terça-feira, fevereiro 13, 2018

José Avillez


Conheci-o pessoalmente no Brasil, numa prova de azeites, em São Paulo, creio que em 2005. Antes, testara já a sua arte, num jantar, num restaurante em Cascais, o “100 Maneiras”, nos escassos meses em que por lá passou. Pareceu-me então ter “muito jeito”, mas, à época, não fiquei excessivamente impressionado. Um dia, um ou dois anos mais tarde, jantei com uns amigos no “Tavares”, onde ele era já então o chefe. Boa impressão confirmada, mas ainda não deslumbrante. O “defeito” era afinal meu: aí viria a nascer a sua primeira “estrela”, fruto de muito trabalho e apuramento profissional.

Depois, comecei a assistir ao seu notável “desmultiplicar” comercial. Num registo descontraído, mas bom, passei a almoçar várias vezes no “Cantinho”. E gosto bastante, sou cliente. No seu “grande salto em frente”, o “Belcanto”, onde já fui diversas vezes (não vou mais porque é caro!), fiquei, final e completamente, convencido. Ali, José Avillez, porque é dele que eu falo, provou e prova a cada dia ser um excelente chefe, um grande artista da mesa. Ah! E também gosto muito da elegância do seu “Café Lisboa”. E, do mesmo modo, aprecio o cosmopolitismo dos dois espaços complementares do seu “Bairro”, uma bela ousadia profissional. E também acho excelentes as pizzas da sua “Pizzaria”. Está também muito bem o “Cantinho” da Mouzinho da Silveira, no Porto. Mas não, ainda não fui ao “Mini-Bar”, nem ao “Beco”, nem à “Cantina Peruana”, nem à “Tasca Chic”, nem à recente “Pitaria”. É que acompanhar o ritmo da “ cissiparidade” de José Avillez é, como dizem os alentejanos, uma “canseira”, embora muito boa...

José Avillez é hoje uma glória segura da cozinha portuguesa. Foi o primeiro chefe português a obter duas estrelas no “Guide Michelin” e agora, há dias, recebeu o prestigiadíssimo “Grand Prix de L’Art de la Cuisine”, atribuído pela Academia Internacional da Gastronomia (AIG). 

Em particular, fico muito satisfeito por este último reconhecimento, que coroa aquele que a própria Academia Portuguesa de Gastronomia, membro da AIG, de cuja direção faço parte, lhe fez em devido tempo, ao nomeá-lo para os seus mais altos prémios e ao ajudar a promovê-lo internacionalmente. Apenas e porque ele o merece, amplamente.

O turismo português beneficia hoje imenso com o facto do nosso país começar a estar colocado já nas rotas da grande gastronomia à escala global. Os nossos chefes “estrelados”, mas igualmente os restaurantes nacionais no seu todo, ganham um impulso muito importante pelo facto de Portugal ser hoje conhecido com tendo mesas de excelência. E, de caminho, ganham os hotéis, há mais emprego, a indústria turística cresce e entram receitas para o país.

(Mas há quem perca com isto? Claro que sim! Perdem os céticos, os cínicos, os invejosos, os que desdenham o mundo da gastronomia, os mal-dizentes profissionais, os mesquinhos cultores da mediocridade atávica. Para esses, há sempre uma solução: deixá-los a falar sozinhos.)

Parabéns, José Avillez. E obrigado!

Martin Schulz



Sai hoje de cena Martin Schulz, o desafortunado líder do SPD alemão que, depois de ter perdido as eleições legislativas no seu país, com um resultado historicamente mau, se prontificou a tentar uma “grande coligação” com Angela Merkel e a sua CDU/CSU. 

Concluiu esse acordo, conseguiu para o SPD um conjunto muito importante de pastas ministeriais e tudo parecia bem encaminhado para a renovação desse entendimento de “bloco central”. Porém, o anúncio do seu surgimento como ministro dos Negócios Estrangeiros no futuro governo suscitou a revolta do atual titular (e, não por acaso, anterior líder do partido), Sigmar Gabriel, que mobilizou outros setores socialistas contra Schulz. Este decidiu sair, evitando assim uma crise no SPD, que poderia colocar em causa o próprio compromisso que resultou da negociação com Merkel, que ainda tem de ser referendada no seio do partido.

