terça-feira, janeiro 31, 2012

Nós e a crise

Será no dia 8 de março. A conferência tem por título "Portugal, a Europa e a crise económica e financeira internacional" e é organizada pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Lisboa. 

É com muito gosto que participarei nessa justa homenagem ao professor António Romão, catedrático e antigo presidente do ISEG. Veja o programa aqui.

segunda-feira, janeiro 30, 2012

"Diplomatas"

Reproduzo hoje aqui, porque há novas razões para o fazer, um post que publiquei no dia 5 de junho de 2011:

"A nossa imprensa é sempre muito lesta quando lhe cheira a qualquer esturro que possa ligar-se negativamente à imagem da diplomacia lusa.

Há meses, um "cônsul honorário" na Alemanha apareceu envolvido em maroscas financeiras. De imediato, os títulos e os textos apontavam para "diplomata recebe luvas em negócio" ou "diplomata acusado de corrupção".

Há dias, um "vice-cônsul" no Brasil, uma categoria administrativa em má hora recém-renascida, que alguns, premonitoriamente, advertiram que poderia vir a redundar em "vício-consulados", foi acusado de desvio de fundos. Como era expectável, a comunicação social logo trouxe títulos como "diplomata roubou" e coisas do mesmo jaez.

Vamos a ver se nos entendemos: ambos os cavalheiros envolvidos no que parece serem atividades criminosas* não são diplomatas - eu diria mesmo, estão mesmo muito longe de o serem. A qualidade de "cônsul honorário" ou de "vice-cônsul", que, por todo o mundo, é exercida por pessoas geralmente muito estimáveis e de impecável honestidade, não confere a ninguém a qualidade de "diplomata", categoria profissional que tem requisitos de formação, recrutamento e responsabilidade muito específicos. Repito: um "cônsul honorário" ou um "vice-cônsul" são categorias funcionais que nada têm a ver com a carreira diplomática, salvo na circunstância de exercerem uma atividade na dependência desta.

Por essa razão, é completamente abusivo utilizar o termo "diplomata" para qualificar quem o não é, fazendo recair sobre uma profissão os "salpicos" de eventual falta de ética de quantos, noutra qualidade, agem em nome do Estado português no exterior.

Só lamento** que a entidade representativa dos diplomatas portugueses (que, por alguma razão, se não chama "sindicato dos diplomatas e ofícios correlativos"...) não tenha saído a terreiro em todos os casos, pondo "os pontos nos is", denunciando a difamação e ensinando, por uma vez, aos plumitivos de serviço aquilo que a sua profissão, pelos vistos, não lhes soube ensinar."

*Em tempo: o vice-cônsul na Alemanha foi já condenado. O vice-cônsul no Brasil está fugido

**Em 1.2.02, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses veio a público clarificar este assunto. Fico satisfeito.

Livrarias

A livraria Portugal, na rua do Carmo, em Lisboa, vai fechar. A Camões, no Rio de Janeiro, atravessa muitas dificuldades.

Para quem gosta de livros, estas notícias não são agradáveis. Por mim, não tenciono comprar um "kindle".

domingo, janeiro 29, 2012

Curt Mayer-Clason (1911-2012)

Ontem, dei-me conta pelo jornais de que morreu, em Munique, com 101 anos, Curt Meyer-Clason.

O nome dirá pouco a gerações recentes, mas a cultura e a liberdade criativa ficaram a dever bastante a este alemão, que dirigiu o Instituto Goethe, em Lisboa, entre 1969 e 1976. 

Viveu duas guerras e duas derrotas alemãs. Durante a 2ª guerra mundial esteve internado num campo de "observação", no Brasil, onde estava como representante comercial, como estrangeiro suspeito, depois de Getúlio Vargas ter decidido mudar de posição em favor dos aliados. Foi na detenção que tomou conhecimento dos grandes escritores brasileiros, tendo-se tornado para sempre íntimo de Guimarães Rosa. Regressado à Alemanha, em 1954, editou e escreveu livros, tendo-se dedicado a traduzir e a fazer conhecer uma imensidão de autores de língua portuguesa e espanhola. 

