terça-feira, maio 01, 2018

Israel e o Irão

Percebo que o programa nuclear iraniano crie sérias preocupações. Por essa razão, deve ser preservado, a todo o custo, o laborioso acordo negociado entre Teerão e a comunidade internacional, que prevê mecanismos de controlo sobre a atividade iraniana nesse domínio. Só irresponsáveis podem defender que mais países possam ter acesso a meios nucleares para fins potencialmente bélicos. 

Acho, contudo, de uma desfaçatez sem limites que Israel surja a mostrar indignação sobre o assunto, sem que o mundo solte uma gargalhada. É um segredo de Polichinelo que Israel mantém um programa análogo e tudo indica que possui já a arma nuclear. Talvez não seja por acaso que Israel se recusa assinar o Tratado de Não Proliferação e que, desde sempre, rejeitou quaisquer inspeções da Agência Internacional de Energia Atómica. As quais, note-se, o Irão tem vindo a aceitar, nos termos em que se comprometeu.

segunda-feira, abril 30, 2018

Rugby



Não sei nada de rugby, mas andei anos convencido de que, por detrás daquela confusão em campo, havia um desporto de “senhores”, onde prevalecia o “fair play”. Agora, leio que o campeonato nacional da modalidade foi interrompido por violência. Já não percebo nada! 

Sarney



José Sarney tem 88 anos, mas tem a política no corpo. 

Chegado à presidência brasileira pelo mais famoso golpe constitucional da história do seu país - ascendeu ao lugar por decisão dos militares, como vice de um presidente eleito mas que não tinha chegado a tomar posse -, viria a ser ele a inaugurar a era democrática, depois da sinistra ditadura dos generais. 

Antes, Sarney tinha chegado a presidente da Arena, o “partido” mais próximo dos militares, que contrastava com o mais democrático MDB. Curiosamente, Sarney virá a consagrar-se, depois da saída do Alvorada, como um dos principais caciques do PMDB, que sucederia ao MDB. É nessa qualidade que irá surgir como um dos mais seguros apoios de Lula, durante os seus dois mandatos, conseguindo sempre uma quota significativa de ministros e cargos públicos para os seus protegidos, ao longo de todo esse período.

Suscito isto hoje aqui porque acabo de ler na imprensa brasileira que Sarney mudou a sua inscrição eleitoral para o Maranhão. Este é o Estado que a família Sarney dominou por décadas, por familiares ou protegidos, mas cujo governo perdeu nas últimas eleições. O próprio Sarney, contudo, tinha-se entretanto “transferido” politicamente para o Amapá (um Estado resultante de uma partilha do Pará), por onde é há muito senador e onde estendeu a sua influência. Agora, parece querer regressar ao seu feudo tradicional, onde um dia mandou construir um museu-mausoleu cuja saga faz parte do anedotário do Brasil.

José Sarney não se afasta muito da generalidade dos políticos brasileiros, que sempre assentam o seu poder em Brasília na expressão política que retiram do seu Estado de origem. No seu caso, porém, há uma diferença que o não favorece, face a alguns outros desses caciques. É que, sob o seu reinado, o Maranhão estiolou economicamente, progrediu muito pouco na área social, manteve-se numa grande pobreza e tem sido regular pasto de corrupção - a qual, diga-se em abono da verdade, não abrange apenas o partido e a gente de Sarney.

O visível descaso de Sarney pelo Estado ao qual agora, pelos vistos, pretende regressar contrasta, por exemplo, com o desenvolvimento que foi induzido ao Estado da Bahía pelo também “coronel” (designação tradicional brasileira para os antigos caciques locais) António Carlos Magalhães, o famoso ACM, ou “Toninho Malvadeza”, para os seus detratores. Mesmo os críticos de ACM são forçados a reconhecer ter ele sido responsável por um notável surto de desenvolvimento em Salvador e em outras áreas do seu Estado. Aliás, ainda hoje ali mantém, depois da sua morte, uma alargada veneração pública, que, em parte, justifica que o seu neto (e homónimo) seja hoje prefeito de Salvador, num Estado onde o PT consegue ainda manter o lugar de governador. Nenhum reconhecimento similar marca a imagem de Sarney no Maranhão.

