sábado, dezembro 24, 2016

Minerva



Estive ontem na Minerva Transmontana, a tipografia de Vila Real onde acabo de mandar imprimir uma brochura ("fora do mercado", como se costuma dizer) de umas dezenas de páginas, recuperando memórias de família.

Olhei o ambiente daquela que sempre foi a principal casa impressora da cidade e vi-me por ali (as atuais instalações são vizinhas da outra) com 17 ou 18 anos, quando escrevinhava umas reportagens (e, muito cedo!, também umas crónicas, a "puxar" para o político) para "A Voz de Trás-os-Montes", o principal jornal da cidade.

Os meus textos eram entregues no escritório do diretor, o padre Henrique (Maria dos Santos), mas não havia a certeza absoluta de virem a surgir um letra de forma. Às vezes, presumo que fosse o diretor quem entendia que os artigos eram pouco interessantes, outras vezes sei que foi o lápis azul censório do capitão Medeiros que privou os leitores da "Voz de Trás" (como maldosamente alguns diziam) do "benefício" da minha prosa.

Por esse tempo, a minha angústia de cronista neófito era grande. O texto sairia ou não? Como sabê-lo, a montante da distribuição do jornal, sem o recurso humilhante à pergunta direta ao diretor? 

Um dia, dei-me conta de que tinha na tipografia um amigo de escola primária, o Esteves, filho de um polícia, mais conhecido pelo "Estevinho". Passei pela Minerva, chamei à parte o Estevinho e fui sincero: tinha escrito um artigo e gostava de saber se ele saía ou não. O Estevinho não estava ligado a esse setor da tipografia, tinha uma função muito subalterna, pelo que lhe era difícil espiolhar os textos do jornal. (E imagino que me tenha perguntado: "Mas por que é que não esperas pela saída do jornal?", coisa a que seria difícil dar uma resposta sensata). Mas lá se prontificou para ir saber. Repeti o truque duas ou três vezes, até que o rapaz se cansou. Passei então para o Carvalho, um amigo tipógrafo que eu tinha entretanto criado na Minerva, figura mais sénior, que passou a ajudar-me discretamente nessa angústia pateta de um cronista antes da publicação da crónica.

Caramba, e pensar que isto já foi há 50 anos! 

O Carvalho encontro-o às vezes na avenida (em Vila Real, quando se diz "avenida" é sinónimo de Avenida Carvalho Araújo), tem um filho que é um excelente cartoonista e bebemos um café, há meses, na esplanada da Gomes. O Estevinho vive há muito por Lisboa e cruzámo-nos, há dois anos, num evento transmontano. Hoje, 24 de dezembro, dia de consoada e de romaria "à Bila" dos expatriados, a hipótese de nos encontrarmos todos na "rua direita" sobe exponencialmente.

sexta-feira, dezembro 23, 2016

Café de S. Bento


Hoje, a revista "Evasões", que é distribuída com o "Diário de Notícias" e o "Jornal de Notícias", traz hoje uma nota "gastrófila" minha sobre o restaurante de Lisboa "Café de S. Bento".

Pode ler o texto aqui.

O abraço de Natal


Achei que tinha de ajudá-lo. Aquele meu velho amigo, que já não via há muitos anos, sabendo-me colocado na embaixada em Luanda, nesses idos de 80, procurou-me em férias. O seu pai, que há décadas migrara para Angola, antes da independência, deixara de dar notícias. A sua mãe tinha-se desligado afetivamente do marido, mas ele, como filho, não.

A última localidade onde sabia que ele vivera era a milhares de quilómetros da capital angolana, nesse tempo de guerra civil. Teria morrido? Estaria em dificuldades?

Em Luanda, em cujo consulado ele estava inscrito, pedi que, se acaso aparecesse alguém da cidade onde se supunha que o homem vivia, lhe pedissem para ir falar comigo, naquele imenso prédio onde eu trabalhava e vivia, na rua Karl Marx, antiga rua Vasco da Gama, hoje avenida de Portugal – porque o mundo é composto de mudança…

Semanas depois, apareceu alguém da referida localidade. Confirmei que o pai desse meu amigo estava de boa saúde e ainda trabalhava. Uma excelente notícia! Quando referi à pessoa a razão da minha diligência, ela retorquiu-me: "Está bem, mas, por ora, não diga ainda nada à família dele. Vou tentar que ele fale consigo". Estranhei um pouco, mas as vidas têm razões que a lógica desconhece. E respeitei o que o que foi pedido.

