terça-feira, junho 06, 2017

Desafios Estratégicos e de Segurança


Pelas 18.00 horas desta terça-feira, dia 6 de junho, na Universidade Autónoma de Lisboa, na rua de Santa Marta, 56, em Lisboa, terá lugar a 4ª Conferência sobre os Interesses de Portugal no Mundo.

Em anteriores sessões, tratámos dos Eixos da Política Externa Portuguesa, da Europa e da Lusofonia. Hoje, apresentarei Luís Amado, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, que vai falar-nos sobre os Desafios estratégicos e de Segurança com que Portugal se depara, perante uma Europa em crise de projeto, uma relação transatlântica a atravessar um tempo complexo, uma NATO sob tensão em matéria de confiança.

A entrada é livre e é muito bem vindo quem quiser ser nosso convidado, nesta iniciativa do jornal "Público" e da UAL.

Militares


Uma vez por ano, por vários dias e por várias horas, cabe-me dar "instrução" a quadros superiores das Forças Armadas portuguesas. Com a maior sinceridade, essa é uma tarefa que faço com imenso gosto, porquanto é sempre muito gratificante trabalhar com "alunos" que levam o seu curso muito a sério, que têm uma formação de base onde "encaixa" à perfeição aquilo que tenho para lhes transmitir, no tocante às questões da diplomacia e das relações externas. Inicio a minha colaboração nesse novo curso daqui a horas.

segunda-feira, junho 05, 2017

Consultoria


Achei graça ao exercício em que estive envolvido ao final da tarde ontem: falar aos quadros superiores portugueses de uma das maiores empresas do mundo de consultoria e auditoria. É uma experiência interessante ser, por umas horas, "consultor" de quem o é no dia a dia para as maiores empresas portuguesas ou para empresas estrangeiras que operam entre nós. Foi muito curioso procurar dissecar algumas realidades em moldes que pudessem ser úteis ao trabalho muito rigoroso desses profissionais, sobre cujos ombros - e das qualificadíssimas equipas que dirigem - pesa uma imensa responsabilidade na avaliação das "performances" de quantos operam, a nível elevado, nos escalões superiores do nosso tecido económico. Foram algumas horas bem interessantes de apresentação e debate sobre temáticas da vida económico-financeira internacional. (E, para mim, foi também uma novidade estar, desta vez "do lado de cá", a falar a entidades que, no dia a dia das várias empresas com as quais colaboro, encontro frequentemente em, nem sempre fáceis mas sempre inquisitivas, reuniões de exigente auditoria sobre as nossas contas...)

domingo, junho 04, 2017

Em Lisboa, pare, escute e olhe o ruído


Andava muito cansado e, enquanto esperava, na sala ao lado de uma oficina, que me arranjassem o carro, sentei-me numa cadeira e, por instantes, fechei os olhos. Foi então que o som, ao fundo, de uma chapa a ser batida, bem como impactos secos, provavelmente oriundos de um martelo de borrracha no realinhamento de uma direção, despertaram em mim uma súbita onda de prazer auditivo. Não tinha o ritmado do mimimalismo de Philip Glass que um dia me embalara no Barbican (levando-me a sair no intervalo, por queixas de ressonar), mas havia por ali algo que evocava no meu ouvido (talvez mesmo em melhor) uma sessão de música concreta polaca, no S. Luís, a que, só por vergonha, cerca de uma semana antes, resistira até ao fim. Terá sido nesse instante que, embora meio adormecido, acordei pela primeira vez para a fantástica identidade dos ruídos de Lisboa.

Os estímulos auditivos que não resultem de melopeias ou de sonoridades pré-cozinhadas são, de há muito, uma das mais inspiradoras fontes da minha reatividade. E Lisboa, com o alarido mediterrânico – que os nórdicos confundem, insensivelmente, com javardice e falta de respeito pelo sossego dos outros – é um raro oásis (longe ainda de Nápoles, claro) em matéria de impactos dessa natureza. O som “oficial” de Lisboa é, como todos sabemos, o fado, mas, mesmo num registo turístico clássico, o chiar dos elétricos na descida do Ferragial ou a buzina dos cacilheiros sob neblina, bem poderiam equivaler-se-lhe nessa dignidade identitária de cartaz. Antes, no tempo do SNI e do Ferro, era também o gritar esganiçado das varinas, tão incensado na fadunchada primária, que integrava esse património decibélico. Mas ele foi-se com o tempo e com o Pingo Doce.

Verdade seja que os ruídos humanos lisboetas são reportados desde as calendas. Fernão Lopes registou-os na sonoridade literária da sua Crónica, a Rattazzi tomava-os à conta de falhas na educação e nos costumes (preconceitos!), Eça ouviu-os pelos bilhares do Montanha. Até o canto de Fausto, no “Europa, Querida Europa”, fala dessa “algazarra nas ruas”, com um “suave cheiro a sardinhas”. O chavascal é parte da nossa matriz e Lisboa é o palco orgulhoso dessa peça de chinfrim.