Uma nota final, agora luso-portuguesa: quer José Sarney quer António Carlos de Magalhães sempre foram bons amigos de Portugal, com claras expressões disso dadas em diversas ocasiões. O que só prova uma tese que há muito alimento: no Brasil, é quase sempre na direita que é possível encontrar os melhores amigos do nosso país. A exceção, relevante, foi Lula da Silva.

Pinho

O PS perdeu uma grande oportunidade: ter tido dele a decisão de chamar Manuel Pinho ao parlamento. Um lugar de onde ele saiu um dia, recordemo-nos, por uma indecente e má figura. Fez bem o PSD em propor a convocatória do antigo ministro (estranho mesmo é que não tenham sido o PCP ou o Bloco a fazê-lo). Se Pinho recusar ou atrasar a convocatória, então só há uma solução: a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, perante a qual não poderá recusar-se a comparecer.

“Delito de Opinião”


O “Delito de Opinião” é um excelente blogue coletivo, com uma existência de quase uma década.

Para uma antologia de textos que decidiu agora publicar, o “Delito” convidou dois prefaciadores - Ferreira Fernandes e eu próprio - e um pósfaciador, João Taborda da Gama.

Eis aqui o meu texto, a que chamei “Palavras liminares

Daqui a uns anos, quando o mundo digital vier a fazer a sua arqueologia, estou certo de que dedicará um capítulo generoso ao tempo dos blogues. Neles distinguirá aqueles que, com genuinidade, os utilizaram para o debate de ideias, às vezes integrado na luta política conjuntural, de quantos, de forma mais ou menos ostensiva, os colocaram ao serviço da promoção de negócios. Mas até o sucesso destes últimos é, em si mesmo, revelador da eficácia deste modelo de plataforma. Mesmo a montante desse inventário crítico, não hesito em constatar que a blogosfera representou - no Portugal do início do século XXI - um valioso espaço alternativo para confronto de perspetivas, um inesperado e criativo complemento da comunicação social tradicional. E não deixa de ser interessante notar que muitos cultores do jornalismo encontraram nos blogues um espaço para exercitar uma outra linguagem e muitos “bloguistas” iniciaram por aqui um caminho que os viroa a conduzir à expressão na comunicação social.

O “Delito de Opinião” surgiu semanas antes da primeira publicação que fiz no blogue diário que eu próprio alimento desde 2009, inaugurado no dia em que assumi o cargo de embaixador em Paris (embora tivesse já outras experiências no “ramo”). Aliás, o “Delito” foi dos primeiros blogues a acolher e referenciar o meu “Dois ou Três Coisas”, o que desde logo achei muito simpático, tanto mais que os seus autores, na sua ampla diversidade, eram e viriam a confirmar situarem-se em escolas de pensamento, e particularmente de atitude política, um tanto distantes da minha - e isto é um eufemismo.

Com algumas exceções, verifico que o “Delito” é escrito por gente de uma geração bem diferente da minha, creio que, na maioria, já oriundos de experiências anteriores na blogosfera. Para quem, como eu, tinha voltado a viver fora de Portugal, neste caso há mais de uma década, o “Delito”, até pelo seu saudável hábito de citar e fazer links para outros blogues, sempre funcionou como uma janela sobre um país digital que me era alheio. E como tenho o “vício” de dar prioridade na leitura àqueles com quem sei que não vou concordar, eu recolhia, e ainda recolho, no “Delito” o alimento para essa minha faceta masoquista.

Ao longo deste tempo que (caramba!) caminha para uma década, fui “zurzido” por mais de uma vez em posts e comentários no “Delito”, o que é da lei da vida. O Acordo Ortográfico foi um tema recorrente nesses embates, mas outras contradições continuam a emergir, permanecendo em autores do blogue alguns sobrolhos carregados (“to say the least”) quanto à minha pessoa. Isto só torna mais nobre o gesto de me terem convidado para escrever este breve prefácio.