Mas foi a chefia do centro cultural Goethe, ao Campo de Santana, onde me recordo dele a preponderar com uma pronúncia bizarra da nossa língua, que trouxe Meyer-Clason mais perto de alguns portugueses. O seu "Diários portugueses" dá conta desse tempo, sendo o livro um culto olhar estrangeiro sobre nós próprios. A instituição que chefiava funcionou com um saudável espaço de acolhimento, de que a cultura democrática portuguesa muito beneficiou. Rui Vieira Nery chamou-lhe "um polo insubstituível de produção artística de vanguarda e um espaço de liberdade criativa inusitada no meio das brumas da censura e da repressão". Sem partidarismos nem radicalismos, Meyer-Clason soube perceber os anseios de um certo Portugal e entender que por aí passava a chave do futuro do país.

Na hora do desaparecimento de Curt Meyer-Clason, e para que não se diga que a nossa memória se torna ingrata, quero aqui deixar uma palavra de saudade por um homem que também ajudou a construir a nossa liberdade.

O primeiro dia

Hoje, acordei a cantarolar isto.

Comentários

O tema da liberdade de expressão e da utilização das caixas de comentários, ligadas às edições informáticas dos jornais, é hoje abordado no "Diário de Notícias" por Ferreira Fernandes, de um modo em que me revejo.

Valeria a pena fazer um estudo sócio-psicológico do que se escreve nesses espaços da nossa imprensa, sob nomes falsos, em moldes muitas vezes insultuosos, dando curso a rumores e a insídias que esses escribas nunca teriam a coragem de colocar, se houvesse lugar a uma clara identificação do autor. Com grande irresponsabilidade, esses sítios informáticos abrem as suas colunas a energúmenos que, sob um cobarde anonimato, dizem o que lhes vem à cabeça, como quem escreve numa parede de um WC público, embora neste caso haja a atenuante do nível que o lugar inspira.

Às vezes, salta por aí uma frase desesperada: "não foi para isto que se fez o 25 de abril!". É verdade. A liberdade da Revolução dos cravos não foi criada para abrir caminho à impunidade. A liberdade de expressão é um bem suficientemente sagrado para não ser colocado em causa por quem dela se aproveita para a expressão vulgar dos seus ódios e fantasmas pessoais. É que, pouco a pouco, o surgimento de uma reação legítima contra esses abusos pode vir a criar um ambiente propício ao apelo a certos tipo de censura. A solução? Muito simples: acabar com os anonimatos e pseudónimos e só aceitar comentários sob o nome registado e público de quem os escreve. Podem crer que a "coragem" se esvairia.

sábado, janeiro 28, 2012

Outros tempos

Um programa de televisão trouxe-nos, ontem à noite, Régis Debray e Jean-Pierre Chevènement, num debate interessante, onde o conceito do "sagrado" serviu a Debray para uma brilhante incursão filosófica e a Chevènement para abordar a "sacralização" que, a sua ver, importa manter como elemento identitário do poder de Estado.

Debray e Chevènement fazem parte das minhas memórias de juventude. Com o primeiro, "viajei" os tempos em que andara com Guevara nas matas da Bolívia, nessa desesperada e infausta tentativa de criar "um, dois, três, mil Vietnames". Com o segundo, segui as páginas dos "Cahiers" do CERES (Centre d'Études e Recherches Socialistes), o início da aventura cívica desse homem quase solitário, em quem o soberanismo não matou, por completo, uma certa ideia de Europa. Ambos trabalharam com Mitterrand, embora de modo desigual. Hoje, Debray escreve filosofia e ensina. Chevènement também escreve sobre as águas políticas que ainda teima em agitar.

Há cerca de dois anos, fui apresentado a Jean-Pierre Chevènement. Perguntou-me várias coisas sobre Portugal e quis saber por onde andava Otelo. Otelo é, por aqui, um nome recorrente na memória dos tempos de abril, um período que se liga fortemente à imagem contemporânea de Portugal.

No ano passado, falei com Régis Debray, para convidá-lo a vir à Embaixada, para um debate com uma figura portuguesa, sobre as diferenças no conceito de República, entre a França e Portugal. Não recusou em absoluto, mas foi dizendo que o tema não estava já no centro das suas preocupações (eu lembrava-me dos seus "Que vive la République!" e do "La République expliquée à ma fille"). Sugeriu-me que convidasse... Jean-Pierre Chevènement.

Por razões várias, o meu projeto não teve sequência. Ontem, ao vê-los, juntos e cúmplices de um passado onde cruzaram as suas fidelidades, lembrei-me deles noutros tempos. E, sei lá bem porquê!, também de mim, nesses mesmos tempos.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Para cantar até amanhã

When I get older losing my hair many years from now
Will you still be sending me a valentine,
Birthday greetings, bottle of wine?
If I'd been out til quarter to three would you lock the door?
Will you still need me, will you still feed me,
when I'm sixty-four?

