" não podia continuar sempre e, se bem me lembro (e tenho boas razões para isso...), ainda foram chamados ao telefone, nas semanas seguintes, Henrique Galvão, Palma Inácio e Norton de Matos, sempre com galhofa pública garantida. Aparentemente, nunca ninguém se lembrou de olhar para a cabine telefónica do café...

*Do texto "Vésperas de Abril", publicado na revista "Camões", nº 5, 1999

segunda-feira, novembro 23, 2009

Pomar em Brasília

Júlio Pomar é hoje um dos mais importantes pintores portugueses. Vive entre Paris e Lisboa. Hoje, em Brasília, é inaugurado um seu painel de azulejos, que passa a figurar numa longa parede da Biblioteca, esse magnífico edifício desenhado por Oscar Niemeyer na Esplanada dos Ministérios. Assim se conclui a ideia, em que me envolvi há quatro anos, de recuperar este trabalho. A obra original de Júlio Pomar, com mais de duas décadas, havia sido desmontada do local onde estivera colocada e jazia armazenada em caixotes.

Graças à persistência da Secretaria da Cultura do governo do Distrito Federal, com a ajuda financeira da Caixa Geral de Depósitos, o projecto de recuperação foi levado avante, como o Correio Braziliense ontem assinala e o Portugal Digital hoje refere.

Na vida diplomática, nem sempre conseguimos concretizar aquilo a que nos propomos. Mas, às vezes. isso acontece. Brasília merece bem este belo painel, sonhado por Júlio Pomar e por alguém que muito gostaria de o ver no local onde agora fica, essa grande figura da lusofonia que foi José Aparecido de Oliveira.

Fresnes

Visitar uma prisão não é necessariamente uma experiência simpática. Mas pode ser muito útil quando pretendemos estabelecer as melhores formas de articular os nossos serviços em França com a rede penitenciária que acolhe as cerca de cinco centenas de detidos de nacionalidade portuguesa, hoje distribuídos por 116 diferentes estabelecimentos prisionais neste país.

Visitei hoje a prisão de Fresnes, um imóvel do início do século XX, em condições muito satisfatórias, onde estão apenas 35 desses detidos, a quem, como aos restantes, vamos procurar tentar assegurar um Natal mais confortável. Para tal contamos nesta prisão com a ajuda de uma religiosa portuguesa, a Irmã Elisa - este ano distinguida com o Prémio Talento -, que desempenha um trabalho notável junto da população prisional que tem nacionalidade portuguesa.

domingo, novembro 22, 2009

Necessidades

Num post antigo, falou-se aqui das malas diplomáticas que, no ministério dos Negócios Estrangeiros, eram transportadas através da Europa (e para os EUA) por jovens profissionais, quase sempre nos seus tempos iniciais da carreira. Era uma tarefa agradável, embora algo cansativa, pelo somatório de viagens consecutivas que implicava, nos seis dias da tarefa.

Numa dessa semanas, creio que em 1978, coube-me a mim "ir de mala". Uma das etapas do circuito desse tempo era Belgrado. Era aí que estava instalada a Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), que iria dar origem à OSCE, já no período da "détente". Mal eu sabia que, anos mais tarde, ainda me iriam calhar dois anos de "osceosidade", em Viena!

Saído de Lisboa, passei, em dias sucessivos, por Londres e por Bruxelas. A bem dizer, era este o destino principal da "mala acompanhada", por aí se situar a sede da NATO. De Bruxelas, parti para Viena, onde a esmagadora maioria da correspondência que eu levava iria desaparecer, encaminhada para postos dos antigos países comunistas, de onde as nossas Embaixadas enviavam à capital austríaca os seus diplomatas, para a respectiva recolha e canalização dos seus relatórios para Lisboa. Já pouco seguia na mala para Belgrado, a ajuizar pelo tamanho do pacote que me havia sido entregue em Viena, cujo conteúdo, naturalmente, eu desconhecia.