Os meses passaram, mesmo muitos. Um dia, da portaria, dizem-me que o pai do meu amigo estava ali, para me ver. Rejubilei! Mandei-o subir e recebi um homem tisnado, pequeno, magro mas com ar saudável, olho vivo e cara seca, sem grandes sorrisos. Expliquei-lhe o encontro tido com o filho, meu antigo colega. Tentei aligeirar a conversa, que sentia não fluir, com um esforço para suscitar memórias comuns de Vila Real. Mas rapidamente comecei a perceber que, para ele, o passado era mesmo o passado.

A certo ponto, foi claro: "É melhor não dizer ao meu filho que me encontrou". Fiquei perplexo e, de certo modo, desiludido. Porquê? "Eu não vou regressar nunca a Vila Real. A minha vida é em Angola. Esta agora é a minha terra. Tenho aqui mulher e já cinco filhos, tenho um negócio que vai bem, mesmo com a guerra. A mulher e o filho que deixei em Portugal já não esperam ver-me, se calhar acham que eu morri. É melhor assim. Nem eu tenho dinheiro para lhes mandar, nem era capaz de abandonar a família que fiz por aqui. Diga ao meu filho que não me encontrou, faça-me esse favor".

Percebi o drama do homem. À despedida, junto ao elevador, de dentro daquela secura que os trópicos e as dificuldades da vida haviam incutido no seu carácter trasmontano, disse uma coisa muito bonita: "Vai agora no Natal a Vila Real? Se encontrar o meu filho, dê-lhe um abraço forte, por mim. Mas não lhe diga nada, está bem?". Cumpri a promessa.


Agora já não posso dizer. O meu amigo morreu, há já alguns anos. O seu pai, soube-o há uns tempos, também. Lembrei-me disto neste Natal, que desejo feliz para quem o possa ser.

quinta-feira, dezembro 22, 2016

Diáspora

A convite do Conselho da Diáspora Portuguesa, estive, na manhã de hoje, a moderar, em Cascais, um dos painéis desta rede que congrega quase uma centena de portugueses "de sucesso" (a qualificação é da minha responsabilidade), sedeados em dezenas de países. Trata-se de quadros de topo de grandes empresas internacionais, de académicos e investigadores, bem como de outras personalidades altamente colocadas "lá fora".

Uma vez por ano, esta "rede", que tem por objetivo ajudar a promover um melhor conhecimento da nossa realidade contemporânea, reúne em Portugal. 

Coube-me animar o debate sobre o papel da Diplomacia Cultural na projeção de Portugal e o modo como a "rede" pode vir a contribuir nesse domínio.

Ouvindo os conselheiros, ficou-me a sensação muito clara de que Portugal "está na moda", de que as perceções positivas sobre o nosso país se acumulam e de que está criado um ambiente propício a que se promovam mais iniciativas para reforçar a visibilidade do "Portugal de excelência" que por aí existe.

Porque constituem este Conselho personalidades altamente qualificadas, que decantam as suas perceções da vivência em "esferas culturais" muito representativas, saí muito otimista daquilo que ouvi.

Pela minha parte, dei conta do modo como a "diplomacia pública" se tem comportado ao longo dos anos neste setor, da suas limitações, das lições aprendidas e da importância de poder contar com estes qualificados "atores" para um trabalho eficaz em torno da imagem de Portugal.

Jornalistas de economia, precisam-se!


Sempre tive amigos jornalistas na área económica. A maioria conheci-os quando estava no governo, outros criei-os quando era embaixador, alguns (poucos) desde que estou ligado ao setor empresarial e passei a escrever com regularidade nos jornais.

A imprensa portuguesa necessita de jornalistas económicos como de pão para a boca. Cada vez mais a vida política anda à volta das temáticas económicas, assuntos que antes eram especializados e só abordados por iniciados, marcados por um léxico próprio e inescapável, passaram a fazer parte corrente da nossa vida e da nossa conversa.