Oh, you'll be older too - Ah!
And if you say the word, I could stay with you

I could be handy mending a fuse when your lights have gone
You can knit a sweater by the fireside,
Sunday mornings, go for a ride
Doing the garden, digging the weeds, who could ask for more?
Will you still need me, will you still feed me,
when I'm sixty-four?

Every summer we could rent a cottage in the Isle of White,
If it's not too dear
We shall skrimp and save, grandchildren at your knees,
Vera, Chuck, and Dave

Send me a postcard, drop me a line stating point of view
Indicate precisely what you mean to say,
Yours sincerely, wasting away
Give me an answer, fill in a form, mine forevermore
Will you still need me, will you still feed me,
when I'm sixty-four?

Prognósticos

Com crescente regularidade, amigos e conhecidos portugueses perguntam a minha opinião sobre o possível desfecho das próximas eleições presidenciais francesas. Lamento sempre não poder satisfazer a sua curiosidade, mas a verdade é que um diplomata estrangeiro não sabe, sobre este assunto, mais do que... os franceses, que são quem acabará por escolher o seu presidente, para os cinco anos seguintes. E eles também não sabem...

Se há algo que aprendi na vida diplomática foi relativizar a minha própria opinião. E a não acreditar na minha presciência. Uma das vantagens da rotação regular dos embaixadores, entre os vários postos, tem a ver com a necessidade de produzir olhares novos sobre a realidade local. A experiência mostra que um diplomata que se eterniza num posto, independentemente de poder, por essa via, garantir um grande conhecimento da vida e da sociedade do país, de criar uma rede forte de interlocução e teste de ideias, pode também facilmente acabar por "go native" (isto é, passar a ter as reações de um local) ou perder o rigor na perspetiva de observação das mutações no país onde está acreditado. É que, rotinado numa certa leitura, um diplomata que fique por muito tempo num posto pode não estar aberto ao surgimento de novas realidades ou, confrontado com elas, pode ser tentado a rejeitá-las por as considerar incompatíveis com a grelha de observação em que se viciou.

Há uma história, auto-crítica, que costumo contar, passada comigo em Angola, nos anos 80. À chegada do novo embaixador, António Pinto da França, desenhei-lhe um quadro muito completo da relação de forças no seio do comité central do MPLA. Expliquei-lhe quem era quem, o que cada um representava, qual a política de alianças de grupos que prevalecia, tudo isso com o objetivo de apontar para aquilo que iriam ser as mudanças na liderança angolana, a ocorrerem no próximo congresso do partido.

O novo embaixador tomou nota mas, por si próprio, com os conhecimentos que entretanto foi criando, começou a fazer as suas próprias avaliações e juízos. Passado algum tempo, dei-me conta de que os telegramas que enviava para Lisboa, sobre a situação política interna angolana, começavam a afastar-se da linha que eu tinha como correta. Mais: a sua leitura sobre as personalidades que iam subir ou descer no próximo congresso do MPLA começava a divergir fortemente daquela que eu, observador com mais de três anos da vida política local, considerava dever ser transmitida às nossas autoridades. Isso preocupava-me. As minhas fontes, que tinha por excelentes e testadas, eram perentórias sobre as hipóteses de evolução tendencial do equilíbrio político, mas eu não conseguia convencer disso o meu embaixador. Não querendo contrariá-lo, lembro-me de ter trocado impressões sobre o assunto com outros diplomatas em posto, com vista a que o tentassem chamar à razão, reverter o caminho errado pelo qual prosseguia nas suas análises, cada vez mais diferentes das minhas. Mas não tive qualquer sucesso.

"To make a long story short", como dizem os anglo-saxónicos, as coisas passaram-se exatamente como o embaixador António Pinto da França as estava a ver e não como eu pensava que elas iam ser. O tempo em posto, por vezes, "desajuda" mais do que favorece.

Mas, afinal, qual é a minha perspetiva sobre o que sucederá politicamente em França, neste primeiro e decisivo semestre? O que penso sobre o assunto reservo-o, naturalmente, para as minhas autoridades. Mas devo adiantar que, nesta matéria, é capaz de ser prudente seguir o famoso preceito daquele lateral-direito de uma equipa do norte que, perguntado sobre como via a partida que o seu clube ia disputar, adiantou, com simplória sabedoria: "Prognósticos? Só no fim do jogo".   