Um amigo brasileiro, há dias, deixou-me sem palavras, num ambiente de infernal basqueiro e guinchos de máquinas, no longo concerto de barulheira operária concreta que o maestro Fernando Medina orquestrou, por meses, pela cidade, ao dizer-me: “Você sabe, Francisco, é adorável este vosso Chiado”. Como ele disse isso nas Avenidas Novas, em frente à Versailles, fiquei sem saber se havia de escrever Chiado com maiúscula ou não.

Mas tudo isto, meus amigos, será sempre apenas uma singela gota de água numa realidade hoje com uma riqueza quase inesgotável.

Todas as cidades, como sabemos, têm os seus sons. Questão diferente é selecionar aquelas raras urbes às quais uma forte presença auditiva confere um estatuto identitário próprio. À lembrança vem-me, de imediato, Nova Iorque, com aquela obsessiva e permanente confusão de sirenes de ambulâncias e carros de bombeiros, que alguém um dia chegou a pensar que eram pagos pelo serviço de Turismo da cidade, para lhe sustentarem, no imaginário dos viajantes e cinéfilos, essa típica marca sonora. Mas Lisboa, passe a imodéstia, não fica nada atrás de Manhattan.

O meu interesse por este tema, embora por muito tempo de forma pouco consciente, vem já de muito longe. O ruído lisboeta é, em mim, um eterno fator mobilizador, que me induz a certas atitudes, embora algumas, se acaso levadas até às últimas consequências, eu não garanta que evoluíssem sempre num registo de serena urbanidade.

Recordo-me de, quando vivia perto do Campo Pequeno, em noites de fim-de-semana, ter sido o roncar dos escapes dos motards que, por exemplo, suscitou em mim uma inesperada vocação cinegética. Só não comprei a caçadeira por falta de espaço lá em casa para a guardar.

Nos dias de hoje, na rua da Lapa onde vivo, a desportiva tendência dos carros para aí testarem os limites urbanos de velocidade, traz-me, por vezes, o impulso de complementar a minha reforma com uma atividade de bricolage, onde o uso de pregos e taxas é, como é sabido, imperativo.

E, não raramente, a saborosa diversidade dos claxons, saídos dos SUV a fingir que por aí abundam, guiados por graves metrossexuais de barba, travados no caminho para as start-ups, desperta em mim, nesse tráfico congestionado (e Lisboa tem evoluído para grandes confusões de trânsito, garantindo-se assim já ao nível das grandes cidades) saborosas memórias da sétima arte: mais precisamente uma nostalgia pelos gadgets que Q colocava no Aston Martin de James Bond, capazes de disparar rajadas em várias direções.

Mas aprendi que o ruído lisboeta, paradoxalmente, também convida à reflexão. Recordo-me de jantares em casa de um amigo que vivia no topo de um prédio sobre o qual passavam, na aproximação à aterragem, os aviões. Havia pausas de largos segundos nesses momentos de convívio, tipo “un ange qui passe”, que permitiam instantes valiosos de meditação ou, em alternativa, de concentração em mais umas garfadas.

É, contudo, o ruído humano lisboeta, em todo o esplendor da sua criatividade, que estimula em mim os mais inesperados sentimentos, mesmo que, por vezes, ele tenda a atenuar os efeitos dos hipertensores que tomo.

Quase sem igual no mundo, são os berros das adoráveis criancinhas nos restaurantes onde escolhemos ir ter uma conversa serena. Lisboa tem, nesse domínio, uma magnífica cultura liberal – e ainda há quem se queixe de sermos uma sociedade iliberal! – permitindo, desde a tenra idade, a vocalização do protesto ou da alegria. É uma espécie de aplicação do 25 de abril às creches, socializando a criança ao usufruto do seu inalienável direito à indignação ou à berraria em voz bem alta. Mas, entre nós, o que é mais notável é que os pais cuidam em não guardar essa expressão sonora dos rebentos para o recato egoísta da família, antes a partilham, com imensa generosidade, com a vizinhança, que assim pode apreciar a encantadora espontaneidade infantil. O facto de alguns circunstantes se sentirem tentados a (e cito o que, infelizmente, já ouvi) a “dar um par de bofardos no puto”, também deve ser levado à conta do inestimável efeito de impulso interventivo que é desejável poder suscitar na em nosso redor. A sociedade ou é interativa ou ficamos todos silenciosos de olhos nos iPads e iPhones. Não é disso de que todos se queixam?

A contemporaneidade, contudo, tem sabido trazer, neste domínio, uma generosa oferta sonora, mais high-tech. O telemóvel é hoje um imprescindível instrumento da nossa transparência urbana. O lisboeta típico, como os estrangeiros estasiados se fartam de constatar, dá-nos regularmente o gosto de partilhar connosco, em lugares públicos, diálogos da sua vida pessoal, como informações muito francas, por exemplo, sobre os seus padecimentos de saúde ou as crises existenciais dos conhecidos. Esperimente o leitor ir ler para um lugar público e, ao final de uns minutos, concluirá que lhe são oferecidas pausas divertidas que, tirando-lhe embora o fio à meada àquilo em que estava concentrado, o fará entrar num mundo novo de revelações alheias – excelentes para quem gosta de exercitar sociologia de pacotilha no Facebook.