Para ajudar o público a ler essas realidades, com independência mas com rigor, o jornalismo económico é em absoluto indispensável. Há sempre versões em torno dos números, é necessário explicar a perspetiva de A, que contradiz a de B. É importante dar ao leitor, ao ouvinte ou ao telespetador o leque de interpretações possíveis, para que este possa, com total liberdade e sem condicionamento, fazer o seu próprio juízo, sem pretender convencê-lo de que uma visão é melhor do que a outra. Fazer jornalismo económico requer conhecimentos, rigor, independência e respeito pelo utente recetor da notícia.Com o tempo, esses meus amigos e amigas que eram jornalistas deixaram, um dia, de o ser. Isto é, não deixaram de ser amigos, deixaram foi de ser jornalistas, embora continuassm a trabalhar nos "media". Passaram, quase na sua totalidade, a ser comentadores - que é uma coisa muito diferente de ser jornalista.

Agora eles já não enquadram as notícias, não são independentes na análise dos números, não dão crédito equiparado às diversas leituras. Eles tomam partido, "acham", passaram ao "na minha opinião".

Centeno diz uma coisa? Eles permitem-se o "não acredito que". O BCE prolonga o "quantitative easing"? Eles estão "convictos" que, a prazo, a sustentabilidade dessa política anti-deflacionária "não será conseguida". Moscovici dá as previsões da Comissão para o nosso défice em 2017? Eles acham "otimistas" essas notas prospetivas. Centeno, Draghi e Moscovici têm equipas económica a sustentar as suas declarações. Eles têm-se a si próprios: "eu já no mês passado tinha aqui dito que..."

Não têm, esses meus amigos e amigas, o direito a comentar a coisa económica? Ora essa! Claro que sim! Os comentadores são indispensáveis.

Mas a comunicação social necessita urgentemente de, para os lugares deles, contratar jornalistas, gente que nos traga e exponha as notícias, sem tomar partido, sem dar bitaites, à Krugman ou à Stiglitz. É que, por muito despiciendo que isso possa parecer, esses antigos jornalistas não são prémios Nobel da Economia. Ainda.

quarta-feira, dezembro 21, 2016

Gambuzinos no Chiado

Foi num jantar com amigos meus, alguns que não se conheciam entre si. Ainda recordo o lugar: o antigo "Copo de Três", à Praça das Flores, onde hoje está o "Castro Flores" (por acaso, vou lá almoçar amanhã...)

Já não sei bem como e a que propósito, veio à conversa o nome de uma certa cabeleireira lisboeta, muito na moda, que recebia figuras bem conhecidas. Uma das amigas presentes era sua cliente habitual. Foi então que comentei: "Foi muito triste o que aconteceu com aquele salão! Ter de fechar assim de repente..."

A amiga que era cliente supreendeu-se: o salão tinha fechado?! Expliquei que tinha sabido do assunto nessa mesma tarde, através de uma reportagem em "A Capital", que trazia tudo muito bem explicado.

Descobrira-se, por alguma denúncia, que o cabeleireiro era, no fundo, uma "frente" para um lucrativo prostíbulo de luxo, ali bem no meio de Lisboa. E havia muita gente implicada! Um famoso e exclusivo "gentlemen's club", que confinava com a cabeleireira, era a via de acesso dos homens para o lupanar, entrando as mulheres através do salão de cabeleireiro. Dei pormenores do artigo, falei de uma porta e de um corredor secreto, de uma varanda traseira ("é verdade, há uma varanda", confirmou a minha amiga).

A polícia selara tudo nessa manhã e havia mesmo pessoas detidas. "Este país está impossível. Já nada é o que parece! Essa é que é essa!", sentenciei.

A minha amiga estava atónita, e compreensivelmente chocada. Conhecia muito bem a cabeleireira e o marido, gente encantadora, punha "as mãos no fogo" por ela, era quase impossível que ela estivesse envolvida nessa tramóia! "No melhor pano cai a nódoa!", foi o comentário ouvido.

E muito mais perturbada essa amiga ficou quando outras pessoas, que também estavam na nossa mesa, gente que ela estava a conhecer ali pela primeira vez, confirmaram: um tinha já ouvido falar do assunto, outra lera o mesmo artigo de jornal que eu tinha lido.

A conversa prosseguiu, mudou-se de tema, mas a nossa amiga ficou visivelmente perturbada. E estava-o de tal modo que, à saída do restaurante, pediu ao marido para passar, de carro, pelo endereço da cabeleireira, para ver com os seus próprios olhos os selos de polícia na porta. Não sei se viu alguma coisa, porque à noite tudo é menos claro, até os gatos, dizem, são pardos e só há gambuzinos no ar.