Paula Rego

O novo Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris começa o ano da melhor forma: uma bela exposição de Paula Rego, uma pintora portuguesa que a França não conhece bem e a quem o Reino Unido, que não brinca em serviço em tudo quanto tem real qualidade, costuma qualificar como "Portuguese born British painter". Paula Rego vive em Londres desde os anos 50, mas a sua pintura nunca abandonou a memória da sua infância e juventude em Portugal, onde agora tem um belo museu.

Tenho pena de não haver um filme da fantástica explicação por ela dada a Mário Soares, em 1993, sob o olhar da comitiva que acompanhava a visita presidencial ao Reino Unido, mostrando as figuras representadas no mural que foi convidada a pintar na "Sainsbury wing", da National Gallery. Naquele seu jeito de simplicidade quase desarmante, que às vezes parece contrastar com a genial brutalidade de algumas das suas alegorias, Paula Rego desenhava em palavras cada personagem e revelava os modelos reais em que se inspirara: "Aquele é um homem que ia a minha casa trabalhar, aquela é uma senhora que faz limpeza lá em baixo, na cave do museu, e que eu convidei para posar..."

quarta-feira, janeiro 25, 2012

Álcool

Más notícias para a vinicultura!

Hoje, tive um almoço de trabalho com gente da banca. Praticamente ninguém tocou em vinho, durante toda a refeição. Ontem, ofereci um jantar, em casa, a figuras ligadas à vida académica. Ninguém aceitou um digestivo. Anteontem, estive num almoço em que foi convidado um proeminente político francês. Nem ele, nem a maioria dos presentes, passaram da "Évian" ou da "Perrier".

Começo a ficar preocupado com esta deriva espartana. No meu caso, confesso, reajo. A diplomacia económica obriga a sacrifícios.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Irão

A questão nuclear iraniana é suficientemente séria para justificar, em absoluto, a imposição das sanções agora decididas pela União Europeia. A UE deu mostras de um grande sentido de responsabilidade ao conseguir gerar um compromisso interno em torno do novo quadro de sanções. Depois das concludentes análises feitas pela Agência Internacional de Energia Atómica ao programa nuclear iraniano, seria altamente perigoso deixar o respetivo regime prosseguir, sem uma forte reação, o seu caminho em direção à arma nuclear.

Alguns, inocentes ou de má fé, dirão que a legitimidade de Teerão querer possuir a arma nuclear é, pelo menos, idêntica à de outros Estados que também a obtiveram por meios menos claros, sem que, por isso, se sujeitem a um controlo ou a uma pressão internacional de idêntica natureza. Custa ter de assumir isto, mas uma atitude de meridiano realismo leva à necessidade de pensar que, qualquer que seja o panorama nuclear global, o aparecimento de novos atores nesse "mercado" é um risco que deve ser evitado a todo o custo. E que esgrimir juízos de mera equidade, numa área com a delicadeza do tema nuclear, é um suicídio a prazo. 

Pena é que países como a China ou a Rússia, a quem, manifestamente, a nuclearização do Irão nada interessa no plano estratégico, não tenham querido, a tempo e horas, aliar-se a uma pressão internacional sobre Teerão, no quadro da ONU. Se a troca de argumentos conjunturais com as potências ocidentais não tivesse prevalecido sobre um mínimo de razoabilidade, talvez se pudesse ter evitado a situação a que hoje se chegou, agora acrescida com novos e graves riscos envolvidos.

É que, para além da tensão militar no Golfo, de que o sinal mais evidente é a situação que se vive no estreito de Ormuz, a inevitável subida do preço do petróleo vai acabar por traduzir-se num peso acrescido sobre o esforço de recuperação da economia internacional. Resta esperar que nenhum tropismo belicista, quiçá mobilizado por agendas políticas nacionais, venha ainda somar fogo às chamas.

Olympia

Amália Rodrigues criou, para sempre, um laço mítico entre o "Olympia" e os portugueses. Os artistas nacionais que, depois dela, encheram a sala do boulevard des Capucines devem ter experimentado essa sensação.