Outros ainda capricham, nos cruzamentos ou nas filas, em nos fazer ouvir os ritmos “metal” que saem do altifalantes dos seus carros, num volume tão elevado que, às vezes, os incapacita de tomar nota de alguns alguns adjetivos qualificativos com que, muitas vezes sem uma explícita simpatia no nosso rosto, lhes retorquimos essa não solicitada partilha.

Mas os estrangeiros visitantes, ao que me chega, já também cuidam, cada vez mais, de participar no cuidado desse património de sonoridades atípicas. Ao que parece, pelas noites animadas dos hostels, ou em partilhas de Airbnb, surgem cada vez mais interações sonoras entre andares, as quais, com o tempo, acabarão pela certa nas páginas do Correio da Manhã ou nos apanhados noticiosos das urgências.

Esta Bica, que nasceu com uma explícita vocação de servir de guia a uma nova leitura de Lisboa, rompendo com estereótipos e tentando descortinar espaços inéditos de interesse para visitantes em busca de novos nichos de curiosidade, tem aqui um papel indispensável. Dar a conhecer a riqueza dos ruídos da cidade, chamar a atenção para essa Lisboa dos sons pretensamente não harmónicos, indicar mesmo oportunidades de criatividade ativa nessa área para quem nos visita, é levar à prática um imenso dever cívico.

Não deixemos silenciar esse inestimável património decibélico (por onde anda a Unesco, que não viu ainda isto?) que é o ruído urbano lisboeta, não façamos orelhas moucas à necessidade de cultivar essa riqueza e, acima de tudo, não calemos a nossa voz perante a óbvia conspiração que se está a fazer contra o chavascal popular, contra a (tão típica) conversa aos berros em voz alta pela rua, contra a espontaneidade das mães chamando crianças à distância, nos lugares públicos e outras amenidades correlativas. Cuidemos do que é nosso, povo de Lisboa!

Há alguma coisa melhor que isto? Pode haver, mas por cá ainda não se sabe.

(Artigo publicado no nº 1 da revista "Bica")

sábado, junho 03, 2017

Ronaldo

Há algum oportunismo no nosso gozo com os êxitos de Ronaldo. Estava num restaurante com vários ecrans durante os 4-1 dado pelo Real Madrid à Juventus. Todos exultámos com os golos de Ronaldo e com a vitória "merengue". "Nós" tínhamos ganho! E se fosse o contrário? Se o Real Madrid tivesse perdido? Ficaríamos tão tristes como ficámos agora contentes? Claro que não! Se o Real tivesse perdido, a derrota era deles, ser-nos-ia relativamte indiferente. Mas como ganharam, com Ronaldo, a vitória também é nossa.

sexta-feira, junho 02, 2017

Todos os anos, pela Primavera


Todos os anos, pela Primavera - como dizia a peça de teatro Sttau Monteiro - reúne o clube de Bilderberg. E, todos os anos, algum mundo mediático agita-se em torno desse misterioso grupo, a quem são atribuídos poderes à escala global. Sem Bilderberg, o laborioso setor das "teorias da conspiração" (que tem na imagem uma ilustração perfeita) perderia uma adubagem poderosa.

Para alguns, com a legitimidade que cada um tem de pensar o que muito bem entende, Bilderberg representa uma espécie de clube de interesses, à escala global, que procura garantir, por discreta cooptação, que aqueles que revelaram a adesão a um conjunto básico de princípios, podem ser ajudados a assumir funções e, eventualmente, a atuarem em consonância com os objetivos que o grupo se propõe defender. A triagem desses eleitos é feita, em cada país, por alguém em quem o grupo delega a responsabilidade da seleção, na certeza que tem de que os seus critérios essenciais são sempre preservados.

No nosso caso, Francisco Pinto Balsemão representou o papel de « pivot » português de Bilderberg e, nessa função, ao longo dos anos, foi convidando a estarem presentes nas reuniões anuais figuras que tinham já algum passado que parecia indiciar um futuro promissor.

Escrevi, há meses, um texto para a apresentação de um livro de Frederico Duarte de Carvalho sobre este assunto. Dado que o tema, como é da inescapável sua natureza sazonal, voltou "à baila", respigo algo que então escrevi e que, claro, reitero:

"Quase cinco décadas a observar o mundo e as suas instituições levaram-me a alimentar algum ceticismo sobre a capacidade de certos interesses conseguirem mobilizar, como se de uma religião se tratasse, prosélitos que, no nosso caso, vão da ala esquerda dos socialistas a conservadores radicais. Bilderberg, como a Trilateral e outras estruturas desta natureza (porque há algumas outras), o que é que são, na minha visão pessoal?

