sexta-feira, março 05, 2010

Michael Foot (1913-2010)

O Tim Tim no Tibete, atento como sempre a certas memórias, trouxe-me, há pouco, a notícia da desaparição de Michael Foot. Não se deve dizer isto, mas eu pensava que ele já havia morrido.

Não sei a quantos este post possa interessar, dado que Foot, nos dias de hoje, não será muito conhecido. Porém, ele foi uma figura interessantíssima da vida política britânica, que chegou à liderança do Partido Trabalhista, num registo ideológico tão radical que acabou por ajudar a manter o seu partido longe do poder.

Em 1983, o seu programa eleitoral, com 700 páginas, foi crismado por Gerald Kaufmann como "the longest suicide note in history"... Incluía: saída das Comunidades Europeias, desarmamento militar unilateral, nacionalizações várias, subida drástica de impostos, extinção da Câmara dos Lordes, etc. Ficou "à porta" da abolição da monarquia! 

Quase tão ácido como Kaufmann, o conservador Chris Patten chamava a Foot "a kind of walking obituary for the Labour party", o que levou Kempsell à caricatura que abre este post.

Michael Foot teve uma longa e brilhante carreira como jornalista, durante a qual sempre manifestou, de forma enfática, as suas ideias, abertamente tributárias do marxismo, bem patentes nos seus múltiplos e muito bem escritos livros (a sua biografia de Aneurin Bevan é magnífica e dizem-me que a de H.G. Wells também, numa perspectiva política). Como parlamentar, foi um orador notável, tendo estado presente de forma muito ativa em momentos importantes da história do trabalhismo britânico. Foi ministro de Harold Wilson e sucedeu a James Callaghan como líder, durante a chefia conservadora de Margareth Thatcher. A sua vitória arruinou as muito mais fortes hipóteses de Denis Healey chegar a primeiro-ministro, contribuindo assim para o irónico título que este iria ganhar entre os socialistas britânicos: "the best prime minister we never had"... Deixou o partido a Niel Kinnock, o qual começou a abrir caminho à "modernização" que levaria o "Labour" ao poder, com Tony Blair.

Numa nota (concedo) digna da imprensa cor-de-rosa, gostava de dizer que a morte de Foot não ajuda a resolver o eterno "mistério" que atravessa os exegetas da vida íntima da esquerda do trabalhismo britânico: o seu suposto romance de juventude, durante umas famosas férias em França, com a também antiga ministra Barbara Castle, já há anos desaparecida. Quem, como eu, leu há muito as referências feitas por Foot ao facto e as memórias de Castle ficou sem confirmação absoluta desse "affaire", cuja hipotética existência, por si só, pode ajudar a explicar tanto algumas "políticas de aliança" como certos dissídios no seio do "alto" Labour.

8 comentários:

Santiago Macias disse...

Também pensava que Michael Foot tinha desaparecido há muito. Até para um jovem universitário da altura era mais que claro que o estilo lunático e o ar excêntrico de Foot nunca o levaria ao poder. Se bem se recorda (não tenho dúvidas que sim!) pontificava na altura na ala radical do "Labour" um outro político amalucado que dá pelo nome de Tony Benn.
Michael Foot, apesar da sua impossibilidade de chegar ao poder tinha aquele estilo genuíno e franco dos que estão destinados a perder. Confesso, ainda assim que o prefiro, a ele ou à própria Thatcher, a Tony Blair. O que conquistou o poder, mas perdeu a alma. Coisas que acontecem.

Helena Sacadura Cabral disse...

Caro Santiago, estou consigo. É uma pena que certas coisas aconteçam. Por isso é que não gosto de política. É que gosto muito mais da alma do que do poder e do que ele faz à maioria das pessoas...
Senhor Embaixador permita-me que lhe diga que é da natureza dos "affaires" - sejam eles quais forem e, em particular os sentimentais -, que nunca sejam confirmados. Felizmente!

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Santiago Macias: aconselho isto http://www.johannhari.com/2003/07/24/michael-foot-at-

margarida disse...