Ontem à noite, era patente que Kátia Guerreiro se sentia imbuída desse mesmo sentimento, durante o magnífico espetáculo que protagonizou. E porque era outra vez o fado que nascia naquele palco, tornava-se ainda mais claro, mesmo para aqueles que nunca chegaram a vê-la ao vivo, que a imagem de Amália pairava por ali.

domingo, janeiro 22, 2012

A embaixada croata

A Croácia decidiu ontem, por referendo, aderir à União Europeia. O processo negocial estava já concluído, pelo que a entrada daquele que será o 28º membro vai ter lugar em meados de 2013. Fica assim provado que a União, apesar de todas as suas crises, continua a ser uma referência atrativa de estabilidade para os países do continente.

A Croácia declarou a sua independência em Junho de 1991, no quadro de um complexo processo que levou à divisão da antiga Jugoslávia. Terríveis atos de guerra e tensões étnicas abalaram então a região balcânica, onde hoje, para além da Croácia, figuram, com estatuto de Estados independentes, a Eslovénia, a Bósnia-Herzegovina, a (antiga República jugoslava da) Macedónia, a Sérvia, Montenegro e o Kosovo.

Deve dizer-se que o objetivo croata estava longe de fazer a unanimidade europeia. O regime político do Estado dirigido por Franjo Tudjman era alvo de fortes críticas em matéria de respeito pelos direitos humanos e pelas regras da Convenção de Genève, durante a guerra inter-jugoslava. Além disso, na memória histórica coletiva, subsistia, em muitos países europeus, um forte ressentimento contra os croatas, por virtude da ligação que o "Estado livre" dirigido pelos "oustachis" pró-nazis de Ante Pavelic havia tido com Hitler, durante a segunda guerra mundial. 

A Alemanha, em especial o seu MNE Hans-Dietrich Genscher, foi manifestamente o país mais aberto ao reconhecimento da independência croata por parte das instituições europeias, que só viria a ter lugar em 15 de janeiro de 1992 - precisamente num período em que Portugal detinha a presidência da União Europeia. Recordo a minha quase solidão, como diplomata que representava a presidência das Comunidades Europeias (só em fevereiro desse ano seria assinado o tratado de Maastricht, que criou a "União Europeia"), no cocktail oferecido pelos croatas em Londres, ao final desse dia. A independência da Croácia, se bem que aceite, estava longe de ser saudada com entusiasmo pela generalidade dos países europeus.

A exemplo do que, com frequência, acontece com Estados em busca de reconhecimento, os croatas haviam desenvolvido, a partir de 1991, um pouco por todo o mundo, uma diplomacia pública de convicção, tentando fazer perceber as razões que justificavam a sua autonomização como entidade independente, sucessora do anterior Estado federado existente dentro da Jugoslávia. 

Nesse sentido, a nossa embaixada em Londres havia sido visitada, com alguma regularidade, por um médico croata, com nacionalidade inglesa, que informalmente representava os interesses de Zagreb em Londres. Chamava-se Drago Stambuk, era um poeta com vasta obra publicada e aparecia como regular portador, não apenas da argumentação das suas autoridades em favor do processo de independência, mas igualmente de razões contra as acusações de que o seu regime era alvo (e que infelizmente vieram a ser comprovadas) sobre as derivas autoritárias do governo Tudjman, nomeadamente o terrível tratamento dado aos sérvios residentes na zona croata da Krajina. 

Sem nunca lhe esconder as dúvidas que na Europa comunitária se alimentavam sobre os métodos do regime de Franjo Tudjman (e que, a título pessoal, partilhava em pleno), mantive sempre com Drago Stambuck uma excelente relação pessoal, que se transformou mesmo em amizade.

Um dia, após o anúncio reconhecimento da independência do seu país pelo Reino Unido, Drago Stambuk telefonou-me: tinha sido encarregado de abrir a embaixada croata em Londres. Não podia ser embaixador, porque tinha nacionalidade britânica, mas teria a responsabilidade prática de preparar toda a estrutura de representação croata em Londres. Como não sabia como proceder, "por onde começar", pediu a minha ajuda. Recordo longas conversas, em minha casa e em "pubs", durante as quais "desenhámos" a estrutura da primeira embaixada croata do Reino Unido. Nesses contactos, dei-lhe conta das formas de proceder face às autoridades locais, de "quem era quem" no Foreign Office, do modo de feitura das "notas verbais" e da preparação de outra documentação que faz parte da liturgia diplomática bilateral. Creio mesmo ter-lhe oferecido um exemplar da "bíblia" anglo-saxónica da profissão diplomática, o "Satow's guide to diplomatic practice". Guardei sempre na memória essa minha contribuição para a montagem da primeira embaixada croata em Londres. 