Recordo que, há uns anos, no Parlamento Europeu, onde Schulz era deputado e em que depois seria presidente, teve lugar um debate tenso entre o político alemão e o antigo primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. Este, num imperdoável mas não surpreendente destempero, afirmou que ele tinha ar de poder ter sido chefe de um campo de concentração nazi. Schulz soube retorquir com grande dignidade ao insulto rasca de Berlusconi, figura que agora, ironicamente, ao que tudo indica, pode vir a reemergir nesse mundo estranho que é a política italiana.

O que quero aqui dizer hoje é que Martin Schulz foi sempre um bom amigo de Portugal, um homem que, em momentos complicados para o nosso país no terreno europeu, assumiu atitudes de forte solidariedade para connosco. António Costa, nos últimos anos, teve disso claras provas.

É um sinal triste que, nesta Europa, saiam de cena figuras com a dignidade de um Martin Schulz e que volte a ter espaço uma personagem do jaez de um Berlusconi.

Há melhor?


Talvez Lisboa...

Grande Gulbenkian!


Estava nas estrelas!

Estranhei (vá lá!, confesso, não estranhei) o silêncio nos dias subsequentes aos fogos. Os coletes amarelos, na sombra presidencial, diziam que sim com a cabeça a tudo, nessas horas em que a tragédia convocava inapelavelmente às mais radicais ações, no clamor por uma onda inédita de prevenção, para evitar o “remake” do caos, já em 2018. Quando o governo legislou, de braços arregaçados na tecla, perante um país atónito e preparado (teoricamente) para tudo, foram já audíveis, em baixos decibéis, algumas vozes, soando leves reticências, premonitórias do que aí vinha. Mas estava-se na hora do rescaldo, as agulhetas ainda pingavam a useira indignação, num discurso com barbas com nome. Há dias, quando li o aviso de que os fundos seriam cortados a quem não interviesse de forma eficaz no controlo e limpeza das matas, a quem não respeitasse a “deadline” temporal, tive um pressentimento: é demais, a bola vai já ser passada ao governo, deve estar por horas! Meu dito, meu feito! Afinal, quem terá a razão? Este é o país mais previsível do mundo!

segunda-feira, fevereiro 12, 2018

“Nós” e o Honório


Há pouco, ao passar em frente à casa Fernando Pessoa, em Campo de Ourique, lembrei-me dele, do Honório. Foi ao olhar uma fotografia do poeta, magro, traje escuro, bigode ralo, de óculos redondos e chapéu. Pareceu-me ali ver o Honório, essa figura do cenário da minha infância e juventude, lá por Vila Real.

Naquele tempo, não havia na cidade quem não conhecesse o Honório. De profissão, era contínuo na escola do Magistério primário. Ainda me lembro dele vestido de escuteiro, como me recordo de o ver lançar papagaios aos domingos, aproveitando o vento da "marginal", sobre o parque florestal.

Sejamos honestos: o Honório era aquilo que, com alguma crueldade, poderíamos qualificar de um "pobre diabo". Ninguém o levava muito a sério e era, muitas vezes, gozado pela rapaziada que, pelas ruas, lhe chamava o X9, por virtude de alguma similitude com uma personagem da espionagem ficcionada de então. O Honório reagia com expectáveis insultos, e a vida continuava.

O Honório apareceu um dia casado, com nova morada em Folhadela. Numa excursão a Lisboa, ficou famosa uma coça que terá dado na mulher. A pobre senhora, entretanto, deixou viúvo o Honório e este envolveu-se numa questão de partilhas com os cunhados, que se arrastou pelos tribunais, por muito tempo sem decisão. O Honório reformou-se e passou a viver, creio, na Timpeira. Passeava-se com passo rápido, sempre com um saco plástico na mão onde, dizia-se, carregaria os seus mais valiosos pertences.

Desde a infância, sempre tratei o Honório por tu. E ele a mim, claro. Com o meu afastamento da cidade, a partir dos anos 60, notei, da parte de algumas figuras da minha infância, colegas de escola primária ou não, socialmente mais afastadas de mim, uma crescente relutância em continuarem a assumir esse tratamento. Pela minha parte, insisti (e ainda insisto) que tudo se passe sempre nesse imutável registo. Era o que faltava que alguma coisa mudasse, nesse mundo que quero sempre igual!