São foruns onde vigora uma espécie de «template» comum : defesa acérrima da economia de mercado, recusa de receitas económicas estatizantes, sob o cultivo de um pensamento semore muito liberal - na leitura europeia de liberal, não na americana, claro. Durante a Guerra Fria, a profunda rejeição do comunismo e de tudo quanto o pudesse favorecer levou, muitas vezes, à transigência cínica com alguns autoritarismos conservadores. Bilderberg para mim foi e é isso – e não muito mais.

Nas suas reuniões, são ouvidas opiniões informadas, gente intelectualmente quase sempre muito bem preparada, às vezes algumas vozes fora do «mainstream» do clube. Isso permite uma oportunidade única de ter uma imersão total, em escassas horas, num manancial de ideias que, nem por serem direcionadas, deixam de ter grande interesse.

E há um outro aspeto em que Bilderberg tem importância: no «networking», nas redes de contactos e conhecimentos que se estabelecem e promovem nesses encontros. Um bom contacto leva a uma outra conversa futura, às vezes a um negócio, seguramente a uma atualização da agenda telefónica ou de emails."

Nesse texto, expliquei também que divergia do autor referido, quanto à ideia de que Bilderberg promove pessoas para chegarem a certos postos. E acrescentava:

"Eu acho, bem ao contrário, que essas pessoas são escolhidas para irem a Bilderberg porque, na perspetiva de quem as selecionou, eram gente com futuro.

No caso português acho que Pinto Balsemão fez o óbvio : escolheu aqueles que via como «high flyers», enganou-se algumas vezes mas, no essencial, acertou. Porquê ? Porque o nosso «baralho» é pequeno e, por cá, quem tem um olho é rei..."

Escrevo este texto apenas com uma mágoa. É que, ao fazê-lo, sei que estou a alimentar a discussão sobre o assunto, a suscitar novos comentários na escola do "não é por acaso que..." e nada disso tem o menor sentido.

Uma nota final: Francisco Pinto Balsemão deixou de ser o "selecionador" português e escolheu Durão Barroso para lhe suceder.

Global challenges


Estão abertas as inscrições para a 3a. edição do "Global Challenges", o curso organizado pelo ISCTE, ministrado em inglês, a ter lugar de 25 a 29 de setembro de 2017.

Tal como nas edições anteriores, farei parte dos docentes deste curso, desta vez num painel com Marina Costa Lobo e Jaime Nogueira Pinto.

Pereira Gomes


Há dias escrevi isto por aqui:

"Para a coordenação dos serviços de informação acaba de ser nomeado o embaixador José Júlio Pereira Gomes, uma excelente escolha do governo, avalizada pela oposição. Trata-se de um qualificadíssimo diplomata, do melhor que existe nas Necessidades, sereno, culto, com imensa experiência em matérias de Estado."

Não retiro uma linha ao que escrevi, mesmo depois da polémica suscitada nas últimas horas em alguns setores para-políticos e de imprensa. É tudo - mas tudo, porque não alimento demagogias! - o que se me oferece dizer. Conheço o suficiente da questão para poder ter a consciente serenidade de manter esta posição.

Desafios estratégicos e de Segurança


Luís Amado foi ministro dos Negócios Estrangeiros e ministro da Defesa, durante vários anos. É uma personalidade com vasta e rica experiência no setor, que sempre demonstrou um raro poder de conceptualização sobre as grandes questões internacionais e a inserção de Portugal no mundo. É hoje consultor e docente em Sciences-Po, em Paris.

No âmbito das conferências que a Universidade Autónoma de Lisboa e o jornal "Público" estão a promover, e que me coube organizar, dedicadas aos Interesses de Portugal no Mundo, decidi convidar Luis Amado para nos falar sobre os Desafios estratégicos e de Segurança com que Portugal se defronta, no mundo complexo dos nossos dias. 

A conferência tem lugar no próximo dia 6, terça-feira, pelas 18.00 horas, na UAL, rua de Santa Marta, 56, em Lisboa.

Angelismo

Na língua portuguesa, a expressão é raramente utilizada. Angelismo é uma atitude de inocência ou credulidade, que descarta, ingenuamente, motivações mais interesseiras. Ao atentar na onda de loas com que foram recebidas as últimas declarações de Ângela Merkel sobre a Europa, claramente sugerindo a Alemanha como impulsionador de um processo de autonomização em matéria de defesa e segurança, perguntei-me se não estaríamos a embarcar num novo «angelismo», desta vez com etimologia derivada de Ângela e já não de anjos. Mas, no segundo seguinte, também me interroguei sobre que outras alternativas estão disponíveis no mercado de alianças.

Donald Trump, na brutalidade de muitas das suas posturas, tem a curiosa vantagem de tornar as coisas muito simples, por mais complexas que elas sejam. A nova América projeta uma agenda de afirmação nacional de interesses com imensa transparência, descurando deliberadamente a retórica acomodatícia de que, por muitos anos, se alimentou o «politicamente correto» das relações internacionais. Trump diz ao que vem: o relacionamento externo da «sua» América far-se-á exclusivamente nos termos que melhor corresponderem aos seus objetivos nacionais. E di-lo «alto e bom som», para óbvios efeitos internos, com isso reduzindo muitas das hipóteses de recuo ou compromisso.