Com a minha saída do Reino Unido, perdi Drago Stambuk de vista. Lembro-me de ter falado dele com outros croatas que fui conhecendo, nomeadamente em visitas que fiz à Croácia. Vim a saber que prosseguira a carreira diplomática e que fora embaixador em vários países. Há meses, enviou-me um mail de Brasília, onde, desde agosto de 2011, é embaixador. Por pouco que nos não tínhamos cruzado de novo.

sábado, janeiro 21, 2012

Protocolo

Há dias, fui jantar a uma determinada embaixada, aqui em Paris. Deveríamos ser oito pessoas à mesa; só estivemos seis. Um casal faltou, sem dar qualquer explicação, fruto de uma eventual confusão com a data ou outra razão de última hora. Depois de mais algum tempo de espera do que habitual, a mesa "rearranjou-se" a tudo correu a preceito. Imagino que, no dia seguinte, os donos da casa tenham esclarecido com os faltosos o acontecido. 

Este é um cenário que pode ocorrer a qualquer um: já me aconteceu, algumas vezes como anfitrião, uma vez como faltoso, frequentemente como testemunha. Mas, por vezes, em jantares oficiais, um incidente deste género pode tornar-se bastante desagradável. Já assisti a várias confusões similares, algumas delas mesmo com impactos políticos, por vezes não deliberados. 

A cena mais bizarra em que estive envolvido passou-se em Genebra, em 2001. Eu era vice-presidente do Comité Económico e Social (ECOSOC) da ONU e, com o respetivo presidente, tinha-me deslocado de Nova Iorque para com ele dirigir as reuniões de trabalho do chamado "segmento de alto nível", que aí tem lugar durante o mês de julho de cada ano. São duas semanas de longas reuniões plenárias, encontros sectoriais e diversos outros eventos formais, com alguma negociação pelo meio.

Logo no início das sessões, recebi um convite para estar presente num jantar que um grupo de países do G77 (o grupo dos "países em desenvolvimento", que hoje agrupa, não os originais 77 Estados, mas 130 países) iria organizar, de homenagem ao presidente do ECOSOC, um diplomata africano, representante do seu país na ONU. 

Aceitei, como é óbvio, e, num determinado dia, lá fui para o jantar, que tinha lugar na residência de um embaixador asiático. O evento envolvia algumas largas dezenas de pessoas, desde diplomatas a funcionários superiores da ONU. Havia uma mesa principal, retangular, num modelo a que eu chamo "última ceia", e várias mesas redondas. O lugar do presidente do ECOSOC era à direita do dono da casa, à esquerda de quem eu me sentava.

Ao final de mais de uma hora de espera, constatou-se que o convidado de honra não aparecia. Ter-se-ia perdido no caminho? Teria feito confusão com a hora ou a data? Ainda tentei o seu telemóvel, mas estava desligado. Nas conversas, prolongavam-se as dúvidas. A certo passo, com muitos convidados a olhar já para os relógios, o anfitrião não teve outra solução senão decidir passar à mesa, mesmo sem o homenageado. 

Porém, o dono da casa, em lugar de procurar "aligeirar" a ocasião, informalizando-a, teimou, de forma um tanto estranha, em manter a prevista homenagem, não obstante a ausência do homenageado! E, com o lugar vago à sua direita, leu um discurso escrito, com elogios rasgados ao ausente. No final, para imenso espanto de todos e insuperável embaraço meu, passou-me a palavra, na minha qualidade de vice-presidente.

Aquela era uma das ocasiões em que um bom orador, com ironia e sentido de oportunidade, teria podido fazer uma intervenção de antologia. Eu não estive à altura do momento de humor que se me proporcionava. Disse umas palavras de circunstância e de agradecimento em nome do meu colega, sem ousar um registo divertido que o momento proporcionava, talvez para evitar ofender o anfitrião e alguns dos presentes.

Na manhã do dia seguinte, no palácio das Nações, procurei afanosamente o presidente do ECOSOC: "Então ontem faltaste ao jantar em tua homenagem?!" O homem olhou para mim, impávido, com um ligeiro sorriso, comentando: "É verdade! Não me sentia muito bem para ir ao jantar. Fui ao cinema..."

O protocolo, tal como os costumes, pode ser muito diferente, de país para país.   

