domingo, fevereiro 28, 2010

Águas de Março

No início deste mês, em que esperamos que as águas abrandem a sua fúria, ouçamos estas  "Águas de Março" de Tom Jobim pela voz mágica de Elis Regina.

sábado, fevereiro 27, 2010

Títulos

Diverte-me analisar a construção dos títulos na imprensa. Os livros sobre jornalismo estão cheios de conselhos sobre a matéria, mas a realidade é que é a imaginação e a qualidade do tratamento do assunto que contam.

Alguma imprensa francesa, especialmente a menos convencional, procura explorar jogos de palavras e, muitas vezes, surpreende pelo brilhantismo. Outra, à revelia de belos tempos do passado, tem a "graça" de uma primeira página do "Novidades", de "A Voz", do "Diário da Manhã" ou do "Diário de Notícias" do tempo do (também) meu antecessor  neste posto, Augusto de Castro (para quem saiba o que esses jornais significavam).

Um bom título é um chamariz importante e já tenho visto crónicas, antecedidas de uma frase apelativa, na qual o autor começa por confessar que usou o título apenas para atrair o leitor, não tendo o texto nada a ver com ele...

Dizia-se que alguns jornalistas do semanário "O Independente", que marcou uma época na imprensa em Portugal, inventavam belos títulos e, depois, iam à procura de um assunto para encher a notícia.

Sendo que o rigor jornalístico parece hoje algo minoritário ou arqueológico, assistimos cada vez mais a verdadeiros atentados à deontologia. Um dos truques correntes consiste em transformar uma resposta de sim ou não, dada a uma pergunta inesperada e às vezes tonta e decontextualizada, num título, com uma frase que não foi, de facto, dita.

Querem um exemplo? Pergunte-se, por exemplo, ao presidente da TAP, se já voou numa companhia "low cost". Com toda a certeza, o engº Fernando Pinto  irá responder "não". Conheço pelo menos um certo jornal português que, sem a menor dúvida, iria puxar para título "Nunca viajei numa 'low cost'", com tudo o que isso tem de subliminarmente negativo. É isto sério? Não é, claro.

Mas há muitos outros "golpes". Um dia, em outras funções, dei uma longa entrevista a um jornal cuja seriedade era para muitos duvidosa. Apenas fui convencido por conhecer o jornalista, em cujo profissionalismo confiava. A entrevista correu bem e, se bem me lembro, o texto ficou irrepreensível. Mas nem tudo iria correr bem com essa entrevista. A certo passo, o jornalista perguntou-me se Portugal não pagava demasiado para o orçamento da União Europeia. Esclareci, num tom académico, que os países contribuíam de acordo com o seu PNB (produto nacional bruto), isto é, de acordo com a sua riqueza. Foi então que cometi um erro, ao ousar acrescentar uma ironia: até gostaríamos de pagar bem mais, porque isso significaria que éramos um país mais rico. O inevitável aconteceu: tive "direito" a primeira página, com grande fotografia, e a "citação": "Queremos pagar bem mais para a Europa!". Imagino a cara dos leitores...

Tours

Ontem, em Tours, onde fui ao lançamento de um "Portuguese Business Club" e encontrar um ativo setor da nossa comunidade, comentei com o "maire" da cidade, Jean Germain, um bom amigo de Portugal e dos portugueses, a beleza da sala da "Mairie" onde estávamos. 

Para minha imensa surpresa, disse-me ser aquele exatamente o local onde Léon Blum havia proferido o seu famoso "discurso de Tours", em 27 de Dezembro de 1920.

Num instante, confrontei-me com a memória daquele que é talvez o grande "separar de águas" entre socialistas e comunistas. O "discurso de Tours" é considerado uma das peças políticas mais relevantes do século XX, porque foi através dele que o chefe socialista marcou o seu afastamento face às ideias de Lenine e a sua rejeição em aderir à III Internacional (Internacional Comunista), o que conduziu à melhor definição de uma linha democrática dentro do socialismo francês, que acabou por ter consequências muito importantes em todo o mundo. Com o "discurso de Tours", Blum ajudou a abrir um caminho autónomo, em termos de prática política com efeitos na governação, a uma corrente de pensamento que viria a ser determinante a partir de então e que, em França, daria aos socialistas a autoridade para poderem lançar, com os comunistas, o "Front Populaire" e, muitos anos mais tarde, o "Programme Commun". 