Angela Merkel e os aliados europeus da América tiveram o privilégio de ouvir, sem ambiguidades, as novas regras do jogo, que vão do comércio internacional, passando pelas regras ambientais, chegando à segurança e defesa. E a Alemanha, que sempre me pareceu ser o país europeu que mais cedo percebeu o que Trump podia vir a representar, não tardou a tirar uma conclusão simples: agora, pela primeira vez desde há décadas, a Europa só pode contar consigo própria. 

Esta constatação acarreta, contudo, alguns problemas. 

Desde logo, de que Europa falamos, se dos bálticos e da Polónia que vivem ainda na situação pós-traumática de uma Guerra Fria que acham reiniciada, ou de quantos, ainda que sob uma aparente firmeza conjuntural face ao autoritarismo arrogante de Moscovo, estão mais do que desejosos de encontrar mecanismos de acomodação com a Rússia? A começar, sejamos claros, pela própria Alemanha e pela França, porque as fanfarronices de Macron face a Putin devem ser lidas à luz da necessidade de dar-se ares de «duro», num contraste fácil com Hollande, até às eleições legislativas.

Uma segunda questão prende-se com o facto de Trump não ter confirmado explicitamente a garantia última de defesa coletiva decorrente do artigo 5° do Tratado de Washington. Não o fez por acaso e isso não passou despercebido. Num mero contrato, pode-se funcionar numa base de boa fé. Numa aliança, que é feita de princípios, valores e objetivos comuns, é a confiança que prevalece. E, quando ela deixa de existir, é a desconfiança que emerge. E uma forte desconfiança projeta-se inevitavelmente sobre a eficácia, nos dias que correm, do compromisso transatlântico. Dir-se-á que Trump marcou, na palavras, a sua distância face a Moscovo e esse é o cimento essencial de aliança que sempre federou a NATO. Mas também há quem se não esqueça que o mesmo Trump, meses atrás, tecia loas a Putin e hoje parece recuar nessa estranha deriva apenas pelas trapalhadas a que esse caminho o conduziu.

Mas há um terceiro problema que, neste estado de orfandade europeia da afetividade do outro lado do Atlântico, está a emergir. Trata-se do lugar futuro da Alemanha no quadro dos poderes europeus. 

Por essa Europa fora, a perspetiva de um papel central da Alemanha numa Europa de segurança e defesa é uma ideia pouco consensual. Claro que, a seu lado, descontado o Reino Unido no pós-Brexit, estará a França – com umas forças armadas poderosas, com capacidade de projeção de forças, um poder nuclear, um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Mas a Alemanha, para muitos (sejamos claros, também para si própria) continua a ser um fantasma histórico. Ver a Alemanha a rearmar-se não é uma ideia sossegante para muitos, embora talvez se trate já de um preconceitos sem sentido. Mas um novo «angelismo» não parece fácil de adotar numa Europa onde o passado está sempre à espreita.

Relações internacionais


A foice, o martelo e eu


Há dias, a pretexto de uma crítica que fiz às ideias políticas de Miguel Urbano Rodrigues, numa nota respeitosa que escrevi por ocasião da sua morte, fui, nas redes sociais, zurzido de “anti-comunismo”. Só faltou acrescentarem “primário”...

A acusação de “anti-comunismo” está ligada, entre nós, a um certo período histórico. “Anti-comunistas” eram quantos, no pós-25 de abril, diabolizavam o PCP (apenas a este partido isto era aplicável), negando, implícita ou explicitamente, a sua legitimidade para integrar o espaço democrático. Para alguma esquerda, ser “anti-comunista” era, ao tempo, quase sinónimo de “fascista”, de defensor da ordem ditatorial anterior, que tinha no PCP como inimigo jurado.

Reconheço alguma razão nesse reflexo porque, já depois do 25 de abril, ainda houve gente que sonhou ilegalizar o PCP – e nunca poderemos agradecer suficientemente a coragem tida por um homem como Ernesto Melo Antunes, ao impor a recusa política dessa sinistra ideia, na sequência do 25 de novembro.

Porém, uma coisa é ser “anti-comunista”, nesse preciso registo, outra bem diferente é ter o direito a expressar, sem risco de insulto, uma discordância com a agenda política hoje titulada pelo PCP. No meu caso, combato muito daquilo que o PCP defende, acho obsoleto e retrógrado muito da sua agenda política, mas não admito que, por essa razão, alguém me qualifique de “anti-comunista”.

Faço parte de uma geração política que foi educada no respeito pelo “Partido”, na admiração pela bela história de luta dos comunistas portugueses, principais vítimas da repressão da ditadura, tempos em que com eles me senti bem solidário, a quem agradeço os sacrifícios que fizeram e que muito contribuíram para a nossa liberdade.