Messi

Há dias, passei hora e meia a "roer-me", ao assistir a mais uma derrota do Real Madrid face ao Barcelona. Não que tenha qualquer simpatia particular pelo Real ou um "azar" ao Barça: mas apetecia-me que Mourinho e Ronaldo ganhassem o jogo, até para colocar um fim à "malapata" que os tem perseguido no "derby" espanhol. 

No futebol, sou um patriota primário: para além de gostar de ver ganhar (todas) as equipas portuguesas que defrontam estrangeiros, desejo sempre sucesso às equipas estrangeiras onde estão portugueses. Não escondo que, numa ocasião ou outra, tive tentações para abandonar estes princípios, mas julgo ter sempre resistido. Mais do que pelos treinadores ou jogadores, anseio por essas vitórias porque sei bem o que elas significam para os nossos compatriotas que vivem no exterior, a quem uns suplementos de ânimo fazem bem falta, em especial nos dias que correm.

Mourinho e Ronaldo, uma vez mais, não ganharam. E não mereciam ganhar, pelo "jogo jogado". E, em especial, pelo facto do Barça dispor de Messi, essa maravilha da natureza que desequilibra tudo. Fui um fã da astúcia tática de Puskas e Beckenbauer, admirador da excecional leitura de jogo de Platini ou Croyft, conquistado pela codícia de Di Stefano e Maradona, maravilhado pela "jonglerie" de Pelé ou Best. Mas, sem cair no exagero de o considerar o melhor jogador de sempre, acho que há em Messi algo de especial que nos traz toda a alegria do mais belo jogo do mundo. Aquele rendilhado numa passada curta, a aceleração súbita com a bola atraída ao pé ou a visão instantânea para a assistência oportuna são qualidades muito raras.

Há dias, no "El País", António Lobo Antunes saiu-se com esta frase: "Ah, si pudiera escribir como Messi juega al fútbol!". Ficou tudo dito. 

Afeganistão

A decisão ontem anunciada pelo presidente Nicolas Sarkozy, de suspender temporariamente a atividade das tropas francesas presentes no Afeganistão, na decorrência da morte de quatro soldados seus e ferimentos em vários outros, provocada deliberadamente por um militar afegão, foi um gesto que encontrou grande eco na opinião pública deste país. Com efeito, há qualquer coisa de estranho quando tropas que estão no terreno para ajudar à formação e à ação de pacificação de um exército se tornam vítimas indefesas de membros dessas mesmas forças armadas, por virtude da falta de um mínimo de condições de segurança para a sua atividade.

O envio de forças para o Afeganistão, por parte de vários países, que se iniciou há cerca de uma década, foi um gesto de solidariedade política para com os Estados Unidos, no pós-11 de setembro, e, ao mesmo tempo, foi o reconhecimento de que a segurança futura de todos nós começava nessa longínqua fronteira, onde o terrorismo se afirmava e prosperava com impunidade. Foi uma iniciativa justa, coberta por um mandato internacional incontestável, cuja legitimidade não pode ser posta em causa. E Portugal foi, com toda a naturalidade, parte desse esforço, que honra a sua política externa.

Os resultados desta iniciativa estão, porém, muito longe das expetativas então criadas. O Afeganistão é uma sociedade muito complexa, onde os aliados internos de quantos pretendem ajudar à pacificação do país parecem, por vezes, enredar-se em estranhas flexibilidades táticas com o inimigo, muitas vezes cruzadas com comprovadas venalidades. Dá frequentemente a sensação de que aqueles que se esforçam por criar condições para uma sociedade afegã mais justa e democrática são como que forçados a "respeitar" um certo relativismo cultural, tido como essencial para a estabilização do poder interno, mesmo à custa de uma fragilização de princípios básicos em matéria de direitos fundamentais. E, aqui e ali, fica a impressão de que algum transigência, nomeadamente na política de alianças, pode colocar em causa o caminho para o futuro democrático e de tolerância que não pode ter deixado de estar por detrás da contribuição externa para a operação militar.

Começa a ficar claro que os parceiros internacionais do governo afegão, que têm procurado encontrar soluções para garantir as melhores condições para a solidificação do seu estatuto de autoridade, se começam a interrogar sobre se esse imenso esforço está a ser devidamente recompensado com reais resultados e com um total empenhamento de quantos, no país, têm obrigação de acelerar as condições para virem a tomar nas suas mãos, de forma autónoma, o seu próprio futuro.