Um dia, numas férias, indo sozinho ao volante, em Vila Real, vislumbrei o Honório aproximar-se da passadeira. Parei, abri o vidro e atirei-lhe um: “Olá, Honório. ’Tás bom?”

O Honório olhou para mim, e ainda mais para o Mercedes que eu conduzia e que o deve ter impressionado, e, com um largo sorriso, respondeu-me, assumindo uma prudência semântica, feita resguardo social, que nunca mais esqueci: “Estou ótimo! E vós, como ides?”

O meu irmão brasileiro


Nasci sem irmãos. Mas tenho-os na vida. Alguns primos e muito poucos amigos, como é o caso de Eros Roberto Grau.

O Eros, que, com a sua Tânia, se deslocou a Lisboa para o meu aniversário, é um eminente jurista e professor universitário brasileiro. Somos cúmplices de muita coisa, a menor das quais não serão os heterónimos com que regularmente humoramos a vida e o quotidiano. Ele, “José Malhão Fernandes”, eu, “Augusto Maria de Saa”.

Agora, na imprensa brasileira, o Eros - cuja parecença física com Marx é um seu lado distintivo que não rejeita - publicou um belo artigo sobre a nossa amizade. Deixo-o aqui (clique na imagem para aumentar) à apreciação dos leitores.

... e os matraquilhos?

Há injustiças olímpicas (ou olímpicas injustiças) que têm de ser corrigidas, mais cedo ou mais tarde.

Quando me lembro das tardes frígidas de “matrecos”, connosco de samarra e dedos com frieiras, na sala da União Artística, em Vila Real, pergunto-me se esta não seria uma modalidade adequada aos Jogos Olímpicos... de inverno!

domingo, fevereiro 11, 2018

40 anos!



Com esta imagem roubada a António Pais no Facebook, aqui fica uma fotografia do III Congresso do Movimento de Esquerda Socialista, no dia 11 de fevereiro de 1978, na Voz do Operário.

Foi há 40 anos, caramba! 

No centro da fotografia, de patilhas, está o António Manuel Alves Martins, o excelente “MFB” (“o militante de fato branco”), uma pessoa de quem os amigos têm muitas saudades.

Um certo Portugal


sábado, fevereiro 10, 2018

Verticalidade


É assim que a sociedade progride. Com gente como Adolfo Mesquita Nunes, que tem a coragem de enfrentar o preconceito.

Quem for consciente da sociedade em que vive tem a obrigação de lutar pela criação de um ambiente de liberdade e tolerância, onde ninguém seja discriminado ou estigmatizado pela sua orientação sexual. 

Gestos como o de AMN, como antes o foi o de Graça Fonseca, contribuem para lutar contra esse preconceito. 

Não querer perceber isto, pretendendo transformá-lo num “não problema”, é apenas um resquício subliminar da homofobia, aliás parte integrante do nosso atraso social.

Um dia, a sociedade portuguesa reconciliar-se-á consigo mesmo quanto a esta questão. Nesse dia, atitudes destas deixarão de ser necessárias. Por ora, são essenciais.

Gulbenkian



A Gulbenkian renova-se da melhor forma. A entrada da embaixadora Graça Andresen Guimarães e do professor António Feijó para o seu Conselho de Administração, ontem anunciada, é uma excelente notícia. 

Trata-se de duas pessoas altamente qualificadas, com magníficos percursos profissionais, que, estou seguro, darão uma contribuição muito importante à instituição, neste tempo de grande exigência para o seu futuro.

Porque coincide serem dois amigos pessoais, deixo a ambos um forte abraço, com votos das maiores felicidades.

sexta-feira, fevereiro 09, 2018

Sobre a independência



A decisão do Conselho Geral Independente da RTP, que integro, de reformar a composição da administração da empresa inundou-me de telefonemas, sms e emails: “A decisão desagrada a muitos amigos teus, sabias?”

Dias depois, um texto que escrevi no meu blogue, escandalizado com o primarismo do presidente do Sporting, soltou brados leoninos: “Nem pareces sportinguista! Isso vai ser aproveitado pelos outros!”. 

Ontem, depois de ter dado expressão pública do meu desagrado, pelo facto do governo ter nomeado um embaixador político, ouvi, de um lado ideológico que me é próximo: “Com o teu gesto, dás armas à oposição e à especulação mediática”.