É claro que algum PCP teve tentações autoritárias no período do PREC, mas muitos de nós, por essa altura, também embarcámos em aventureirismos que, fazendo parte indissociável do nosso passado, fazem igualmente parte daquilo que foi a nossa aprendizagem política: a ideia de que não há nada mais parecido com uma ditadura de direita do que uma ditadura dita de esquerda. E não me obriguem a dar exemplos.

Lembrei-me de tudo isso, há dias, quando, com o presidente da República, mas também com o secretário-geral do PCP, participei numa justíssima homenagem a Mário Castrim, militante comunista. Durante essas horas, não me dei conta de que alguma distância, no plano das ideias políticas, me impedisse de apreciar o jornalista e o escritor que nos ajudou, com arte e ironia, a atravessar o "ar irrespirável” da ditadura. Alguém que, para retomar o belo poema de Manuel Gusmão (também ele comunista), citado na ocasião pelo ministro da Cultura, nos ajudou a encontrar,"contra todas as evidências em contrário, a alegria”.

quinta-feira, junho 01, 2017

À distância

Há minutos, fui convidado para fazer uma palestra: algures em novembro "próximo". É muito bom ver as coisas planeadas com tempo, embora também devamos pensar que, daqui até lá, pode sempre haver circunstâncias supervenientes que venham a arruinar estes cuidadosos agendamentos.

Há uns anos, numa rua de Paris, estava afixado um cartaz para um concerto de Tony Bennett, o clássico "crooner" americano. Fiquei surpreendido, desde logo porque pensava que ele já tinha morrido, mas também, mesmo que fosse vivo, que ainda fizesse espetáculos.

Fiz um comentário à frente, creio, do meu amigo João Durão, que estava por lá de passagem e que me disse: "Eu estou surpreendido é com o otimismo do homem". Julguei que fosse o eterno "sorriso pepsodent" de Bennet que justificasse a frase. Mas o João logo acrescentou: "É que estamos em maio e ele ainda se atreve, com aquela idade, a marcar um espetáculo lá para o fim de novembro..."

€ 7,50


Foi há dias. Uma folga. Coisa rara, nesta vida de aposentado. (Ao menos, quando era funcionário público, tinha um horário!) Por lapso, tinha anotado mal uma aula. Agora, tinha à minha frente duas horas para preencher.

Comecei a andar pela rua, havia um alfarrabista e, claro!, entrei.

O livro tinha sido editado em 2007. Dez anos, é muito tempo, como cantava o outro. Onde é que eu estava em 2007? No Brasil. Nunca vira aquele livro e considero-me um bem sucedido bisbilhoteiro de estantes e mesas de livrarias. A capa era dura. Já custara €30 (!), depois €20, agora estava €7,50. Comprei.

Vi uma esplanada minúscula, numa leitaria manhosa. Pedi um sumo de laranja, depois uma bica. E ainda um bolo de arroz. E um novo sumo. Fiquei por ali, quase as duas horas, a tal folga, a folhear o livro, a ler alguns textos soltos. Porque o livro era para ser digerido assim.

E deliciei-me. Que bom que é poder ler - em português culto, limpo e enxuto - histórias de mundos que passaram ao nosso lado, alguns que cruzámos em Lisboa e noutros lugares, onde se fala, de forma aberta, franca, de pessoas, de factos, de ideias, de tudo. E esse tudo sob um olhar inteligente, atento, interessado e interessante. Um olhar refletido em papel, em artigos, agora juntos, numa unidade com certeza nunca imaginada aquando da escrita.

Paguei provavelmente mais pelo que comi e bebi, cujo sabor já esqueci, do que os €7,50 que dei por um livro que, afinal, vale agora (para mim) bem mais dos que os €30 iniciais capa. E não só porque me encheu, com inesperado gosto, a folga. Também porque, desde então, o reabro quase todos os dias, "ao calhas", como dizíamos em miúdos. Sempre com novas surpresas, nas mais de 500 páginas.

Se querem saber, não havia lá no alfarrabista mais nenhum exemplar do "Século passado", de Jorge Silva Melo, editado pela Cotovia (que o tinha mandado saldar pela Promobooks a €7,50). Assim, a partir de amanhã, na Feira do Livro, passem pelo stand da editora e peçam o vosso exemplar a €7,50. Se eles resistirem, digam que vão da minha parte. Pode ser que eles se comovam.

(Em tempo: pessoa atenta a estas coisas disse-me que este último comentário sobre a editora terá sido excessivo. É que passado que seja um período razoável na comercialização de um livro, não há outra solução que não seja saldar os exemplares não vendidos. Foi o que fez a "Cotovia", é o que fazem, ao que parece, todas as editoras. O meu "mea culpa" perante a "Cotovia". Até porque, tal como escreveu Harper Lee, o meu desejo é que "Não matem a cotovia").

quarta-feira, maio 31, 2017

Pesca à linha

Diverte-me imenso o oportunismo de certa esquerda, alguma que tem tanto de crente como eu tenho de maçon, que passa agora o tempo a "pescar" frases do papa Francisco, que, de quando em quando, lhe "dão jeito", como se ele fosse uma espécie de guru esquerdalho. 