Quem vive em França corre o sério "risco" de encontrar a História pelas esquinas do quotidiano.

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Madeira

É um gesto de grande simpatia, para com Portugal e a nossa comunidade em França, aquele que foi anunciado pelo cardeal André Vingt-Trois, arcebispo de Paris, ao promover, na catedral de Notre-Dame, pelas 18.30 horas de domingo, dia 28 de Fevereiro, uma missa pelas vítimas da tragédia da Madeira.
 

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Marcello Mathias

A propósito de uma troca de comentários sobre os diplomatas e a escrita, suscitado pelo anterior post sobre Eça de Queirós, lembrei-me de anotar aqui hoje a figura de um meu predecessor neste posto, o embaixador Marcello Mathias (1903-1999).

Em 1973, surgiu nas livrarias de Lisboa um romance, editado pela Bertrand, com o título "Lusco Fusco", assinado por Pablo la Noche. A obra tinha uma real qualidade literária, apoiada numa escrita culta, um tanto nostálgica, mas com passagens de uma vivacidade inesperada. Foi bem acolhida pela crítica e viria a obter um prémio literário. Veio então a saber-se que o autor era, nem mais nem menos, o embaixador Marcello Mathias, o que suscitou grande curiosidade. Mais tarde, o romance veria a ser editado em França pela Robert Laffont, onde ganhou também um prémio literário, já com o nome verdadeiro do autor e tendo por título o pseudónimo utilizado na edição portuguesa: "Pablo la Nuit". Em Portugal, foi recentemente reeditado pela Quetzal.

Marcello Mathias é uma das grandes figuras da diplomacia do Estado Novo. Muito próximo de Salazar, seria por este convidado para o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, função que exerceu entre duas estadas como embaixador em Paris, cidade onde permaneceu mais de duas décadas. É do maior interesse para a história contemporânea o livro que publicou sob o título "Correspondência Marcello Mathias/Salazar (1947/1968)". Num registo de curiosidade, por ele se fica também a saber algo mais do propalado romance sentimental entre o ditador e a jornalista francesa Christine Garnier.

Deve muito à habilidade e inteligência diplomática de Marcello Mathias o resultado favorável da  complexa negociação que permitiu a ida para Portugal do valiosíssimo espólio artístico que Calouste Gulbenkian possuía em Paris, uma tarefa para a qual contribuiu a sua grande influência junto do poder político francês da época. O facto muito excepcional de, como embaixador, ter recebido das autoridades francesas a Grand-Croix de la Légion d'Honneur diz muito. 

Há já uns bons anos, num jantar algures no mundo, ao lado de um dos seus filhos, o também meu predecessor em Paris, embaixador Leonardo Mathias (outro filho, Marcello Duarte Mathias, é um consagrado escritor e também embaixador), Manuela Margarido, à época representante diplomática de S. Tomé e Príncipe em Bruxelas, contou uma história curiosa. Com várias peripécias interessantes, Manuela - uma personalidade  notável, infelizmente já falecida - revelou que fora graças a uma intervenção de Marcello Mathias que, um dia, conseguira evitar ser presa pela PIDE.

À conversa, estavam presentes dois jovens governantes da mesma geração política, um português e outro estrangeiro. Ambos partilharam uma forte e quase jocosa surpresa pelo facto de um dignitário do anterior regime se ter recusado a ser cúmplice de uma arbitrariedade. Talvez porque não percebessem que, sendo embora um fiel "da situação" - como se designavam os apoiantes do regime -, Marcello Mathias era um homem que havia já tido um papel importante na libertação de Alain Oulman, o compositor francês de Amália, das cadeias do regime.

Na troca de palavras que se seguiu, para além de terem provavelmente entendido que as voltas da vida não são tão lineares como as lógicas das ideologias, só posso dizer que os dois governantes aprenderam algumas coisas sobre a dignidade, coisa que o exercício episódico do poder nem sempre ensina.