Vamos a ver se nos entendemos! Sou, como muitos leitores, um cidadão que pensa pela sua cabeça, cujas ideias não se orientam pelas conjunturas e pelo que “dá jeito”. Não faço parte daquelas pessoas com que Groucho Marx ironizava: “Estes são os meus princípios. Se não gostarem, tenho outros”. Eu não tenho outros. Penso o que penso, gostem ou não.

Falarei pouco da RTP, tema em que, por lei, estou sujeito a secretismo. Fui nomeado pelo governo, que sabia que, a partir desse momento, a minha independência no exercício do cargo seria plena. Tem-no sido e continuará a ser, nos anos de mandato que se seguirão. Farei apenas que entender melhor para o serviço público de rádio e de televisão.

Mas falo livremente do Sporting. Sinto-me triste pelo facto do clube de que sou adepto, muito antes do seu atual presidente ser sequer nascido, estar prestes a ser vítima de uma espécie de golpe de estado - neste caso, estádio seria talvez mais adequado... Uma mudança totalitária que, segundo alguns, pode mesmo vir a colocar em risco o estatuto de “utilidade pública”, com todas as consequências, legais e práticas, daí decorrentes. O facto desta polémica poder estar a ajudar a divergir as atenções sobre os pecadilhos de outros não me convence. O que se passa no Sporting é uma vergonha.

Ontem, escrevi noutro jornal contra a decisão do governo de nomear, para um lugar no quadro da profissão que foi a minha por quatro décadas, uma personalidade a ela totalmente alheia, como se a diplomacia não devesse ser, como as forças armadas ou o mundo judicial, uma carreira estruturada, especializada e exclusiva. Imagino, isto é, sei que o governo não deve ter gostado que eu dissesse o que disse. Custou-me fazê-lo, não apenas porque apoio este governo e a sua política externa, mas porque o nome escolhido é alguém que muito prezo, que apoiei publicamente, e em quem votei privadamente, aquando do último sufrágio presidencial. Mas é o que eu penso.

Sou prisioneiro da minha independência, mas isso é o preço da minha liberdade.

quinta-feira, fevereiro 08, 2018

Diplomatas & políticos

A escolha de António Sampaio da Nóvoa para representante diplomático português junto da Unesco é um erro deste governo.

Historicamente, a representação externa dos Estados começou por ser provida por personalidades da confiança do soberano, oriundas da aristocracia. Com os novos tempos e a multiplicação das embaixadas, o serviço diplomático profissionalizou-se. Foram progressivamente criados, em todo o mundo, quadros especializados de serviço público, para assegurar a continuidade da representação do Estado, independentemente dos ciclos políticos. Os embaixadores passaram, em regra, a ser escolhidos dentre os diplomatas profissionais mais qualificados. 

Alguns países, porém, continuaram a manter a prática de designar, para a chefia de certos postos, figuras exteriores às respetivas carreiras diplomáticas. Em geral, as ditaduras e regimes mais ou menos autoritários abusam desta prática, que também foi corrente em regimes presidencialistas (mas, por exemplo, já deixou de o ser no Brasil ou em França, nos dias de hoje). Um país como os EUA persiste e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente. Bem assessoradas, claro está, por competentes profissionais da diplomacia...

Em Portugal, a Primeira República e o Estado Novo escolheram várias personalidades políticas e sociais para a chefia das principais missões diplomáticas, as quais, aliás, eram então muito poucas. Esta prática não viria a desaparecer por completo com o 25 de abril. Com vários pretextos, diversos governos colocaram figuras que lhes eram afetas em algumas embaixadas. Desde a Revolução, nos últimos 44 anos, com justificações de oportunidade inicialmente ligadas à consolidação dos novos tempos políticos (que já lá vão!), a diplomacia portuguesa veio a albergar uma trintena de "embaixadores políticos", mais notoriamente em postos multilaterais. Os parisienses OCDE e UNESCO foram os mais escolhidos.

Na nossa história democrática recente, alguns desses "embaixadores” serviram num posto e, depois, saíram – quase sempre, após uma rotação governativa, como está na natureza precária da sua nomeação, feita por confiança política. Outros acabaram por rodar entre vários postos, usufruindo de uma legislação que lhes permitiu passar a integrar o quadro dos embaixadores profissionais de carreira. Desde 2011, vivia-se um tempo diferente: não existia nenhum "embaixador político" na diplomacia portuguesa. 