Verdade seja que fazem exatamente a mesma figura que alguma direita fazia quando cavalgava, com simétrico oportunismo, o hiper-conservadorismo (ia escrever reacionarismo, mas opto por deixar entre parêntesis) desse Ronald Reagan religioso que se chamou João Paulo II.

Esta adaptabilidade multi-usos dos chefes da igreja católica ajudará a explicar a sua sobrevivência? 

Posso imaginar que me venham dizer que isto é "areia demasiada" para quem é ateu.

terça-feira, maio 30, 2017

A vontade de Merkel

Não pode deixar de saudar-se a vontade manifestada por Ângela Merkel de dar corpo a uma maior expressão autónoma europeia em matéria de segurança e defesa.

A perspetiva do Brexit, somada às "lessons learned" dos seus traumáticos encontros com Trump, tê-la-ão convertido a uma doutrina em que, no passado, o empenhamento alemão foi sempre muito discutível e, em especial, demasiado limitado na prática para a importância do país.

Vamos agora esperar para ver se, àquelas palavras, vão corresponder atos concretos. 

Desde logo, o urgente reequipamento das forças armadas alemãs, das quais há sinais preocupantes em matéria de estado de prontidão.

Mas, essencialmente, interessará testar este voluntarismo retórico nas futuras ações de estabilização político-militar, tuteladas por mandatos internacionais, em que a Berlim for pedida uma contribuição à altura da importância dos outros interesses que a Europa projeta em seu nome.

Esperemos que Angela Merkel não venha a revelar-se como aquele capelão militar do RI 13, lá de Vila Real, que, um dia, à partida de tropas para a guerra colonial em África, teve esta "infamouse" tirada: "Rapazes! Preparemo-nos para a guerra! Ide!"

Nuno


O Nuno Brederode Santos partiu há um mês. Ontem, com a Céu, alguns daqueles que ele classificaria como "o ventre mole do núcleo duro" dos seus amigos lembrámo-lo, da forma e no local em que achámos que ele gostaria de ser lembrado. Deixo esta sua bela fotografia e as palavras de Lincoln: "It has been my experience that folks who have no vices have very few virtues".

segunda-feira, maio 29, 2017

Notícias raianas


António Costa e Mariano Rajoy encontram-se hoje, em Vila Real, numa cimeira entre governantes de Portugal e de Espanha. Não qualifico de "ibérico" este encontro peninsular por (boas) razões que quatro décadas de Necessidades me ajudaram a cultivar (e que não são para aqui chamadas).

(O encontro tem lugar na minha terra, em Vila Real, uma cidade pouco dada às luzes da ribalta mas que uma gestão camarária recente muito inteligente tem vindo a recolocar no mapa.)

Há uma semana, também em Vila Real, os presidentes dos parlamentos dos dois países, acompanhados de deputados de todos os principais partidos, debateram já alguns temas de interesse comum. Tive o gosto de ser convidado para fazer, na abertura desse encontro, uma intervenção em que elenquei os grandes desafios europeus que os dois países devem enfrentrar na Europa que aí vem.

Notei, nessa ocasião, que as "sintonias" político-partidárias entre Lisboa e Madrid raramente foram o terreno necessário para um entendimento frutuoso. Cavaco Silva e Felipe Gonzalez ou António Guterres e José Maria Aznar foram a prova provada disso, com o contraponto do "tandem" menos bem sucedido entre José Maria Zapatero e José Sócrates. Esperemos que Costa e Rajoy confirmem a "regra".

O grande tema da Cimeira de hoje é a cooperação transfronteiriça. Há mais de 40 anos (acho que já referi isto por aqui, pelo que peço perdão por eventual repetição), dois jornalistas espanhóis escreveram um livro (não sei se editado por cá) intitulado "La  Raya de Portugal, la frontera del subdesarollo", que evidenciava que a pobreza e o subdesenvolvimento rimavam com a proximidade a Portugal. Anos antes, um grande jornalista português, Manuel da Silva Costa, escrevia o "Portugal país macrocéfalo", um retrato trágico de como então (e não havia o Pordata) o país era Lisboa e "o resto" era "paisagem".

As coisas mudaram muito. Em Espanha, seguramente para melhor, com um excelente "aménagement du territoire" (expressão francesa para a qual "ordenamento" me não satisfaz), que não atenuou pr completo algumas debilidades. Por cá, embora com variantes de acordo com a região, o despovoamento, a desertificação e a pobreza "qualitativa" acabam por marcar a esmagadora realidade da nossa zona raiana.

Por essa razão, ter a cooperação transfronteiriça no topo da agenda da cimeira é um ato de inteligência e bom-senso. E tentar encontrar maneira de ancorar essas zonas a apoios europeus é excelente.

