sexta-feira, novembro 10, 2017

No tempo


Às vezes, olhando imagens de vedetas do cinema de outros tempos, dou comigo a pensar como o conceito de beleza feminina mudou com os anos. Vou mais longe: raramente vislumbro figuras dessa época que possam rivalizar com a beleza de algumas atrizes contemporâneas, naturalmente à luz dos padrões estéticos que hoje seguimos. Por essa razão me parece tão excecional esta fotografia que hoje encontrei, de Hedy Lamarr, uma vedeta dos anos 30, com uma imagem que não podia ser mais atual. Não acham?

CPLP

No dia 29 de novembro, pelas 17 horas, na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão, 100, no âmbito de um ciclo de palestras, irei falar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e dos principais problemas que, a meu ver, marcaram o desenvolvimento desta organização, nos mais de vinte anos que decorreram desde a sua criação.

Diplomacia e política


Aquando do recente falecimento do embaixador João Hall Themido, alguém se interrogava como fora possível ele ser o representante diplomático português em Washington, entre 1971 e 1981, com a Revolução de permeio - sucessivamente representando a ditadura, o pós-25 de abril e a democracia, com primeiros-ministros tão contrastantes como Marcelo Caetano ou Vasco Gonçalves. Percebo a perplexidade, mas ela não tem razão de ser.

Historicamente, a representação de um Estado perante outro começou por ser assegurada por delegados pessoais dos soberanos junto dos seus homólogos. Com o decurso do tempo, todos os países foram criando um corpo profissional de especialistas para acompanhar funcionalmente as suas relações externas – a chamada carreira diplomática. Nos dias de hoje, entre nós, o acesso a esta carreira passa pelo mais exigente concurso em toda a nossa Administração Pública.

Isso não impede alguns países de continuarem a utilizar para tal como figuras oriundas de fora desse corpo profissional – os “embaixadores políticos”. Isso acontece, mais vulgarmente, no caso de ditaduras e de regimes autoritários ou presidencialistas.

Entre nós, o Estado Novo começou por ter apenas “embaixadores políticos”, tal como já acontecera com a I República e o regime monárquico, mas, atendendo ao aumento das missões diplomáticas, foi aderindo à prática de nomear para a chefia de algumas dessas missões funcionários da carreira diplomática, que entretanto se foi estruturando. A ela pertencia Hall Themido.

Mário Soares confessava ter chegado ao palácio das Necessidades, após o 25 de abril, com fortes interrogações sobre a carreira diplomática que, antes da Revolução, tinha defendido externamente as políticas do regime derrubado, nomeadamente a política colonial. Mas rapidamente se terá apercebido de que, com muito escassas exceções, o corpo de funcionários que o MNE punha à disposição do novo regime era constituído por dedicados servidores públicos, com grande sentido patriótico e lealdade funcional ao Estado. 

A democracia e a estabilidade da sua representação externa muito ganharam com a continuidade que Soares então preconizou e veio a prevalecer. Isso não impediu que, em ciclos políticos diferentes, o novo regime não tenha sido tentado a nomear quase uma trintena de “embaixadores políticos”. Desde 2011, não há nenhum chefe de missão exterior à carreira diplomática portuguesa, mas sinto que a tentação poderá não ter desaparecido por completo nas nossas hostes político-partidárias, da esquerda à direita. Espero que a maturidade da democracia portuguesa seja suficiente para, no futuro, ser capaz de resistir às tentações e que o chefe do Estado disso seja um guardião atento.

quinta-feira, novembro 09, 2017

Comentário internacional

É notória a magnífica qualidade do comentário internacional que, nos dias de hoje, os especialistas oriundos das universidades portuguesas espalham pelas nossas televisões - por todas elas. 

Gente em geral jovem, muito bem preparada e conhecedora, equilibrada no comentário e fugindo ao impressionismo do velho jornalismo internacional português, que se habituou a “tomar partido”, não percebendo quanto assim se descredibiliza. 