A decisão francesa de repensar a sua ação no Afeganistão, deixando aberta a porta a uma possível retirada das suas tropas antes da data prevista de 2014, no caso de não encontrar uma resposta satisfatória às suas preocupações, é talvez um momento de verdade que pode ser útil a uma reflexão mais alargada, que ajude a ver mais claro quanto ao futuro do conjunto da ação militar internacional no país. O respeito pelos mortos em ações militares no Afeganistão, como os muitos que a França já teve de enfrentar nesta década, justifica bem este gesto. 

sexta-feira, janeiro 20, 2012

Blogue da Embaixada

Para quem esteja interessado nas atividades quotidianas da representação diplomática portuguesa em França, o Blogue da Embaixada de Portugal em Paris vai dando disso conta. Vale a pena lembrá-lo.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Guimarães

É já amanhã que arranca a programação de Guimarães - capital europeia da Cultura 2012. 

Como membro do Conselho Geral da organização, lamento imenso não poder deslocar-me à cidade, para me juntar à celebração deste dia festivo.

Tenho esperança que este projeto, cuja cuidada programação honra o país, possa concitar os aplausos que lhe são devidos. E desejo vivamente que as aves agoirentas, os profissionais do despeito mesquinho e as más-línguas velhas e relhas do Portugal azedo e reacionário, venham a ser caladas com o êxito desta iniciativa.  

Falkland/Malvinas

Foi já há 30 anos. Na velha lógica segundo a qual um conflito exterior se constitui num útil fator de reforço da unidade nacional e contribui para o esquecimento dos problemas internos, a ditadura militar argentina decidiu ocupar as ilhas Malvinas, o arquipélago adjacente ao seu território, que o Reino Unido mantém, desde há muito, sob a sua soberania (e a que chama ilhas Falkland). Tratava-se de dar concretização a um sentimento histórico que de há muito atravessa o imaginário argentino, que considera como um injustificável resquício colonial a presença britânica nas suas costas (um pouco como sucede com Gilbraltar, perante a Espanha, ou sucedia com Hong-Kong, perante a China).

A reação britânica acabou por ter uma dimensão inesperada. Meses antes, o vice-ministro Nicholas Ridley havia tentado convencer a população das ilhas a aceitar uma compensação financeira, em troca do seu acordo com um modelo de "leaseback" que permitiria a retoma, a prazo, da soberania argentina. Esta atitude parecia indiciar uma fragilização da vontade de Londres de manter a presença no arquipélago. Mas os argentinos "leram" mal a disposição britânica: o Reino Unido reagiu, "à antiga", à tentativa de invasão e enviou uma imensa esquadra que, embora com significativo custo, mas com um reconstituído orgulho, retomou o controlo das ilhas. A primeira-ministra Margareth Thatcher obteve uma retumbante vitória militar, que acabou por funcionar como um "boost" político para a manutenção dos conservadores no poder.

Eu vivia então na Noruega e recordo bem as lágrimas do meu colega argentino, Miguel Angel Cuneo, num final de tarde em minha casa, comentando a humilhação a que o seu país fora sujeito, dividido entre o que era um desiderato nacional e as consequências pesadas de uma iniciativa mal sucedida. O afundamento do cruzador "General Belgrano", a "jóia" da armada argentina, foi talvez a imagem mais dramática dessa imensa e histórica derrota, que acabou por representar o princípio do fim da ditadura militar de Buenos Aires.

Ao tempo da preparação do envio das tropas britânicas, o Reino Unido fez, em Lisboa, uma diligência junto do MNE, no sentido de poder utilizar facilidades nos Açores, como ponto de apoio da sua frota marítima. O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de então, o embaixador Leonardo Mathias, solicitou que o pedido fosse feito, formalmente, "à luz do tratado de Windsor", procurando, desta forma hábil, assegurar, de um modo implícito, que os britânicos se sentiam vinculados ao espírito da "oldest alliance". O embaixador britânico Hugh Byatt, não sem uma visível relutância, acedeu a apresentar uma nota com o "wording" exato que o nosso governo pretendia, referindo o tratado de Windsor. Ora esse era exatamente o mesmo tratado que Londres se havia recusado a considerar como invocável, quando, exatamente duas décadas antes, o governo português o havia lembrado, ao solicitar a ajuda de Londres, aquando da ocupação, pela União Indiana, das possessões portuguesas na costa malabar.

Dizia Disraeli, antigo primeiro-ministro britânico, que "a Inglaterra não tem amigos, tem interesses". Neste caso, a diplomacia portuguesa provou a Londres que, às vezes, pode ter interesse em ter amigos...

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