Eça

Há mais de três décadas, uma editora oficial que oferecia os livros que publicava (é verdade, havia disso!), chamada "Terra Livre", deu à estampa as "Imagens do Portugal Queirosiano", de um (até então) para mim desconhecido A. Campos Matos. Vim a saber tratar-se de um arquiteto que se dedicava ao estudo de Eça de Queirós (um "queirosiano", como de diz em Portugal, ou um "ecista", como se diz no Brasil). A partir daí, adquiri tudo quanto Campos Matos publicou, incluindo as duas edições e o suplemento do magnífico "Dicionário de Eça de Queirós", que coordenou.

Surge agora, editado em Paris, da autoria de A. Campos Matos, pela mão das "Editions de la Différence", com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, o livro "Vie et Oeuvre d'Eça de Queiroz". Trata-se não apenas da primeira das (até agora) oito biografia existentes do escritor que surge em língua francesa mas, igualmente, da primeira cuja edição original é aqui publicada.

Os interessados em adquirir o livro devem ter alguma calma. É que, segundo a Amazon, ele só estará disponível no dia 4 de Março. Perdoarão, no entanto, que este "colega" mais novo do antigo cônsul português em Paris usufrua o privilégio de já dispor de um exemplar...

Na impossibilidade de mostrar uma imagem razoável da capa do livro, fica, pelo menos, a clássica fotografia que a ilustra, onde o nosso Eça figura no seu jardim em Neuilly.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Esquina

Ao passar, hoje à tarde, por um "bistrot" francês de esquina, cheio de movimento e barulho, veio-me à memória este fantástico quadro de Edward Hopper - "Nighthawks".

(Tal como uma amiga que hoje me escreveu, também eu fiquei um dia "pregado" ao chão, por largos minutos, no "The Art Institute of Chicago", ao ver este quadro).

Com Rothko e com o "nosso" Hogan, Hopper faz parte do trio dos pintores cujas obras me tentam à ruína.

Em tempo: ao passar por aqui, vejo que houve mais quem hoje lembrasse Hopper.

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Espanha e Portugal

É reconfortante, embora seja apenas uma declaração de meridiana justiça, ouvir o presidente do governo espanhol, José Luis Zapatero, elogiar a cooperação portuguesa na luta contra o terrorismo que ainda assola a Espanha.

Ao longo de muitos anos, os sucessivos executivos portugueses têm revelado uma postura exemplar na sua atitude perante as ameaças colocadas pelo terrorismo à democracia espanhola. Portugal tem sempre manifestado um profundo respeito pelo esforço desenvolvido pelas autoridades espanholas no sentido de erradicarem os desafios que os grupos terroristas colocam à liberdade constitucional espanhola, independentemente dos partidos políticos que têm titulado o poder eleito em Madrid.

A Espanha é uma grande democracia que tem sabido compatibilizar a sua diversidade, nomeadamente expressa nas diversas autonomias, com a manutenção de um modelo político assente num escrupuloso respeito pelas variadas expressões ideológicas, num registo de acção que, sem excluir uma forte tensão ideológica, preserva e promove os valores essenciais do Estado de direito.

Com particular ênfase após a entrada comum para as instituições europeias, Portugal e a Espanha têm aculturado uma relação de entendimento que pode hoje considerar-se exemplar. Soubémos encontrar soluções mutuamente aceitáveis para problemas como o dos rios partilhados, para a temática da pesca em áreas de fronteira ou para o sensível tema dos comandos da NATO, entre muitos outros. Na Europa, continuamos a desenhar, dia após dia, um sereno terreno de conjugação de esforços, que se prolonga nas instituições multilaterais onde a nossa cooperação e complementaridade são evidentes.