Mas, atenção!, continua a haver excelentes jornalistas na área internacional da nossa comunicação social, que sabem apresentar com rigor as razões de cada lado, não caindo no facilitismo medíocre de “decretar” quem tem razão. Com o tempo, estou certo que o joio acabará expulso pelo trigo.

quarta-feira, novembro 08, 2017

Portugal na UNESCO



É uma magnífica notícia, que honra a diplomacia portuguesa, a nossa eleição para o Conselho Executivo da UNESCO, a mais importante instância da organização. Vale a pena notar que a Alemanha foi o país derrotado no nosso grupo geográfico. 

A vitória portuguesa vem provar, uma vez mais, a excecional capacidade do nosso país de ganhar eleições no mundo das organizações multilaterais.

É assim tempo de Portugal voltar a ter um embaixador dedicado exclusivamente à UNESCO porque, agora mais do que nunca, passa a ser impossível ao nosso embaixador em França assegurar o seu trabalho com o do Conselho Executivo. Estou certo que o MNE está atento a isto e à necessidade de reforço da nossa Delegação junto da organização.






Trump


Um ano com Trump. Recordando o ambiente que antecedeu as eleições americanas, a surpresa (para muitos) do resultado e o debate de um mundo aturdido em torno do mesmo, o mínimo que se pode dizer é que Trump não “desiludiu” a generalidade das expetativas. Os balanços aí estão, por toda a comunicação social, relativamente uniformes. Em síntese, pode dizer-se que ninguém esperava que uma sociedade com a maturidade política como a americana pudesse produzir na Casa Branca uma figura tão escassamente preparada para dirigir o mais importante país do mundo. Trump é hoje um visível embaraço para grande parte da América e é patente que o seu “establishment” se vê em grandes dificuldades para controlar a impulsividade e o estilo errático, no limiar do desastre, da sua presidência. O mundo exterior, depois do primeiro impacto, parece andar à procura do melhor modo de lidar com ele, na certeza de que, nesse relacionamento, nada é adquirido e tudo pode mudar no instante seguinte. O grande drama para a comunidade internacional é que, pela importância dos EUA numa multiplicidade de áreas, não é possível ficar à espera do pós-Trump. Se, para os americanos, como referi, Trump é um embaraço, para o resto do mundo é e vai continuar a ser um imenso problema.

terça-feira, novembro 07, 2017

João Hall Themido (1924-2017)


Morreu João Hall Themido. A esmagadora maioria dos portugueses não o conhece, mas é interessante deixar registado que foi um dos mais importantes embaixadores portugueses. 

Com Vasco Futscher Pereira, Tomaz Andresen e Calvet de Magalhães, Themido fez parte da geração de embaixadores de topo que assegurou, com grande profissionalismo, a continuidade do Estado na transição da diplomacia da ditadura para o novo regime democrático. No 25 de abril, era embaixador em Washington, desde 1971. Aí ficou uma década (isso mesmo!) - de Marcelo Caetano a Palma Carlos, de Vasco Gonçalves a Mário Soares e alguns outros primeiros-ministros. Antes, tinha sido embaixador em Roma e sê-lo-ia ainda em Londres, depois de exercer o cargo de secretário-geral no MNE.

Hall Themido era naturalmente um especialista nas relações luso-americanas. Um dia, em 1988, ao tempo em que chefiava a embaixada em Londres, perguntei-lhe pelas memórias que “obrigatoriamente” tinha de escrever. Disse-me que estava a trabalhar nisso. Fá-lo-ia mais tarde, com “10 anos em Washington” (1995) e “Uma autobiografia disfarçada” (2008). 

Nessa ocasião, advertiu-me quanto àquilo que, enquanto diplomatas, podemos dizer aos jornalistas. Contou-me então que se arrependera de uma conversa tida como José Freire Antunes, a propósito das relações com os EUA. A certo passo da conversa, Themido teria deixado cair, pensava ele que “off the record”, um comentário menos apreciativo sobre o Visconde de Botelho, entretanto já falecido, figura que teve alguma visibilidade, nos anos 70, no mundo das relações transatlânticas de segurança e defesa. Freire Antunes não terá respeitado (ou entendido como tal) a confidencialidade do comentário, pelo que o transcreveu “ipsis verbis” num livro e a família do Visconde cortou relações com Hall Themido. Referiu-me também que Franco Nogueira tinha tido uma experiência similar com o mesmo jornalista. “Tenha sempre muito cuidado com o que diz aos jornalistas, Seixas da Costa!”. Tive e tenho, mas nunca tive surpresas excessivamente desagradáveis.