Queria apenas fazer um alerta, a propósito de uma realidade que, no entanto, e no essencial, não se alterou nas últimas décadas. As realidades institucionais que, de ambos os lados da fronteira, enquadram os modelos transfronteiriços são muito assimétricas: de um lado estão Autonomias, democraticamente fortes, com estruturas poderosas e testadas. Do lado de cá, à falta de regionalização (e pouco importa aqui se ela seria desejável ou não), temos apenas CCDR e municípios, associados ou não. 

Torna-se assim muito importante para Portugal garantir que essa assimetria se não converte num fator de fragilização da posição das entidades nacionais, quando chegar a hora da gestão da soluções comuns e do desenho e colocação no terreno dos mecanismos para dar expressão prática à cooperação transfronteiriça. É essencial que o peso específico de um dos lados não prevaleça sobre o outro em moldes que possam configurar uma qualquer hierarquia de interesses. E mais não digo, porque as entidades a quem esta mensagem se destina sabem bem do que estou a falar.

A Lusofonia e os interesses externos de Portugal


O embaixador António Monteiro, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, é seguramente uma das figuras diplomáticas portuguesas que melhor conhece África.
Nascido ele próprio em Angola, teve como um dos seus primeiros postos profissionais Kinshasa. Mais tarde, noutras funções, viajou amplamente pelo continente, vindo a ser figura central na negociação dos Acordos de Bicesse. Chefiou depois, em Luanda, a Comissão Conjunta Político-Militar para a implementação do acordo. Como Diretor-geral Político-Económico do MNE, deve-se-lhe o "desenho" da CPLP, que ajudou a construir. Embaixador na ONU e em Paris (curiosamente, vim a suceder-lhe em ambos os postos), continua hoje a seguir com atenção o mundo da lusofonia, a que está ligado em termos profissionais.
É uma reflexão aberta sobre os interesses que compete a Portugal defender nesse âmbito que António Monteiro irá fazer, a meu convite, em mais uma sessão das conferências sobre "Os interesses de Portugal no mundo", semanalmente organizadas pela Universidade Autónoma de Lisboa, numa parceria com o jornal "Público".
A conferência do embaixador António Monteiro terá lugar na 3ª feira, dia 30 de maio, pelas 18.00 horas, na Universidade Autónoma de Lisboa, Rua de Santa Marta, nº 56, em Lisboa.
A entrada é livre, até ao limite de disponibilidade da sala.

domingo, maio 28, 2017

Miguel Urbano Rodrigues


Ouvi falar dele, creio que pela primeira vez, ao meu primo, Carlos Eurico da Costa. Ambos tinham trabalhado nessa efémera experiência que foi o "Diário Ilustrado".

Miguel Urbano Rodrigues cedo se exilou no Brasil, deixando muito bom nome como jornalista no Estadão, onde chegou a editorialista. Escrevia muito bem, textos cultos, onde espelhava uma vida com muitas experiências e ricos encontros. Tudo isso, contudo, era limitado por uma cegueira (outros terão um vocábulo mais amável) política que lhe coartava a evidente genialidade da pena. 

Militante do PCP, viria, já bem depois do 25 de abril, a dirigir "O Diário", uma espécie de MDP-CDE impresso (só alguns entenderão o paralelo), uma publicação que (passe a blague) era a verdade a que os comunistas tinham direito. 

"O Diário" foi um jornal curioso: reunia um conjunto de excelentes profissionais (entre outros), mas produzia um jornalismo que, na sua globalidade, tinha uma qualidade que deixava muito a desejar. Contudo, à distância, creio ser justo dizer que foi melhor do que a imagem que dele guardou a história do nosso jornalismo.

Com Franco Nogueira, Miguel Urbano Rodrigues fez depois por vezes um dueto caricatural esquerda-direita, uma fórmula que um espertalhote qualquer inventou na RTP. A esmagadora maioria da esquerda não se revia naturalmente no sectarismo semanalmente afirmado por Miguel Urbano Rodrigues e a direita, então comodamente instalada no poder cavaquista, fingia quase "ser de centro", em face do tremendismo estado-novista tardio de Franco Nogueira. A perfídia, em "jornalismo", tem destas coisas. 

Miguel Urbano Rodrigues andou depois pelo mundo, creio que viveu em Cuba e no Brasil. Nunca o encontrei, nunca falei com ele. Mas li muito do que escreveu. Prejetava a imagem de alguém que havia perdido (e era inconsolavelmente saudoso de) um mundo político em que sinceramente acreditou - o que é muito respeitável, mas apenas quando isso é inócuo para a liberdade dos outros. No que me toca, nesta que é a hora da sua morte, e tendo em comum com ele uma rejeição de um certo passado, sinto-me suficientemente à vontade para afirmar que há muito que não tínhamos os mesmos amanhãs como objetivo - se é que alguma vez isso verdadeiramente aconteceu.

Parabéns, concidadãos !