O destino de Portugal e de Espanha, como nações diferentes que cultivam a sua identidade muito própria, joga-se no quotidiano. Temos uma intensa interação económica e empresarial, com vantagens mútuas, agora infelizmente afetada pela crise que ambos sofremos. Porque partilhamos os mesmos valores, porque nos revemos nos mesmos princípios, temos estado muito à vontade para trabalhar no combate a flagelos como o terrorismo ou a criminalidade organizada. A Espanha sabe que pode contar conosco, da mesma forma que nós temos a certeza de que a Espanha comunga as nossas preocupações na preservação do modo como as suas questões securitárias são tratadas, à luz do pleno respeito pelos Direitos Humanos e pela preservação de um quadro institucional respeitador da dignidade da pessoa humana, na observância estrita dos parâmetros constitucionais e da ordem jurídica própria de cada país.

A magnífica relação entre Portugal e a Espanha é uma grande conquista que ficamos a dever, simultaneamente, à democracia e à Europa. E, vale a pena sublinhá-lo, é consequência da consciência comum de que hoje alimentamos uma sã cultura de vizinhança, que é uma riqueza de que ambos os povos se devem orgulhar.

Parques

Há dias, num parque de estacionamento de Paris, reparei que o som ambiente eram passarinhos. Tempos mais tarde, noutro espaço idêntico, verifiquei que tinha sido aplicado um "spray" com agradável cheiro a flores. Noutro ainda, emprestavam aos clientes guarda-chuvas, cestos para compras e até bicicletas!

Aos preços exorbitantes que por aqui são praticados, um destes dias ainda vamos ter direito a uma refeição incluída...

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Línguas

O bom conhecimento de línguas estrangeiras era um requisito que, no passado, nos habituámos a esperar do pessoal de bordo, nos voos internacionais. Se bem me lembro, a TAP era nisso um bom exemplo. Verifico agora que tais hábitos se foram perdendo...

Numa deslocação a Portugal, no passado fim de semana, fui confrontado com uma intervenção em francês, através dos altifalantes do avião, que me deixou estupefacto, pela pobreza da pronúncia daquilo que estava a ser lido e pela inenarrável construção lexical das frases que penosamente eram improvisadas. Já não é a primeira vez que testemunho cenas idênticas, razão por que entendi dever referir o caso aqui.  

Não seria possível haver uma horas (mais) de formação em língua francesa do pessoal de bordo da TAP que presta serviço nos voos para este país? 

Havia um antigo ministro do Estado Novo que, para justificar a sua escassa apetência para as línguas estrangeiras afirmava que elas se deviam falar "patrioticamente mal"*. Alguns dos seus colegas no período democrático, que muitos conhecemos, seguiram com zelo as pisadas deste governante.

A TAP, contudo, é um negócio e é pena vê-lo "poluído" por deficiências de formação de recursos humanos, que se tornam ainda mais chocantes num mercado que a companhia pretende e deve seduzir.

* ver comentário

Madeira

Num corredor do aeroporto de Orly, ao final da tarde de ontem, caminhava lado a lado com um cavalheiro francês, de chapéu de palha com uma fita que dizia "Madeira". Não resisti e perguntei-lhe se vinha do Funchal. Assim era e acrescentou: "É um povo magnífico.  Vou lá há muitos anos. E volto para o ano!"

A Madeira merece e bem precisa da fidelidade de todos os seus amigos.

Por que não visita a Madeira nas suas próximas férias?

domingo, fevereiro 21, 2010

Gazza

Numa tarde de Maio de 1991, rumei ao mítico estádio de Wembley, hoje desaparecido, para ver uma final da Taça de Inglaterra, entre o Tottenham e o Nottingham Forest. Quem não gosta de futebol deve ter dificuldade em compreender a emoção que representava assistir a uma "cup final" em Wembley, que a rotina da imprensa desportiva sempre qualificava como a "catedral" londrina do futebol mundial.

O Tottenham - os "spurs", como se diz no jargão - acabaram por ganhar o jogo, mas a minha curiosidade em ver atuar aquela que era uma das maiores estrelas do futebol britânico da época ficou frustrada, logo no início da partida: Paul Gascoigne, "Gazza", lesionou-se gravemente nos primeiros minutos de jogo (na imagem, de branco, Gascoigne comete a falta em que se lesionou).