Com a morte de Hall Themido, desaparece o último expoente de uma geração de profissionais de grande qualidade, num período muito complexo da história externa do país, que havia imediatamente sucedido àquela que teve por figuras maiores Marcello Mathias, Franco Nogueira, António de Faria ou José Manuel Fragoso, que haviam cessado funções antes do 25 de abril. 

Web Summit

Desprezar o Web Summit é uma parolice? Não, não é, é apenas uma imensa estupidez, é não perceber a importância (quase histórica) que representa para Portugal poder colocar-se no centro do mapa do mundo do futuro. É neste tipo de reações que se deteta melhor a razão pela qual, como país, temos dificuldade em sair da cepa torta.

MEC



Não vou deixar de ler Miguel Esteves Cardoso depois da parvoíce deste texto, embora faça parte daquela que ele considera ser a “gente rancorosa, obstinada e estúpida” que prefere manter Portugal independente da Espanha. 

Mas, claro, passei a ter bastante menos consideração por alguém que, sendo um frustrado súbdito de Espanha, consegue a proeza de escrever num ótimo português e que, às vezes, tem imensa piada. Como agora, neste texto, que me fez rir muito (dele) e que, com toda a diplomacia, me motiva a mandá-lo comprar caramelos a Badajoz ou a qualquer outra parte.

(Em tempo: Francisco Bélard nota, e bem, que MEC escreveu na véspera um texto em que afirma praticamente o contrário. Descontada a esquizofrenia, querendo ou não o autor ser irónico, este é o texto que os leitores têm para ler e que não traz qualquer ”disclaimer”

100 anos


Passam hoje 100 anos sobre aquela que é considerada a data da Revolução que inaugurou o regime soviético na Rússia. Para uns, foi uma data libertadora que iniciou um percurso novo de esperança para o mundo. Para outros, trata-se da data funesta que abriu um tempo ditatorial trágico. Para este texto é-me perfeitamente indiferente esta inconciliável dicotomia.

Faço parte de uma geração que nasceu para a cidadania no período da ditadura salazarista. Habituei-me a respeitar os militantes comunistas como as principais vítimas desse sinistro período repressivo. Nunca tendo pertencido às suas hostes, a (sua) Revolução russa faz parte do meu património de memória afetiva. E eu sou incorrigivelmente apegado àquilo a que um dia me senti ligado.

Em 1980, fui a Leninegrado e fiz o percurso ”turístico” da antiga Petrogrado que a minha geração fazia: da estação da Finlândia ao Aurora, do Palácio de Inverno à esquina trágica da Nevsky Prospekt. (Era já então uma URSS triste, sem esperança, no estertor de um projeto falhado.)

Em 2012, voltei, agora a São Petersburgo. (Era a nova Rússia de Putin, uma sociedade estranha, dominada pela humilhação da perda da Guerra Fria, acossada e perigosa.) Por alguns dias, trabalhei por ali no edifício da Duma, onde Lenine falou e está retratado em quadros célebres. Ao ter o ensejo de tomar a palavra naquela sala mítica, não posso esconder que senti uma estranha emoção.

Felizes os que não têm contradições, porque deles é o reino da (sua) verdade.

segunda-feira, novembro 06, 2017

Estaline e a geografia


Sempre tive grande curiosidade pela figura de José Estaline, no triângulo de personalidades que ficaram na memória da Revolução Russa, que amanhã comemora um século.

Lenine, o líder incontestado, teorizador ímpar do comunismo, morreu cedo, consagrando-se em mito e em corpo embalsamado. Léon Trotsky, intelectual de imenso mérito, ideólogo desviante, rapidamente afastado do país, morreria no México, perseguido por Estaline, sob o machado de gelo de Mercader. 

Estaline iria prolongar-se no poder por mais de duas décadas. Chefiou gloriosamente a luta militar patriótica contra a agressão nazi, tendo instaurado um regime de auto-endeusamento e de inimaginável terror, que só muito a custo o regime soviético viria a denunciar depois da sua morte.

