Participei ontem numa homenagem a um homem bom. É o meu barbeiro. Isso mesmo! Joaquim Pinto é um profissional de barbearia de quem sou cliente há quatro décadas. E amigo. Ele tem dez mais de profissão e acaba de ser publicada a sua fotobiografia.
Ontem, no Apolo 70, onde ele oficia, várias dezenas de amigos, muitas figuras conhecidas da sociedade portuguesa que são seus clientes, estiveram por ali a dar-lhe um abraço: do mundo empresarial à advocacia, da política à diplomacia, do jornalismo às universidades, etc.
Como prefaciador do volume, coube-me fazer a apresentação da edição e falar da pessoa que ela consagra. Referi que o espetro de clientes/amigos de Joaquim Pinto é tal que começa a gerar a vontade de criar uma Confraria que os junte. Avancei mesmo uma proposta de nome, com ressonância temática, que a sala me pareceu acolher com agrado: a “Caspa” (Confraria dos Amigos do Senhor Pinto do Apolo). E também sugeri que o blogue que Joaquim Pinto alimenta (porque este é um cabeleireiro de homens que tem um blogue!), onde estão ilustradas as peças do seu “Museu do Barbeiro”, inaugurado no mesmo local há quatro anos e que recolhe uma notável coleção de objetos históricos da sua arte, deixasse de se chamar “Pinto’s Cabeleireiros” e passasse a ter o nome mais sonante e também “capilar”, de “Pêlo sim, pêlo não”...
Mais a sério, deixo aqui o texto do prefácio do livro “Joaquim Pinto - o barbeiro do poder”, de Paulo António Monteiro, que intitulei “Na cadeira de um gentleman”:
“O termo britânico “gentleman” comporta duas palavras: “gentle”, que pode traduzir-se por “gentil” e “man”, de homem. Juntas, significam “senhor”, no sentido mais nobre do conceito. O meu amigo Joaquim Pinto é um “gentleman”, um “senhor”, nesse mesmo e completo sentido, porque tem em si a educação e a gentileza simples de quem sabe estar e a postura de dignidade de quem faz da vida um acto de atenção natural aos outros.
Conheci-o há quase quatro décadas. Comecei como cliente de um seu colaborador e, com a morte deste, passei, há mais de 30 anos, para as suas mãos profissionais. Por muito tempo, por viver longe, no estrangeiro, não o visitava com a regularidade dos clientes vulgares. O meu ritmo era muito errático. Às vezes telefonava-lhe a marcar hora, do outro lado do mundo, para garantir “slot” na minha passagem imediata, quase sempre apressada e cheia de compromissos, por Lisboa.
Não foram poucas as vezes em que, durante esses tempos lá fora, tive de explicar, aos amigos e à família, que o comprimento, por vezes exagerado, do meu cabelo não era uma opção estética, uma espécie de “beatlemania” tardia e grisalha, mas apenas a consequência de estar, pacientemente, a aguardar por uma deslocação lisboeta ao meu “barbeiro” - eu sei que já quase ninguém “faz a barba”, mas eu ainda prefiro o conceito ao de “cabeleireiro de homens”.
É que nunca conheci alguém no mundo que soubesse cortar o meu cabelo como Joaquim Pinto, com quem mantenho códigos acertados sobre o grau desejável de tosquia, desenhada esta, às vezes, em função de certos compromissos imediatamente subsequentes.
Passei pela mão de barbeiros islandeses, franceses, noruegueses, americanos, brasileiros, austríacos, angolanos, romenos, escoceses e até um turco – mas nunca, com nenhum, consegui estabelecer aquela relação de cumplicidade que permite ter a garantia de que quem nos trata do cabelo sabe exatamente o que pretendemos.
Dentre as várias alegrias que o regresso definitivo a Portugal me trouxe conta-se a possibilidade de, com serenidade e previsão, poder dar uma “saltada ao barbeiro”, quando de tal necessito. E, ali chegado, sinto-me em casa. Para mim, “ir ao barbeiro”, em Lisboa, tornou-se já, não numa obrigação ritual, mas num ato social de convívio que cumpro com prazer, de partilha de conversas soltas, sobre as nossas famílias, sobre a vida, com referências, da parte dele sempre simpáticas, a alguns conhecidos desse informal “clube dos clientes de Joaquim Pinto”.
Quantas vezes, em conversas com pessoas que cruzo profissional ou socialmente, ao vir à baila o nome do nosso “barbeiro”, damos conta de pertencermos ambos a esse seleto “clube”. E, desde logo, cria-se ali uma intimidade acrescida, estabelece-se um laço de união, feito de inevitáveis elogios à figura discreta e educada em cujas mãos profissionais ambos nos entregamos. Até lá por fora, pelo mundo, reforcei relações com base nesse vínculo comum – de que o exemplo mais flagrante foi o saudoso embaixador brasileiro, Dário Castro Alves, em cuja homenagem, que lhe promovi na nossa embaixada em Brasília, o nome do nosso comum amigo Joaquim Pinto foi citado.
É sabido que Joaquim Pinto tem um muito alargado “carnet” de clientes, com figuras variadas, dos negócios à política, da cultura à diplomacia. Porém – o que é notável, para uma profissão onde a conversa é a “música de fundo” do ato profissional – nunca a sua boca se abre para a menor indiscrição, o que a nós próprios garante a liberdade para com eles nos “confessarmos”, aliás como se faz com os amigos, qualidade em que ele se transformou.
Há uns tempos, fiz-lhe uma surpresa. O município da sua terra natal, Resende, organizou uma homenagem e honrou-o com a sua mais alta distinção. Eu, que por acaso estava a umas dezenas de quilómetros dali, tive o grande gosto de, sem o avisar previamente, ir assistir ao ato. E foi muito interessante poder observar o carinho e o respeito que a Joaquim Pinto e à sua Família eram votados pelas pessoas da terra, o reconhecimento do seu prestígio junto das autoridades e pessoal locais. Afinal, não é só em Lisboa que Joaquim Pinto é estimado.
O livro que o leitor tem perante si fala por si próprio, sem quase necessitar de prefácio. Aqui está um percurso de vida, subida a pulso, graças a trabalho, dedicação e empenhamento. Nessa vida, fui testemunha de tempos menos fáceis, de contrariedades, de desilusões, para não utilizar termos mais fortes. Mas sempre vi Joaquim Pinto reagir com serenidade, com estofo, com grandeza e com o imenso sentido profissional que é o seu. Esse é, aliás, a chave do seu sucesso: trabalho, seriedade e um saber-estar muito raro – raro mas comum nos homens de bem e que se sentem de bem com a vida.
Este livro é a montra dessa mesma vida - do homem de família ao profissional ilustre. Aqui fica evidenciado também o empenhamento na divulgação da sua arte, que o levou à constituição de um interessante património museológico, bem como à alimentação de um blogue profissional, ambos com apreciável sucesso. Aqui se juntam testemunhos de amigos, embora apenas de um punhado dos muitos que ele tem, que assim quiseram dar-lhe um abraço escrito de simpatia e admiração. É que é para todos nós muito gratificante podermos ter o ensejo de testemunhar o nosso respeito a essa personalidade detentora de uma elevada qualidade humana que é o nosso amigo Joaquim Pinto.”