Ao assistir a esse incidente, não pressenti que estava a testemunhar o início do fim de um mais talentosos jogadores da história do futebol inglês. Desde esse dia, Paul Gascoigne nunca mais foi o mesmo. A sua recuperação não foi completa, a sua vida errática por vários clubes foi marcada por um trajeto de drogas, álcool, episódios policiais, conflitos amorosos e dissidências familiares. Ontem, num jornal, li que Gazza é hoje um sem-abrigo, que procura a caridade pública.

De certa maneira, Gascoigne teve um destino similar ao de outras estrelas cadentes que o futebol produz, como foi o caso de George Best e, entre nós, de Vitor Baptista.

Vale de Almeida

João Vale de Almeida, um português que era até há pouco diretor-geral das Relações Externas da Comissão Europeia, foi nomeado representante da União Europeia em Washington, com a categoria de embaixador. Este é, sem a menor sombra de dúvida, o mais importante posto de representação externa da União. Muitas pessoas saudaram esta nomeação e sublinharam a justiça da mesma. Com efeito, Vale de Almeida é um dos mais competentes funcionários portugueses nas estruturas europeias e, também sem a menor dúvida, merece este posto e vai fazê-lo com a elevada qualidade profissional a que já nos habituou, em todas as funções que antes desempenhou.

Isso não significa, contudo, que considere isto uma boa notícia. E embora lamentando muito, não acompanho o coro nacional de satisfação pelo novo destino de Vale de Almeida.

A colocação de Vale de Almeida em Washington é um duro golpe para o equilíbrio interno do Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE), o "ministério dos Negócios Estrangeiros" da Europa, dirigido pela sra. Ashton. O facto de ele não ter transitado do lugar que ocupava para a coordenação do SEAE é uma objetiva derrota da Comissão Europeia e representa a prevalência dos "powers that be" no seio da nova relação interinstitucional potenciada pelo Tratado de Lisboa. Assim, repito, a honrosa designação de Vale de Almeida está muito longe de ser uma boa notícia.

Em tempo: leia-se isto.

sábado, fevereiro 20, 2010

Diplomatas

A revista "Sábado" traz esta semana uma nota sobre os concursos de admissão à carreira diplomática, na qual um colega meu, co-responsável por esses exames, dá conta de confrangedoras lacunas de cultura geral de muitos dos candidatos.

O panorama é sempre o mesmo. Grande parte dos licenciados que se apresentam a concurso, para além de revelarem um muito fraco domínio da língua portuguesa, demonstram uma ignorância patética em áreas culturais básicas, muitas vezes somada a um estranho desinteresse pelas questões de política internacional da atualidade. Valha-nos o facto de que, lado a lado com este tipo de candidatos, aparecem sempre outros de grande qualidade.

Fiz já parte do júri desses concursos, há mais de 15 anos, e recordo-me da nossa surpresa ao depararmo-nos com casos similares. Tenho imensas histórias que só não acho divertidas porque são uma trágica ilustração da pauperização em que caiu o ensino e a formação cultural da nossa juventude. Recordo apenas uma. 

Um dia, na chamada "prova de apresentação", durante a qual o candidato conversava com três examinadores sobre vários temas, perguntei a um deles qual o último livro que tinha lido. Sem qualquer rebuço, disse-nos: "Para falar verdade, nunca li nenhum livro completo. Na faculdade, só líamos páginas ou capítulos de livros, em fotocópia". Assim, não vamos lá...  

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Virgem Suta

Reconheço que o nome do grupo é estranho, como estranho pode parecer o seu som. Porém, na linha de um certo estilo de nova música portuguesa que me parece interessante que seja conhecida, aqui lhes deixo o link para o "Linhas Cruzadas" do Virgem Suta.

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Censura

Com o tema da censura a ser suscitado por aí, falemos do tempo em que ela existia.

A censura, no tempo do Estado Novo, era uma atividade que o regime tinha colocado nas mãos dos militares. Em Lisboa, eram famosos os "coronéis" que, dia-a-dia, se dedicavam a assinalar, a lápis azul, aquilo que, nos textos da imprensa, entendiam como podendo ofender os seus mestres ou os costumes oficialmente protegidos.

Na província, a "Comissão de Censura" (depois, com Marcelo Caetano, passou ao eufemismo de "Exame Prévio") tinha também os seus militares. Em Vila Real, era o  velho capitão Medeiros.