Em Portugal, Estaline, o “pai dos povos, o “Zé dos bigodes”, foi idolatrado no seio do PCP. Seguidores acríticos de Moscovo, os comunistas portugueses viriam a aceitar, muito a custo, as teses da “desestalinização” que emergiram do famoso XX Congresso do PCUS. É altamente duvidosa a sinceridade com que o PCP alinhou no coro oficial anti-Estaline da generalidade do mundo do Komintern e, tendo conhecido ainda alguma gente “do partido” desse tempo, estou em crer que a denúncia de Estaline feita por Krutshev nunca abalou por completo afetividade profunda sentida pelo líder desaparecido. 

Com o cisma sino-soviético e com o surgimento (também) entre nós das correntes maoístas, Estaline viria a ser recuperado como figura política referencial nesses meios. Essa era também uma forma de denunciar o “revisionismo” do PCP, ódio declarado principal de todos esses grupos, sem exceção. Assistiu-se então, nesses anos 70, a loas a José Estaline de uma criatividade assinalável, dos jornais e panfletos aos cartazes e pinturas de parede. Com o declínio desses grupos, Estaline voltou a submergir na memória pública.

Há cerca de quatro anos, fui convidado para participar num painel, em Moura, sobre Fronteiras, juntando oradores que, a convite de Santiago Macias, então presidente da Câmara local, eleito pela CDU, abordaram o tema sob diversas perspetivas. Tive a meu cargo as fronteiras políticas e, devo confessar, deu-me imenso prazer trabalhar a ideia e colaborar na iniciativa.

A certo passo da minha intervenção falei de Estaline. Disse, “en passant”, da “perfídia” do ditador georgiano ao desenhar algumas das fronteiras entre as repúblicas soviéticas da Ásia Central (dei mais do que um exemplo), deixando propositadamente grupos étnicos divididos por essas barreiras, o que provoca ainda hoje choques e tensões que muito limitam a estabilidade da região. 

No termo da reunião, um cavalheiro, também com responsabilidades autárquicas, agradeceu todas as contribuições que ouvira mas, virando-se para mim e apenas para mim, disse não poder concordar com as imputações que eu fizera ao antigo dirigente soviético. A sua contestação não entrou minimamente pela substância das coisas que eu referira mas, muito simplesmente, dava mostras de refletir uma dimensão afetiva que eu ferira com o meu comentário. É que Estaline permanece ainda vivo no coração de uma certa geração comunista, portuguesa e não só.

Ainda a Catalunha

É muito interessante acompanhar a crescente polarização, entre nós, do debate em torno da questão catalã. Ela assume contornos quase clubísticos, com a graça adicional de aliar figuras de espetros ideológicos frequentemente opostos, o que torna a polémica muito divertida pelo bizarro somatório dos argumentos, assentes em escolas de pensamento bem diversas. 

Há uma realidade inescapável nesta polémica: estamos perante duas ordens de valores e de interesses que se opõem de forma radical. 

Os defensores da unidade espanhola têm a Constituição do país como um valor supremo, considerando o secessionismo um crime de lesa-pátria, razão pela qual entendem que devem ser punidos todos quantos atentem contra a integridade do país, neste caso os promotores da independência.

Os simpatizantes do independentismo catalão entendem que nada, muito menos uma ordem constitucional pré-existente, pode impedir o direito à autodeterminação do futuro de um povo, que tem o inalienável direito de decidir, em total liberdade, o seu destino.

Resta acrescentar que os primeiros consideram inquestionavelmente democrática a ordem constituional espanhola, defendendo que ela foi sufragada em plena liberdade. Por seu turno, os segundos defendem que se tratou de um compromisso imposto na transição, que não representou uma livre assunção de vontade, expressa num tempo de democracia plena.

Perante isto, quem tem “razão”? É óbvio que a “razão” está sempre do lado em que nos colocarmos, porque se trata de pontos de vista à partida inconciliáveis. Estamos por um lado ou pelo outro, pela valoração diferenciada que damos aos argumentos dos dois lados, com alguma emoção afetiva a embotar a racionalidade.