A nossa amiga viria a sossegar, mas só mais tarde. A cabeleireira, afinal, não tinha sido presa, o lupanar, afinal, não existira nunca, a historieta, afinal, era uma invenção instantânea deste seu amigo, o comportamento dos outros, afinal, tinha sido provocado por um piscar de olho cúmplice - e, à distância, não lhe agradou mesmo nada que essas pessoas tivessem contribuído para a "gozação". Mas, afinal, já me perdoaste, não é, Mena?

Uma cunha na hora!



Aquela figura da "geringonça" olhou para mim com um ar perplexo, quando deixei cair, em conversa, que podia estar interessado num determinado cargo oficial. 

Ouvira-me, nos últimos dez anos, jurar a pés juntos que não estava disponível para exercer qualquer lugar no âmbito do Estado pelo que havia agora qualquer coisa que não batia certo.

- Era capaz de aceitar uma certa função não remunerada...

Bom, isso já podia ter algum sentido, deve ter ele pensado, julgando que eu estava a meter uma discreta "cunha" para um lugar de prestígio.

- É um cargo que ambiciono desde há cerca de três décadas.

Isso atirava para os anos 80. Pediu-me que concretizasse.

- Era para membro da Comissão Permanente da Hora.

"Comissão Permanente da Hora"?! O que faz essa comissão? Expliquei que, por lei, lhe compete "estudar, propor e fazer cumprir as medidas de natureza científica e regulamentar ligadas ao regime de Hora Legal e aos problemas da hora científica". Ora eu tinha reparado, há muito, numa falha na lei: era inconcebível que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não estivesse representado nessa comissão, pelas implicações que o regime da hora legal tem nas relações internacionais e na ligação com as instituições comunitárias. Impunha-se, desde logo, uma revisão da legislação nesse sentido.

- Tem lógica, disse ele. 

Mas, pondo os pés na terra, logo refletiu: mas por que é que eu queria esse lugar, um lugar não remunerado numa comissão que reunirá, talvez, uma vez por ano? E o que é que eu sabia do assunto para me qualificar para essa função? Pacientemente, expliquei que tinha passado por mim, noutros tempos, a questão do regime europeu da hora, pelo que sabia tanto ou mais do assunto como qualquer outra pessoa de lá do MNE.

- Lá isso é verdade. Mas estás mesmo a falar a sério?

- Claro que sim e agora tenho mais tempo, o que deve ser importante para um organismo que trata da hora... 

- Mas seria necessário mudar a lei. E o MNE teria de propor isso. Pode demorar...

"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo".

- Bela frase! É tua?

- Não, é do Saramago.

Fiquei na dúvida sobre se esse meu amigo acreditou mesmo no que lhe "pedi". Um reformado a representar o Estado... Só eu é que tenho tempo para estas brincadeiras. Mas é Natal, ninguém leva a mal.

Carlos Gaspar


Continuar a aprender é uma das coisas que me dá mais prazer. E tenho aprendido muito, nos últimos dias, ao ler o magnífico "O Pós-Guerra Fria", do investigador e professor universitário Carlos Gaspar. 

Nem sempre, no passado, estive de acordo com algumas coisas que o Carlos disse ou escreveu sobre certas questões na ordem externa, o que torna porventura mais genuíno e franco este meu elogio ao seu livro. É uma evidência que se trata de alguém que, entre nós, reflete, como muito poucos, sobre as temáticas internacionais, com juízos de grande profundidade e uma leitura inteligente e perspicaz sobre a realidade política global. 

Notícias a sério


Chama-se João Fernando Ramos. Não o conheço pessoalmente, creio. Surge à frente de um jornal informativo na RTP2, às 21.30. Apresenta-nos, em apenas meia-hora (como em todos os países civilizados), um telejornal com equilíbrio, sem "gorduras", sem "Sónias Cristinas" em diretos inúteis, com entrevistas dinâmicas, convidados variados. No final, ficamos a saber tanto como com aqueles pastelões de mais de hora e meia que os três canais principais nos impingem. Ainda há notícias a sério.