O concurso de acesso à carreira diplomática é o mais exigente de toda a Administração Pública portuguesa. Os funcionários que integram essa carreira fazem um percurso variado, em Portugal e em postos no estrangeiro. As tarefas diplomáticas aprendem-se com tempo e maturação, os comportamentos apuram-se, as pessoas são testadas em diversos cenários geográficos e perante situações muito diversas. Ao final de cerca de duas dezenas de anos, a alguns, mas não a todos, é dada a possibilidade de chefiarem, primeiro missões mais pequenas e, se nelas derem as devidas provas, postos mais importantes. A diplomacia profissional portuguesa é regular objeto de reconhecimento público, quase generalizado, pelo muito que faz pelo país e pelo seu prestígio. Mas, afinal, será que ela não serve para representar Portugal em todos os postos diplomáticos? 

Será assim compreensível que, dentro da carreira diplomática, subsista um permanente sentimento contra a indigitação de figuras que, não tendo feito a tarimba da vida diplomática, não tendo nela subido, ao longo dos anos, os seus diversos escalões, surjam um dia, de "pára-quedas", num determinado posto, qualificados como "embaixadores", por uma simples decisão política. 

Dir-me-ão: mas não houve embaixadores políticos que, no passado, fizeram bom trabalho, que acabaram por ser um valor acrescentado para o serviço diplomático? Claro que sim, embora em poucos casos. Tal como eu talvez fosse capaz, com algum jeito, de não ser um mau Comandante da Região Militar Norte... Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”.

Só posso encontrar um único conforto nesta infeliz decisão do governo de António Costa, retomando um dos vícios do aparelhamento político da Administração Pública: é o facto de ter escolhido António Sampaio da Nóvoa, figura intelectual distinta e que sempre demonstrou grande competência e sentido de Estado nos cargos que exerceu, e a quem desejo as maiores felicidades no Ministério que generosamente o vai acolher no seu seio. Dentro do erro, valha-nos isso!

terça-feira, fevereiro 06, 2018

Também o Sporting


A conferência de imprensa do presidente do (meu) Sporting, somada às suas declarações na Assembleia Geral da véspera, constituem um belo retrato, realista e “à la minute”, de um certo país ajavardado que por aí anda. 

Com esse país de opereta só compete a total falta de mundo de quem faz o frete mediático oportunista àquele egocentrismo.

Este não é um problema de um clube chamado Sporting Club de Portugal, como o sectarismo de alguns comentários, que com certeza vão poder ler abaixo, tentará Iludir.

O mundo do futebol está tomado por uma estranha aliança entre algumas pessoas tidas por de bem, cegas por uma religiosa devoção a um emblema - no seio do qual só veem virtudes e, à volta, perseguições - com uns jagunços de cara grave e métodos baixos, servidos por uma sórdida canalha de bancada, onde grassa um extremismo acéfalo, o culto da violência e que, frequentemente, roça a criminalidade. 

As primeiras dessas pessoas são a cara, que se pretende aceitável, do sectarismo. Integram, em nome das suas cores, a liga, a federação e esses órgão de gargalhada judicial que fazem parte da chamada “justiça desportiva”. E, claro, vivem próximos da arbitragem, um mundo que, sem sucesso, quer dar-se ares de estar desligado das influências da gestão das carreiras profissionais dos árbitros. Esses representantes de fação garantem, não a desejável neutralidade de todas essas entidades, mas estão ali apenas na tentativa da representação ideal, para os interesses dos seus clubes, na relação institucional de forças. Daí o surgimento das crises cíclicas nesses órgãos, quando os desequilíbrios se produzem.

Os segundos, os dirigentes, são os operacionais do radicalismo e do ódio sectário. Forjam candidaturas, tomam conta dos clubes, vociferam em assembleias gerais, dão entrevistas incendiárias, alimentam constantes polémicas, apimentam as vésperas dos jogos, são gestores da esperança nas vitórias do mundo ululante em torno dos seus emblemas. Muitos são empresários, muitas vezes frustrados, de ramos sofríveis de negócio e em busca de reconhecimento, outros andam por ali a garantir a sua sobrevivência pessoal, tentando que a notoriedade os salve das grades. Houve e haverá também gente séria no dirigismo futebolístico, movida pela simples e respeitável afetividade clubista. Mas são, ao que tudo indica, cada vez menos.