A meu ver, só a ameaça iminente de uma tragédia pode, porventura, fazer emergir um terreno que, eventualmente, venha a ser aceite por ambos como intermédio, sem perda absoluta da face de um deles - como o seria a criação de uma Espanha de natureza federal, em moldes a decidir numa futura revisão constitucional. 

Mas muita água vai ainda correr sob as pontes, antes que isso tenha condições para acontecer. Esperemos que só água.

domingo, novembro 05, 2017

Presos

Custa-me muito ver pessoas que, pela sua experiência e responsabilidade, tinham obrigação saber utilizar com parcimónia palavras que a todos os democratas devem sempre merecer um grande respeito histórico, usar, com indesculpável ligeireza, o termo “presos políticos” para designar o estatuto dos governantes catalães detidos. A sua legítima simpatia pelo independentismo não ficaria nada afetada se tivessem um pouco mais de contenção e rigor. Pensem nisto! 

Ouvir

Por dá cá aquela palha, os partidos chamam os governantes ao parlamento, para os “ouvir”. Tudo bem: o governo é responsável perante o parlamento. Só que os governantes não vão lá para serem “ouvidos”. Os deputados estão “desertos” de saberem o que eles pensam. O que os deputados pretendem é utilizá-los como os “compères” são usados no teatro de revista para dar as deixas aos “artistas”. Tendo os ministros como “punching ball” constitucional, os deputados arranjam ali um belo pretexto para ensaiarem tiradas perante as câmaras. Nenhum deputado ficará convencido pelo que algum ministro ali lhes diga. E, claro, nenhum ministro mudará minimamente de opinião pelo que lhe arengou um deputado. E, também entre si, os deputados não gerarão nenhum acordo ou consenso potenciados pela presença falante de um governante. Aos deputados, só interessam as luzes, a ribalta, os tempos de antena, os melhores “soundbites” que conseguirem arranjar para promoverem os seus argumentos, que um dia os poderá, quem sabe?, levar ao governo. Os ministros, esses, tentarão sair dali tão ilesos quanto possível, até à altura de serem chamados de novo, a pretexto de um qualquer novo episódio. É um teatro, o teatro da democracia. Se bem pensarmos, esta encenação faz parte daquele que é, apesar de tudo, o melhor dos regimes que se conhecem.

Jorge de Sena


Catalunha


O principal defeito das teorias conspirativas - “não é por acaso que...” - é a crença de que a inteligência dos homens é suficientemente poderosa para engendrar efeitos que, depois, se conjugam no futuro que nem um puzzle. Para os adeptos desse género de enredos, quase se poderia dizer que a justiça espanhola, ao criar uma crescente vitimização em volta dos governantes catalães, com a criminalização do ato secessionista e a detenção dos seus responsáveis, “está feita” com os independentistas, criando, a cada dia, condições para favorecer a sua vitória nas eleições regionais de 21 de dezembro. Como é no dia seguinte a esse sufrágio que se saberá o resultado da lotaria anual espanhola, podemo-nos mesmo perguntar se ”El Gordo” não acabará por sair aos catalães.

Piropo


Um dia, numa entrevista, Catarina Martins revelou o melhor piropo que já havia recebido: “Tem uns olhos tão bonitos que eu gostaria de fazer com eles uns botões de punho”. 

Não posso senão concordar.

Notícias do divórcio


Quando um casal se divorcia, a prova mais evidente da falta de caráter é alguém vir para a rua contar histórias dos tempos de alcova. Sinto o mesmo com os trânsfugas políticos. Entristece-me ver pessoas que, no passado, eram de um fanatismo atroz, que zurziam sem piedade quem se lhes opusesse na luta política, passarem depois a dóceis cordeiros e criativos ideólogos dos setores políticos que antes diabolizavam, em universidades ou folhas de papel ou de écran, contando mesmo histórias auto-flagelantes desses outros tempos, para ganharem credenciais nas novas hostes. Se tivessem um mínimo de pudor, estavam discretos, em homenagem àquilo em que um dia sinceramente acreditaram e apregoaram. É que, ao mudarem de forma tão drástica, ficará sempre a dúvida sobre se deixaram de acreditar ou se apenas mudaram de verdade porque “ the times they are a-changin’ “.