E que seria da vida sem o amor?
Seguramente que, a ter sido verdade, foi jubiloso.
E ainda bem.

Helena Oneto disse...

Acabei agora de ler o excelente (e longo) artigo de Johann Hari sobre Michael Foot que o Senhor aconselha a Santiago Macias.
Este artigo é extramamente interessante não só pela personalidade e carisma de Michael Foot, que fico agora a conhecer melhor, mas também como História dos periodos aureos do Labor Party nos anos 70/80. Harold Wilson, Michael Foot, Lord Guildfort e outros membros do Partido Trabalhista deram imenso apoio a exilados e refugiados políticos que lutavam pela democracia. Lord Guildfort (que me convidou varias vezes para "a cup of tea" na House of Commons) foi o MP que mais nos apoiou na nossa luta contra o regime de Salazar facilitando e pondo à nossa disposição locais e material diverso para as nossas actividades "revolucionárias". O Partido Trabalhista lutou a nosso lado contra a guerra colonial e organizou reuniões em Londres com representantes da FRELIMO, do MPLA, do PAIGC e membros da oposição portuguêsa.
A ele e a H. Wilson devo não ter sido "expulsa" como 'persona non grata' da nossa velha aliada Inglaterra.

Este post, que agradeço e que muito me sensibilizou, fez-me reviver un dos periodos mais importantes e excitantes da minha vida.

Anónimo disse...

Que curioso e interessante recordar Michael Foot. Já não me lembrava dele. E concordaria com Santiago Macias. Entre Blair e Foot, antes este último. Pelo menos era genuíno. Havia, talvez, algum romantismo político naquilo que defendia. No Reino Unido houve também sempre uns excelentes teóricos do Marxismo (independentemente de se concordar ou não com eles). Recordo-me por exemplo de ler Maurice Dobb, entre outros. E havia ainda a “New Left Review” (que subsiste, ainda que hoje algo diferente dos idos de 70enta, talvez menos teórica), que a par com a congénere norte-amerciaca “Monthly Review” eram uma espécie de “arautos” de uma certa esquerda Marxista, menos ortodoxa, à época. Na “Monthly”, escreviam, entre outros, os teoricos marxistas americanos Paul Sweezy e Paul Baran, que chegaram a publicar um ou outro livro juntos. Guardo ainda hoje todos esses livros (e revistas) e ficaram-se as memórias das suas leituras. Mas, voltando a Foot, sempre me perguntei como foi possível o Labour tê-lo eleito para seu líder, na altura. Naturalmente, com ele nunca chegaria ao poder. Um político muito peculiar, to say the least.
P.Rufino

Alcipe disse...

Um excelente teórico marxista inglês ("State and Capitalist Society" foi um livro importante nos debates dos anos 70) é também Ralph Miliband, pai do actual Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido.

Anónimo disse...

Alcipe tem toda a razão ao mencionar Ralph Miliband e o seu “The State in Capitalist Society”. Esse seu livro acabou por vir a ser objecto de um debate (escrito) interessantíssimo na New Left Review (na altura no nº 7 da Carlisle Street, London) entre ele e Nicos Poulantzas, que escrevera o “Pouvoir Politique et Classes Sociales” onde se encontram questões abordadas no livro de R.Miliband, mas numa perspectiva um pouco diferente. Poulantzas apoia-se num momento da sua argumentação no que C.Betleheim escreveu na “La Transition vers L Economie Socialiste”. Dois ( ou três com C.B.) excelentes teóricos de esquerda (de um marxismo não ortodoxo). O “debate” foi escrito com grande elevação e consideração entre ambos. Hoje já não teóricos assim. A Esquerda perdeu, há muito, ideologia. A Afrontamento publicava por vezes esses extractos de discussão (a par de outras publicação do género, que tinham de primar pela qualidade). Mas o melhor era, na medida do possível, ler as mesmas na própria Revista (“New Left”), se bem que as traduções por cá fossem boas. Meu caro Alcipe, você fez reviver um “passado” que estava algo adormecido em mim. Só por isso já lhe fico muito grato.
P.Rufino

Maduro e a democracia

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