No final dos anos 60, já na universidade, comecei a publicar alguns artigos em "A Voz de Trás-os-Montes", um jornal local ligado à diocese, que ainda existe. Iniciei-me na escrita desportiva mas, na "primavera marcelista", ousei entrar pela política interna. Os textos eram muito rebuscados, cheios de duplas leituras, só acessíveis a alguns "happy few", um pouco à moda do que então lia no "Diário de Lisboa", no "República" ou na "Seara Nova". Agora, ao revê-los, fica patente a sua total inocuidade, garantida pelo reduzidíssimo número de potenciais leitores, afastados pelo caráter quase impenetrável da escrita. 

Por uma ou duas vezes, o capitão Medeiros ironizou com o meu Pai sobre as minhas "ideias avançadas", expressão para designar tendências esquerdistas que pressentia nas entrelinhas. Ao diretor do jornal, o padre Henrique Maria dos Santos, o nosso censor local passou também algumas mensagens de aviso, no sentido de eu me "deixar de espertezas". Lá fui, contudo, continuando a escrever, com algum cuidado mas sempre sem grandes obstáculos. Aliás, o capitão Medeiros deve ter ficado menos preocupado quando, a partir de certa altura, passei a dedicar-me apenas a temas de política internacional. Até um dia!

O tema era a Rodésia e eu analisava os problemas entre o Reino Unido e o independentismo branco de Ian Smith, bem como as polémicas entre a ZAPU e a ZANU. O texto era algo hermético, com muitos e dispensáveis detalhes, que eu tinha bebido na imprensa internacional. (Com os diabos! Só temos 20 anos uma vez!)

Uma tarde, o capitão Medeiros encontrou o meu Pai na rua Direita, esse eixo de Vila Real, e deu-lhe os parabéns: "Parece que o seu filho está a entrar no bom caminho! Escreveu um bom artigo sobre a Rodésia!". O meu Pai, que ainda não tinha lido o texto, conhecendo-me bem, estranhou, mas agradeceu o elogio.

Dias depois, o diretor do jornal, à porta da Gomes (essa pastelaria mítica da cidade), disse-me: "O capitão Medeiros está furioso. Afirma que você o enganou com o texto sobre a Rodésia. Levou uma advertência dos serviços centrais da censura, em Lisboa. Já me disse que, por este caminho, não o deixa publicar mais nada".

O que acontecera? O pobre do capitão Medeiros deixara-se "enrolar" nas minhas considerações e, em especial, permitira a última e fatal frase que eu incluíra no texto: "Ou muito me engano ou a Rodésia tem à sua frente um futuro negro". 

A quatro décadas de distância, eu estava longe de imaginar que, por detrás da procurada ambiguidade da minha frase, acabaria por residir uma triste e insuspeitada presciência...

Botul e Crabtree

A vida intelectual francesa tem andado divertida com a polémica em torno de Jean-Baptiste Botul. Na mais recente obra do filósofo Bernard-Henry Lévy, "De la Guerre en Philosophie", o autor cita, a certo passo, as conferências proferidas por aquela figura aos neokantianos do Paraguai, a seguir à Segunda Guerra Mundial. Lévy já havia usado excertos de Botul numa conferência na Ecole normale supérieure, em 2009.

O facto é que Botul é uma figura inventada, criada em 1995 por um jornalista do satírico Canard Enchainé. O filósofo caiu na esparrela e agora, mais do que das 1340 páginas do livro, só se fala de Botul. Conviremos que é uma grande ingenuidade acreditar na existência de uma massa crítica de neokantianos no Paraguai! Pensando melhor: talvez houvesse alguns, entre refugiados centro-europeus da época...

Vem esta evocação a propósito - ou a despropósito - de um jantar que hoje terá lugar no University College, em Londres, reunindo os cultores da memória de Joseph Crabtree. Desde 1954, existe na capital britânica a Crabtree Foundation,  que congrega um grupo de cerca de 400 cidadãos que, uma vez por ano, na terceira quarta-feira de Fevereiro, se reúnem, num solene jantar de "smoking", para ouvir um deles falar de um dos diversíssimos aspetos das extensas vida e obra de Crabtree.