terça-feira, dezembro 20, 2016

Suplementos

Volta e meia, com os jornais diários, surgem uns suplementos que, quase num gesto automático, seguem logo para o lixo. Ninguém lê aquelas estopadas, escritas num "jornalismo" oficioso e de publicidade disfarçada.
Que empresas privadas publiquem coisas dessas, tudo bem! O negócio é isso mesmo.
O que ultrapassa a minha compreensão é o facto de entidades públicas gastarem do dinheiro dos nossos impostos para promoverem serviços públicos.
Hoje, com o "Público", o Centro Hospitalar do Porto edita um suplemento com 40 páginas (!) de autopromoção.
Há dinheiro a mais na área da saúde? Não sabia.

segunda-feira, dezembro 19, 2016

O presidente e o país

O país divide-se na sua apreciação sobre as movimentações do presidente da República.

Uma parte acha que a sua "agitação" é positiva, que está criado um ambiente favorável à sua presença constante um pouco por todo o lado, que esse é o segredo da real descrispação que o país hoje vive. Outra parte - e sente-se que essa parte cresce, dia-após-dia - acha que o presidente está a ir longe demais naquilo que pode funcionar como uma certa banalização da sua figura, e teme por isso. Outros ainda começam a achar que o chefe do Estado entrou numa deriva presidencialista que coloca em causa os equilíbrios de poder com o governo.

A estes três grupos soma-se um outro, o que já "perdeu a paciência para o Marcelo": são as "viúvas" e os "viúvos" de Cavaco, os que, com raiva, o viram um dia entrar de rompante num congresso do PSD e "roubar o show" a Passos Coelho, os que não tiveram outra solução senão votar nele, os que cedo acordaram do sonho frustrado de o ver desmantelar a geringonça, os que acham que já chegou o tempo de denunciar o que lhes parece ser um "fazer da cama" de Passos Coelho, a partir de Belém.

O "Observador" é o órgão oficioso deste último grupo, desde as insídias nas "newsletters" aos (principalmente às) colunistas descabelado/as. Durante meses foram afinando a pontaria, das pequenas graçolas às bicadas mais ou menos subtis. Agora, já se soltaram e à vista da consoada, vendo-se sem prenda no par de botas em que se meteram, perderam as estribeiras. Já perceberam que este ano não vão ter Boas Festas e de que estão muito longe de poderem vir a ter um Feliz Ano Novo. A eles, apetece-me dizer a palavra que, lá por Vila Real, lançamos àqueles com quem nos cruzamos na rua, depois da missa do galo e até aos Reis: "Continuação", é o que sinceramente lhes desejo...

domingo, dezembro 18, 2016

Vinhos & Cia


Nunca percebi se o Bill Stevens era ou não da CIA. O rumor de que era corria no corpo diplomático em Oslo, mas isso nunca impediu que ele e a Judy se contassem entre os nossos melhores amigos. Em casa deles - uma moradia de madeira e vidro, na bela encosta de Holmenkollen - comemos o perú no Thanksgiving (festa em que os americanos só juntam a família e os muito próximos), eram visitas regulares lá de casa e fizemos divertidas excursões de fim-de-semana. Que será feito deles?

Um dia, o Bill teve a ideia de organizarmos um jantar comemorativo de qualquer coisa, num determinado restaurante de Oslo. A capital norueguesa, nesse início dos anos 80, não tinha muitos restaurantes. Os "de topo" eram uma meia dúzia, e extraordinariamente caros. O meu "subsídio de representação" - o acréscimo que é pago aos diplomatas, a somar ao salário-base recebido no país, para alugar casa, fazer "representação social", compensar o diferencial do custo de vida no exterior e o atenuar o facto do cônjuge ter de abandonar o emprego para nos acompanhar - era muito baixo para os preços praticados na Noruega, pelo que eu vivia os meses "a contar os tostões". As extravagâncias eram assim limitadas, com as idas aos restaurantes confinadas a umas pizzarias e coisas desse nível.

Mas não resisti à ideia do Bill, que, esclareça-se, não era um convite, era um jantar "a meias", que ele reservaria. Avisou que teríamos uma surpresa. O repasto era num primeiro andar frente ao Studenterlunden (não, não era o Annenetagen ou o Theatercaféen - para os conhecedores de Oslo). Sentámo-nos e ele revelou-nos a surpresa: tinha decidido pedir um "vinho português". Fiquei siderado! De facto, ao tempo, nunca havia visto qualquer vinho português nas cartas dos restaurantes norugueses, se bem que três ou quatro marcas estivessem à venda no Vinmonopolet - para quem não saiba, na Noruega, tal como na Suécia, as bebidas alcoólicas com graduação acima da cerveja são vendidas exclusivamente em lojas de um monopólio do Estado, a preços altamente marcados pelos impostos.