As televisões (o resto conta pouco), à cata de audiências, ”balcanizam” os comentários para poderem garantir que representam, no écran, todo esse país dividido e tenso. E filmam treinos, entrevistam treinadores e jogadores, num cenário de retângulos da publicidade e águas de marca (olhem bem!) a que fazem o frete, fazem “antevisões” ridículas e desnecessárias das “jornadas”, seguem, motorizados, os autocarros das equipas para os estádios, entrevistam populares cachecolados no fanatismo, reportam e passam mil vezes, abutremente, cenas de violência e ódio, adubadas com as polémicas dos penaltis ou dos fora-de-jogo, comentam-nas, recomentam-nas, muitas vezes com recurso a “cromos” caricaturais de cada camisola, uns predispostos a serem assumidos palhaços, outros a armar mais ao fino - quase sempre, por que será?, com uma propensão para escolha de figuras do direito.

É um país muito triste, este que anda à volta de um dos mais belos desportos do mundo.

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Portugal exilado no Brasil


Tive hoje o privilégio de um almoço a dois com alguém que, durante a ditadura portuguesa, esteve exilado no Brasil. Foi muito interessante poder ouvir o testemunho autorizado de uma pessoa que presenciou alguns dos tempos mais importantes desse exílio brasileiro do anti-salazarismo. 

Desde o golpe de Estado que, em 28 de maio de 1926, pôs fim à Primeira República e implantou a ditadura militar, o Brasil foi porto de acolhimento de muitos exilados, de variadas matizes ideológicas. Desde militantes republicanos a comunistas e anarquistas, os vários “Brasis” (porque os tempos no Brasil também foram mudando) receberam, quase sempre com generosidade, quantos procuravam fugir da repressão da máquina salazarista.

Na conversa de hoje, suscitei do meu interlocutor um testemunho sobre esse momento de rutura “epistemológica” que foi a adoção de uma postura favorável à autodeterminação das colónias portuguesas, por parte de setores oposicionistas portugueses no Brasil.

A Primeira República fora colonialista,  com a entrada na Grande Guerra a ser justificada precisamente para proteger o império. Norton de Matos, que titulou a candidatura presidencial oposicionista em 1949, fora governador-geral de Angola e, até ao fim dos seus dias, foi um colonialista assumido. 

Só nos anos 50, quando o PCP, seguindo o espírito de Bandung e as orientações do Comintern, passou a adotar uma postura anti-colonial é que essa orientação penetrou, a fundo, no debate interno da oposição à ditadura portuguesa. 

Em 1961, com o eclodir da guerra colonial em Angola e a queda da Índia Portuguesa, várias personalidades oposicionistas viriam a assumir uma atitude próxima da do governo português que combatiam, o que induziu fortes tensões. Eu próprio testemunhei, na candidatura oposicionista, em 1969, em Vila Real, a existência de correntes opostas sobre este muito sensível tema, embora com o “ultramarinismo” em crescente perda de força.

O meu interlocutor do almoço de hoje deu-me conta detalhada das clivagens a que a questão colonial levou no seio da oposição portuguesa no Brasil. Ele próprio havia tido com Henrique Galvão, o revolucionário que dissidira e fora preso por Salazar, na luta pela liberdade que este negava ao país, uma discussão forte sobre o tema. Galvão viria a evoluir na questão, mas muitos outras figuras da oposição anti-salazarista no Brasil persistiram nessa postura de recusa do independentismo, algumas até ao 25 de abril.


(Ilustro este texto com uma célebre fotografia de Humberto Delgado e de Henrique Galvão, a bordo do “Santa Maria”)

Os meus dias da rádio


Das funções que passei a desempenhar no Conselho Geral Independente (CGI) da RTP faz também parte o acompanhamento da importante dimensão da rádio no seio da empresa.

Contrariamente à convicção de muitos, nos dias de hoje RTP já não significa Radiotelevisão Portuguesa. A sigla, desde há vários anos, quer dizer Rádio e Televisão de Portugal. É a mesma coisa? Não é. Ela passou a simbolizar a presença da marca RDP (embora com diferentes designações de antena) no seio da RTP. E isso faz toda a diferença. 