Belgrado, num inverno sob neve, era uma cidade cinzenta e algo desconfortável. De autocarro, fui parar, já muito ao final da tarde, ao imenso Hotel Jugoslávia. Passava da hora de fecho da nossa missão temporária junto da CSCE, pelo que decidi ficar com a mala diplomática à minha guarda (período das refeições incluído, porque não era permitido perdê-la de vista) e entregá-la no dia seguinte, logo de manhã.

Tomava eu um banho reconfortante no hotel, preparando-me para jantar, quando me chega um telefonema da secretária do Embaixador, dizendo-me que o embaixador queria que eu fosse, ainda naquele dia, ao escritório da missão, para entregar a mala. Reagi, dizendo que era já muito tarde. Qual quê!? O embaixador insistia e pedia mesmo que eu fosse de táxi, porque não podia dispensar o seu motorista. Furioso, lá tive de encasacar-me para o gelo da cidade, no fundo algo intrigado com a estranha urgência da documentação. Mas, quem sabe?, podia tratar-se de instruções para uma diligência ou contactos.

Chegado à missão, fui levado à presença do embaixador, que exclamou: "Ora temos então aqui a nossa mala! Já não era sem tempo!", numa clara "indirecta" à minha resistência, complementada pela displicência com que me saudou. Preparava-me para sair do gabinete e regressar ao hotel quando me dei conta que embaixador se mostrava muito empenhado a ser ele próprio a quebrar os selos diplomáticos do pacote. Por curiosidade, deixei-me ficar na cena. E foi então que assisti à aparição de um embrulho, saído de dentro do pacote que, com toda a segurança e cuidado, eu transportara por várias capitais. Vi os olhos do embaixador encherem-se de alegria: "Até que enfim! Estava a ver que o nosso colega de Havana nunca mais se despachava!". E lá abriu ele, com a avidez do vício, a sua caixa de "Cohibas", pelos visto a única "correspondência" relevante que, para escapar aos riscos da espionagem comunista, nesses derradeiros anos da Guerra Fria, eu levara em mão até Belgrado...

Chirac e o Irão

Acho interessante deixar aqui registado o que o antigo presidente francês, Jacques Chirac, exprime no seu recente livro de memórias "Chaque pas doit être un but" (pag. 349), sobre a forma desejável de relacionamento com o Irão:

"Je ne suis pas de ceux qui pensent, en Occident, qu'on doit s'interdire tout dialogue avec l'Iran, étant donné la nature du régime. Un régime politique est une chose. L'histoire d'un peuple, de sa culture, de ses traditions, en est une autre, plus importante et determinante. Ma philosophie en la matière est qu'on n'a jamais intérêt, ou rarement, à mettre un pays hors jeu de la communauté internationale. Au lieu de le convaincre de rentrer dans le rang, c'est en général l'éffet inverse qui se produit: una radicalisation sans issue, de part et d'autre. S'agissant, qui plus est, d'une région du monde où tous les problèmes s'entremêlent, aucun d'eux, qu'il s'agisse du conflit israélo-palestinien, de la guerre Irak-Iran ou de la question libanaise, ne saurait être réglé sans tenir compte de toutes parties en présence."

É a longa experiência de um homem de Estado que conduz a esta avaliação.

sábado, novembro 21, 2009

Jorge Ferreira (1961-2009)

Morreu Jorge Ferreira.

Conhecemo-nos na política, quando eu por lá passei e ele representava uma voz crítica, mas sempre muito informada, sobre as coisas da Europa. Voltámos a "ver-nos" nos blogues, onde ele alimentava (até há dois dias) o "Tomar Partido". Partilhava com ele essa atitude, felizmente ainda comum a muita gente, que é gostar de Portugal.