Fiquei satisfeito pelo gesto do Bill, claro. Um jantar com vinho do meu país! E estava curioso em saber o que aí viria. Não demorou muito: chegaram garrafas de... Mateus Rosé! Na realidade, era um produto nacional, mas eu nunca o "vira" como um vinho português. Com um sorriso que imagino amarelo, agradeci o gesto e lá acompanhámos a refeição, uma carne de rena, que era o "pão-nosso-de-cada-dia" da gastronomia local, com aquele produto. É que, para além de eu não apreciar "Mateus Rosé" (estou no meu direito, não estou?), de entender ser uma bebida pouco adequada para acompanhar uma refeição, o preço de cada garrafa era estratosférico, para a minha bolsa. Ah! Só que, sendo um produto português, eu tinha de dizer bem dele, claro.

Anos mais tarde, ouvi um colega espanhol numa diatribe contra a música de Julio Iglésias, que achava delicodice e para gostos parolos. Alguém, no grupo em que estávamos, lhe fez notar que era um pouco chocante ouvir de um diplomata espanhol propósitos de denegrimento de um dos mais bem sucedidos "produtos de exportação" do seu país. Eu concordei e disse-lhe: "Faz como eu faço com o Mateus Rosé: promovo e até sirvo em casa, mas não consumo..."

sábado, dezembro 17, 2016

Encontro de culturas


Anuncia-se o fecho da "Cornucópia" e logo acorrem as hostes dos poderes, do presidente da República ao ministro da Cultura, a dar notas de pena e acenar com notas de subsídio, para não deixar cair os atores que tantas alegrias proporcionavam a quem por ali ia.

Concretiza-se o fecho do "Elefante Branco" e nem um diretor-geral ou um secretário de Estado se fizeram presentes, a dar uma mão cheia de notas de carinho às dotadas jovens que, com paralela dedicação, tantas noites boas prodigalizaram a quem ali as procurava.

São públicos diferentes? Talvez. Mas quantas "Cornucópias" familiares não terá provocado o "Elefante Branco"?

sexta-feira, dezembro 16, 2016

Brasil, Brasil



O Brasil atravessa um momento único, regenerador mas perigoso.

Uma tensão política potenciada por um mau momento da economia e por um sentimento popular de revolta contra iniquidades do sistema, desencadeou uma crise institucional de inimagináveis proporções, que levou ao afastamento da principal figura do Estado.

Três constatações, entretanto, se impuseram: as liberdades públicas nunca estiveram em risco, a arquitetura institucional foi preservada e os mecanismos de justiça, que ganharam força quando os outros poderes se fragilizaram, acabaram por se autonomizar. Este último facto, contudo, pode revelar-se de certo modo inconforme com o próprio sistema político.

Porquê? Porque era, e é, um segredo de Polichinelo que a máquina política brasileira, do nível local ao federal, vive marcada por uma cultura comportamental à margem da letra das leis, no tocante ao financiamento da atividade dos agentes políticos.

Num primeiro tempo, a luta contra a corrupção, levada a cabo pelo aparelho de justiça e que havia ganho forte legitimidade popular para agir, pareceu relativamente compatível com o interesse imediato de quem tinha como estratégia a reversão dos equilíbrios políticos prevalecentes, em sintonia com um sentimento popular que um sufrágio posterior confortou.

Num segundo tempo, porém, ao partir da ação anti-corrupção para o terreno do financiamento dos agentes políticos e das suas atividades, que indubitavelmente se constata estar-lhe ligado, a mão da justiça passa a confrontar-se com a essência do próprio sistema. Mais: a sensação que fica é de que, se essa ação se aprofundar muito por essa mesma pista, o universo dos agentes políticos é de tal modo atingido que é a sobrevivência do próprio sistema que começa a ser questionada.

A onda salvífica da democracia potenciada pelo exercício de liberdade da justiça pode, assim, vir a redundar em impactos que se situam muito para além da capacidade de auto-regeneração do sistema.