Assegurar um excelente serviço público de rádio, nas suas dimensões internas (Antenas 1, 2, 3 e regionais) e externas (Internacional e África), vai ser uma das grandes preocupações do CGI recomposto que acaba de entrar em funções. No que me toca, será mesmo objeto de uma atenção muito particular. Porque a rádio diz-me muito: teve um papel importantíssimo na minha formação e, igualmente, porque vivi muitos anos no exterior, durante os quais nunca deixei de ter a RDP no meu "radar".

Faço parte da geração dos "dias da rádio". No meu caso, das noites. Na minha juventude, nos anos 60, em Vila Real, o Rádio Clube Português (muito menos então a Emissora Nacional, antecessora da RDP), a par de algumas rádios estrangeiras (Radio Caroline, Radio London, Radio Andorra) e da Renascença (em especial com a 23ª hora), era uma companhia noturna regular, com os programas da madrugada, em especial o "Meia Noite" e, mais tarde, o efémero "Europa", de Vitor Espadinha, a trazerem a música que me fez crescer. (Na província não havia FM, apenas Onda Média e Curta, pelo não chegávamos ao lisboeta "Em Órbita"). Ah! e também ouvia, claro, a oposicionista Rádio Voz da Liberdade (de Argel), a Rádio Portugal Livre (de Bucareste), as emissões em português da Rádio Moscovo e o serviço português da BBC. Mas isso era outra "música".

Em 1966, com a ousadia dos meus 18 anos, apresentei-me nos estúdios do Porto do RCP, onde pedi "emprego" sem salário, ao tempo em que fingia estudar Engenharia Eletrotécnica. O Alfredo Alvela, uma voz magnífica da rádio desses tempos, abriu-me então as portas do seu "Clube da Juventude," onde realizei, durante alguns meses, o meu semanal "Tempo de Teatro" (eu era então membro do Teatro Universitário do Porto), com textos do João Guedes e um "gingle" com efeito de eco, feito no vão do elevador do prédio, numa ideia louca, creio que do Jaime Valverde. Ainda no Porto, fiz locução, durante algum tempo, nos Emissores do Norte Reunidos, pelo final das tardes de sexta-feira, num programa a que chamámos "No espaço e no tempo", um nome hoje ridículo, mas que ia muito bem com o ambiente da época.

Quando, em 1968, abandonei Engenharia e fui estudar (dessa vez, a sério) para Lisboa, o "bichinho" da rádio continuava a perseguir-me. Ainda nesse ano, fiz concurso para locução na Rádio Universidade. Lembro-me de duas das provas que me calharam em sorte: ler o texto "Desenhar uma Flor", de Almada Negreiros e, durante dez minutos, sozinho num estúdio, inventar a reportagem de uma chegada dos Beatles ao aeroporto de Lisboa. Fui um dos escassos admitidos, nesse exame, precisamente há meio século.

A estação era propriedade da Mocidade Portuguesa, seguia uma linha oficiosa, mas, devo confessar, em abono da verdade, não terá sido uma razão essencialmente política aquela que me levou a afastar-me do que julgava ser uma vocação para a rádio. Tenho uma vaga ideia de me ter confrontado com um ambiente algo pesado e hierarquizado, em que nunca me senti bem, feito de gente que pouco tinha a ver com a "onda" académica mais agitada em que eu já andava envolvido por essa época. Mas, conhecendo-me, creio que também o facto de me terem exigido que me submetesse a um estágio que ocorria nas socrossantas manhãs de domingo terá pesado bastante e deverá ter sido a gota de água que fez travar o início da carreira radiofónica que chegou a estar nos meus horizontes. A Rádio Universidade era, contudo uma excelente escola de rádio e, recorde-se, foi um viveiro de grandes nomes.

A Rádio Universidade ocupava então um edifício na rua da Estefânia. Passei por lá ontem e está no estado que a fotografia evidencia.

Eugénio Lisboa


O amigo Eugénio Lisboa, uma grande figura da intelectualidade portuguesa, lança hoje mais um volume das suas memórias.

É às 18.30 na Livraria Bucholz, na rua Duque de Palmela. Lá estarei a dar-lhe um abraço.

Vou ler isto outra vez...