Torre portuguesa

Eu não queria acreditar, mas um industrial português de metalomecânica explicou-me, há dias, que Portugal é o maior fabricante de porta-chaves e outras miniaturas da Torre Eiffel que estão à venda em Paris.

sexta-feira, novembro 20, 2009

A mão francesa (2)

"Com mãos se faz a paz se faz a guerra
com mãos tudo se faz e se desfaz"

Lembrei-me do belo poema de Manuel Alegre que assim começa ao apreciar a discussão em torno do golo ilegal que qualificou a França para a fase final do campeonato do mundo de futebol.

Estes são momentos de verdade para avaliar se o "futebolismo" acéfalo ultrapassa alguma racionalidade. Nos comentários franceses ao falso golo criado por Thierry Henry, viu-se de tudo: desde os que lamentaram o acontecido e criticaram a falsa inocência assumida por Henry, até aos adeptos do "vale tudo desde que se ganhe". Posso estar enganado, mas tenho a sensação que, no conjunto dos comentários lidos e ouvidos, prevaleceu por aqui um certo sentimento de se estar "mal à l'aise" e mesmo com vergonha pelo facto da França ter ganho o acesso desta forma. Interessante foi ver muitos sectores da classe política desgostosos com o que se passou, parte dos quais reclamando mesmo a (impossível) repetição do jogo. Atitude de "fair play" que acho extremamente saudável.

Pergunto-me para que lado teria pendido a nossa balança de comentários se o mesmo caso se tivesse passado com a selecção portuguesa? Lembro-me de um antigo dirigente desportivo, com uma formação profissional que o vocacionava para equilíbrio de julgamento, que um dia disse mais ou menos isto: "quero que o meu clube ganhe, mesmo que seja com um golo marcado com a mão, em posição de fora de jogo e já depois do tempo regulamentar". Em todo o mundo há gente (pelo menos a pensar) assim, mas, se isto é desporto, vou ali e já venho.

Uma última nota para referir que, naturalmente, veio por aqui várias vezes à colação, nas últimas horas, a célebre "mão do Vata", um lance ilegal com que o Benfica derrotou o Olympique de Marseille. Foi há 19 anos, mas só os elefantes têm mais memória que os adeptos de futebol...

quinta-feira, novembro 19, 2009

Pedagogia em Português

Ontem iniciadas, prosseguem hoje as V Jornadas Pedagógicas, destinadas à formação de educadores em língua portuguesa que operam em França. Troca de experiências, novas técnicas e o uso da internet são algumas das vertentes deste encontro, que tem lugar num belo e histórico edifício em Sèvres, à entrada de Paris.

Com a ajuda da Caixa Geral de Depósitos e da TAP, pudemos trazer técnicos de Portugal e do Reino Unido, numa iniciativa organizada pelo serviço da Coordenação do Ensino Português em França, a que estão presentes dezenas de educadores. As Embaixadas do Brasil e de Cabo Verde associaram-se ao evento.

Na abertura das Jornadas, sublinhei a importância crescente da língua portuguesa no quadro internacional, destacando, em especial, a vontade comum encontrada a nível da CPLP para promover o Português no seio das instituições multilaterais. Fiz notar que, para os cidadãos de origem portuguesa no estrangeiro, a garantia das sucessivas gerações poderem manter-se ligadas à sua lingua originária já não constitui apenas uma atitude com sentido afectivo; o Português, num mundo onde países como o Brasil e Angola se afirmam com cada vez maior pujança económica, converte-se hoje numa "ferramenta" importante para as relações internacionais, numa mais-valia de qualificação. Neste último caso, o mesmo é válido para os franceses, que crescentemente procuram o ensino de português com objectivos profissionais.

O antigo ministro português da Cultura, Manuel Maria Carrilho, embaixador junto da UNESCO, enriqueceu estas jornadas com uma conferência onde deu a sua perspectiva sobre os desafios da língua portuguesa nas comunidades no exterior, falando do importante papel que os media poderiam ter para a valorização cultural das mesmas.

Parabéns, concidadãos !