Um conluio político-partidário, para uma operação de obstrução ou definição de uma « linha vermelha » limite para a ação judicial, não é de excluir, dado o caráter devastador, em matéria de efeitos, a que o atual processo de « delação premiada » pode conduzir. Resta saber se isso será compatível com a atenção escandalizada das ruas.

Para alguns, só uma relegitimação eleitoral surge como solução. Subsiste, contudo, uma imensa contradição: para tal, seria necessária a mobilização de quantos veriam o seu modelo de existência política posto em causa, ou em dúvida, por esse mesmo exercício. E não é evidente que o masoquismo ou o suicídio venham a prevalecer.

Não está fácil o Brasil, nos dias que correm.

Soares


Por muitos anos, Mário Soares era um nome que surgia nas referências da oposição democrática à ditadura. Vi-o fisicamente, creio que pela primeira vez, em 1969, à porta da Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, numa noite em que o então líder da oposição socialista pretendia aí fazer uma "sessão de esclarecimento". A polícia proibiu o "ajuntamento" e ouvi Soares, com voz forte e indignada, a contestar a decisão diante do famigerado capitão Maltez, antes deste ter ordenado a dispersão daquelas dezenas de pessoas, "por ordem do governo". Lembro-me bem de Soares perguntar, jocoso: "E que ministro é que deu a ordem? O da Agricultura?". Um grande jarrão à entrada de um vizinho restaurante chinês, atrás do qual me refugiei com uma amiga, ia sendo a vítima colateral da subsequente fuga dos circunstantes.

Ainda iria cruzar Soares, nesse ano, em duas outras reuniões da oposição. Eu estava então noutra onda, longe das suas ideias, mas apreciava-lhe a coragem e a determinação políticas. Depois das "eleições" de outubro desse mesmo ano, em que Soares e os seus amigos socialistas tiveram um resultado bastante fraco, ele saiu do país e iria ser obrigado a permanecer no estrangeiro, sob pena de ser preso, se regressasse. Só cá chegaria em 29 de abril de 1974.

Nunca falei com o ministro ou o primeiro-ministro Mário Soares. Mas recebi-o na Noruega, como líder da oposição, em 1980. Passariam 13 anos até voltar a encontrá-lo. Foi em 1993, em Londres, na nossa embaixada, aquando da sua visita de Estado, como presidente da República. Falámos então bastante de episódios da luta contra a ditadura e dos muitos amigos comuns. Criámos, a partir daí, uma relação de simpatia, que nunca mais se perdeu.

Em outubro de 1995, Mário Soares empossou-me como membro do governo e, poucos dias depois, acompanhei-o a Israel e à Palestina, escassas semanas antes dele abandonar Belém. Lembro-me de uma frase que então me disse: "Sabe que, em 10 anos como presidente, esta é a primeira e a última vez vez que sou acompanhado, numa visita oficial ao estrangeiro, por um membro de um governo da minha família política?" Era verdade. Estávamos ambos com Arafat quando o primeiro-ministro Rabin, com quem tínhamos almoçado horas antes, foi assassinado. E fomos ambos representar Portugal no seu funeral.

Convivi depois bastante com Mário Soares. Prefaciou e apresentou um livro meu. Tive a sua solidariedade em horas difíceis. Integrei a "comissão de honra" da sua frustrada terceira candidatura à Presidência da República, em 2006, que achei inconveniente mas que entendi ter o dever moral de acompanhar. Andei com ele pelo mundo, de Oslo a Gaza, de Estrasburgo a Roma, de Londres ao Cairo, de Brasília a Paris. Tivemos muitas e longas horas de conversa - sobre pessoas, factos e ideias. Nem sempre concordei com Mário Soares, mas não me custa admitir que ele teve razão muitas mais vezes do que eu.

Gres

É uma estrutura, dirigida pelo professor Nelson Lourenço, que trabalha no âmbito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. O logo explica o essencial do que ela é.

Não somos muitos, mas julgo que somos suficientes para levar a cabo um trabalho a que, desde há alguns meses, lançámos mãos e em que temos perdido/ganho bastantes horas. Algo que pode ser relevante para o interesse nacional, única motivação que nos junta - académicos, militares, diplomatas e outras valências especializadas.