Segundo os anais, Crabtree viveu exatamente um século - de 1754 a 1854. O seu percurso é o de um personagem quase renascentista, tendo sido escritor, viajante, político e uma multiplicidade de coisas mais, como os tempos recomendavam. Poemas por si assinados apareceram publicados em antologias de poesia inglesa. A admiração por este destino de eleição levou à gestação de um verdadeiro culto intelectual, a que eu próprio acabei por não ser insensível. Desde 1992, passei a ser um dos "scholars" estrangeiros da Crabtree Foundation, para onde entrei então pela mão do Bartolomeu Cid dos Santos, com quem lancei as bases, com o Helder Macedo e o Luis de Sousa Rebelo, do "Portuguese chapter", que, há uns anos, realizou no Hotel Lawrence, em Sintra, um encontro dedicado a "Crabtree e Byron". De Lisboa, Nova Iorque, Viena e até de Brasília,  tenho procurado deslocar-me, com regularidade, aos jantares anuais em Londres. No ano passado, fui aqui de Paris. Hoje, só o não faço por total impossibilidade de agenda. Crabtree - "the great Man", como é saudado no brinde inicial, que anualmente é feito em frente do seu retrato (na imagem) - e a sua fantástica obra merecem-no bem.

O leitor, menos familiarizado com estas coisas, talvez ainda não conheça Joseph Crabtree. Por isso, se estiver interessado, pode ler as "The Crabtree Orations", vol I (1954-1994) e vol II (1995-2004), ed. Brian Bennett & Negley Harte, The Crabtree Foundation, London, 1997 e 2004. Um pequeno, quiçá despiciendo, pormenor, que talvez me tenha escapado de referir: Joseph Crabtree nunca existiu. A sua vida e obra têm sido criadas pela conferências que sobre ele se produzem.


Em tempo: sobre este assunto, ler a crónica de Ferreira Fernandes no Diário de Notícias sob o título "Da mentira como obra de arte".

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Verificação de palavras

Dado que este blogue tem sido objeto de ataques de spam (alguma vez havia de ser...), peço aos leitores que, pelo menos por algum tempo, tenham a paciência de preencher a irritante identificação de letras antes de publicarem os seus comentários.

Ídolos

Sou geralmente muito cético em relação à valia dos programas de televisão através dos quais emergem novas "estrelas" da música. A experiência mostra que, com escassíssimas excepções, esses jovens ídolos acabam por constatar que a vida na música profissional é muito mais incerta e precária do que o sonho que alimentaram e pelo qual muitos abandonaram, entretanto, os estudos.

Porque o último "ídolo" eleito, Filipe Pinto, é um estudante de engenharia da UTAD, a universidade a cujo Conselho Geral presido, faço uma pausa no meu ceticismo e aqui lhe deixo um sincero voto de grande sucesso. 

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Vitor Constâncio

Vitor Constâncio acaba de ser escolhido para vice-presidente do Banco Central Europeu. 

Esta é uma nomeação que começa por honrar o próprio, porque representa o reconhecimento internacional do seu elevado prestígio e das suas qualificações. 

Mas esta ascensão de Vitor Constâncio é, do mesmo modo, algo de que Portugal se deve orgulhar, por ver um seu antigo ministro das Finanças e governador do seu banco central selecionado entre diversas personalidades da "fina flor" da banca europeia, para aquele que é o "board" decisivo para a gestão da moeda única.

Fugindo um pouco a regras que impus a mim mesmo neste blogue, devo dizer que acho tristes, mesquinhos, lamentáveis e sectários alguns comentários negativos que se ouviram, e ouvem, na pátria de Vitor Constâncio, tanto agora como no período que antecedeu esta sua eleição. Como já achei o mesmo no tocante à nomeação de Durão Barroso para a presidência da Comissão Europeia, não obstante a aberta posição contrária de alguns amigos meus. 

Julgo que não será por acaso que a última palavra do poema que melhor nos caracteriza, Os Lusíadas, é "inveja".

Maduro e a democracia

Ver aqui .