Vem isto a propósito da Revolução Russa e da comemoração do seu centenário. Nada me custa ver figuras da direita radical, que andaram pela “Cidadela” coimbrã ou pelo “Resistência” lisboeta, de faca afiada contra Lenine e os seus bolcheviques, denunciarem o “gulag”, embora o seu “benchmark” à época, em matéria de regimes, também deixasse muito a desejar à decência. E acho perfeitamente natural que gente que nunca se aventurou nos meios radicais, democratas de esquerda ou de direita, que foram acordando com sinceridade para as tragédias do comunismo soviético, hoje manifeste o seu repúdio pelo ato fundador desse regime. 

Mas o mesmo respeito já não me merecem figuras que um dia tiveram Estaline por farol, quer os que se prolongaram no agnosticismo embaraçado que o PCP manteve face ao “pai dos povos”, quer os integrantes dos grupos maoístas que nos atazanaram por anos a cabeça e as paredes. Vê-los agora ajudar à festa contra a Revolução de Outubro, desdobrando-se em colunas de oportunidade, só deve merecer a nossa gargalhada. Ao lê-los, dei comigo a pensar que a citação de Willy Brandt (“não é bom social-democrata aos quarenta quem não foi marxista aos vinte”) poderia ter um novo fraseado: não é um bom reacionário aos quarenta (ou mais...) quem não foi um fanático estalinista aos vinte!

sábado, novembro 04, 2017

Presidentes



Há pouco mais de um ano, num encontro sobre relações internacionais em que participei em Kiev, na Ucrânia, foi anunciado um convidado surpresa, durante o jantar de encerramento. 

Estávamos a poucos dias das eleições americanas. No grande écran da sala surgiu Hillary Clinton. A sala rejubilou. Ela era a candidata que, à época, dava mais garantias de conduzir os EUA, e com eles o mundo ocidental, numa atitude anti-Moscovo - ideia que mobilizava por ali muita gente. Mas Hillary, naturalmente, não se deslocara à Ucrânia.

Surgiu então a foto de Donald Trump. Embora entre os convidados americanos para o encontro se contassem figuras conservadoras como Robert Gates, John Bolton, Karl Rove ou Newt Gingrich, a sala foi bem menos efusiva, “to say the least”. Era o tempo do “namoro” entre Trump e Putin e os ucranianos temiam que a sua eventual eleição redundasse num imenso desastre para os seus interesses. Enganavam-se: Trump mudaria de orientação e a Ucrânia cedo deixaria de o temer.

(Dias depois, na ocasião surpreendente em que a “onda Trump” varreu a América, eu estava por acaso em Berlim, num outro encontro, desta vez com diversas figuras do governo alemão. E pude assistir, devo dizer que com alguma surpresa, ao “pânico” que os atravessou, perante o resultado da eleição. Hoje percebo-os bem melhor.)

Regressemos a Kiev, a setembro de 2016. O organizador do encontro, um milionário ucraniano, disse-nos que, infelizmente, não pudera garantir a presença na conferência de nenhum dos candidatos às eleições americanas. Mas anunciou que tinha um “presidente” substituto à altura. E entrou então na sala Kevin Spacey. Uma bela surpresa. O “presidente” da famosa série televisiva “House of Cards”, “Frank Underwood”, fez uma intervenção magnífica, inteligente e informada, sobre a ficção e a política, dando-nos, com eloquência, a sua visão desse mundo e conseguindo transmitir àquele momento de encerramento uma dignidade e uma qualidade muito elevada. Spacey não é um ator normal; é um intelectual culto e muito elaborado, bem acima da média.

Lembrei-me muito desse momento, nos últimos dias, quando vi Spacey pessoalmente mergulhado, de forma degradante, numa vaga de acusações sobre atos de assédio sexual, idêntica à que hoje se vive em largos setores dos Estados Unidos. Dei comigo a pensar o que poderá significar para um grande e reconhecido ator, ainda ontem com o mundo a seus pés, ver ruir, de um dia para o outro, por erros próprios do passado que ele próprio não deixa de reconhecer, toda uma imagem e um prestígio laboriosamente conquistados.

Os EUA, a ONU e Gaza

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