Quando houver mais novidades, direi.

quinta-feira, dezembro 15, 2016

Uma história com Mário Soares


Foi no Brasil. Mário Soares tinha sido convidado para fazer uma palestra, num determinado contexto. Quando fui buscá-lo ao aeroporto, e tendo-me ele perguntado o que é que eu pensava da entidade que o convidara, coloquei sobre ela algumas reticências e, com franqueza, disse-lhe que, se acaso me tivesse perguntado antecipadamente, eu tê-lo-ia aconselhado a não ter aceitado tê-la como anfitrião.

"Ó diabo! Se o meu amigo me diz isso, fico preocupado!". Disse-lhe que, agora, nada havia a fazer. Tinha de gerir-se, com cuidado, a sua participação no evento e procurar controlar o aproveitamento que pudesse vir a ser feito da sua presença, em especial evitar fotografias com algumas pessoas eventualmente pouco recomendáveis.

Contrariamente ao que era seu hábito - Mário Soares, quando viajava, não gostava de ficar em embaixadas -, tive o gosto de, nessa vez, poder alojá-lo na residência oficial portuguesa. Conversámos longamente pela noite dentro, como sempre fazíamos, comigo a beneficiar da sua prodigiosa memória e perspicácia analítica, das pessoas e dos factos.

No dia seguinte, acompanhei-o ao evento. À porta, a recebê-lo, estava uma delegação que, para minha surpresa, incluía um cidadão que se apresentou como português. Mário Soares deu mostras de o conhecer, mas pareceu-me também surpreendido com a sua presença. Eu é que não sabia quem ele era, embora a fisionomia me dissesse vagamente algo. A ocasião não se proporcionou para eu perguntar a Soares sobre a personagem, cujo nome, contudo, nada me dizia.

Acabado o evento, o tal português "colou-se" a nós. Ao perguntar-me onde Soares jantava nessa noite, respondi-lhe que seria na embaixada, com outras pessoas, e fiz uma leve menção de saber se ele estaria disponível para se nos juntar. Foi nessa altura que senti o meu casaco a ser puxado para baixo. Era Mário Soares, a dar-me um sinal, claramente para evitar que eu concluísse o convite ao homem. Rodeei o assunto e entrámos os dois no carro.

"Sabe quem é este tipo, não sabe?", perguntou-me Soares. Disse-lhe que o nome e a cara me não diziam nada. "Pois não! Ele cortou a barba e passou a utilizar outro nome!". Tratava-se de uma figura envolvida num escândalo de corrupção ou coisa similar,  com bastante exposição mediática em Portugal, que optara por ir viver para o Brasil. Embora sobre ele, como vim a saber depois, não impendessem aparentemente questões judiciais, poderia ser algo incómodo tê-lo num jantar na embaixada, onde eu iria nessa noite homenagear Soares. Este, prudente, fora mais "rápido" do que eu a reagir ao imprevisto...

quarta-feira, dezembro 14, 2016

Petróleo & etc


O governo cancelou duas concessões de prospeção e exploração costeira de petróleo, alegando razões diversas. Manteve outras duas, mas fica no ar a ideia de que não tem, pelo tema, um apreço por aí além.

Sem prejuízo da necessidade de se preservar uma forte exigência no tocante aos critérios ambientais, espero que o Estado assuma que, no tocante aos recursos necessários para sustentar, no futuro, a nossa dependência energética, vivemos numa permanente navegação à vista, pelo que nenhuma opção é de excluir, em definitivo. Repito, nenhuma.

É muito fácil e popular sustentar opções demagógicas neste domínio, baseadas no clássico "nimby" ("not in my backyard"). Mais difícil, contudo, é ter soluções realistas, suscetíveis de apoiarem o crescimento do país, produzindo riqueza e bem estar.

Mudar de vida ou a Economia portuguesa na Globalização (II)

O segundo artigo coletivo sob o tema em epígrafe, hoje publicado pelo "Jornal de Negócios", pode ser lido aqui.

terça-feira, dezembro 13, 2016

Ai a gravata!


Ontem. Jantar no Cimas/English Bar. Aniversário de uma amiga, entre amigos. Levo gravata? "Vais ver que os homens vão de gravata!" Fui ver. Todos os homens iam de gravata? Não. Eu não ia.

Hoje. Almoço no Pabe. De trabalho. De gravata, claro. Entrei. O meu elegante interlocutor estava sem gravata.

Já não percebo nada...

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...