Os blogues coletivos com sucesso têm, em geral, uma “alma” motora por detrás, um “teimoso” que não deixa que a máquina esmoreça. No que me é dado ver, no “Delito”, o Pedro Correia encarna essa figura, ele próprio um criativo que inaugura e alimenta linhas sequenciais de posts (músicas, palavras detestadas, etc.) que exigem pesquisa, constância e uma pertinaz vontade para prosseguir. Por ser escriba de um blogue individual, com publicação insistentemente diária, sei por experiência própria a dificuldade inerente a este tipo de trabalho. E daí a grande admiração que o “Delito” me merece.

Fiquei muito honrado com este convite do “Delito de Opinião” a alguém que vem de “outra freguesia”, para deixar umas palavras na abertura desta sua antologia. (Não sei mesmo se não vou aproveitar a ideia...). Ao blogue e aos seus autores só posso desejar determinação para prosseguir, no fundo, o mesmo que (até ver!) imponho a mim mesmo.

ps - em homenagem ao “Delito”, decidi, por uma vez, evitar contradições ortográficas...

Convido-os a visitar o “Delito de Opinião”, clicando aqui.

domingo, abril 29, 2018

Nuno


Há precisamente um ano, desapareceu o Nuno Brederode Santos. 

Fareed Zakaria


Desde há dois anos que, no outono, me tenho cruzado com Fareed Zakaria, jornalista que apresenta semanalmente o excelente GPS – Global Public Square, na CNN. É em Kiev, na Ucrânia, num congresso internacional em que ambos participamos, com ele como um dos moderadores de interessantes debates. 

“Cruzado” é uma maneira de dizer: nunca tinha falado com ele, no meio daquelas centenas de participantes, entre figuras políticas, que vão de Tony Blair a Strauss-Kahn, de John Bolton a Paul Krugman ou a David Cameron, passando por jornalistas que cobrem o Leste europeu, para além de gente ligada às relações internacionais.

A conferência tem lugar num antigo arsenal militar, a uns quilómetros do hotel onde fico hospedado, com um transporte vai-e-vem sempre disponível, através de pequenos autocarros. Num final de tarde, vi-me sozinho, numa dessas vans, com Zakaria. Meti conversa.

Veio à baila um painel dessa tarde e, ao falar-se da Europa, vi que ficou interessado em algo que eu disse sobre Angela Merkel e a Comissão Europeia. “Podemos falar um pouco, no hotel?”, sugeriu. Estávamos ambos hospedados no “Premier Palace”, com muitos outros participantes do congresso. Sentámo-nos no bar. 

Zakaria era é uma figura pequena, quase frágil, com um olhar vivo e muito atento. Com uma cordialidade profissional, olhava o interlocutor de frente, o que é sinal de segurança. Não tocou numa gota de álcool, não me acompanhando numa excelente cerveja ucraniana que lhe ofereci.

Pela nossa conversa, que durou bem mais de meia hora, passou, curiosamente, uma assimetria de interesses, em matéria de informação. 

Ele queria falar da Europa, do modo como andavam os equilíbrios entre Macron e Merkel, das hipóteses de evolução institucional, das consequências do Brexit, do futuro político da Itália, do sentimento diferenciado no continente face à Rússia. Portugal não lhe interessava minimamente, mas a Catalunha sim.

O meu objetivo era ter dele uma leitura crítica dos tempos turbulentos da administração Trump, das mudanças na Casa Branca, com análise prospetiva de algumas dinâmicas, fosse no Congresso, fosse na atitude americana nos grandes dossiês internacionais, em especial no tocante à China e Rússia. 

Lá lhe fui dizendo o que pensava, em temas em que tinha uma opinião, mas nos quais eu era seguramente muito menos informado do que ele seria sobre aquilo que verdadeiramente me interessava. Não sei se o que disse lhe serviu de muito, ou talvez o possa ter ajudado a precisar alguns pontos específicos. No que me adiantou, confesso, não houve nenhuma surpresa – ou talvez seja o facto de regularmente o ouvir na CNN que me tenha dado a ideia de que conhecia o que ele pensava.

No final, trocámos os cartões da praxe, como acontece nestas ocasiões, sem que isso sirva depois para nada. Às vezes, os encontros são quase desencontros, por mais simpáticos que sejam, como foi o caso.

Os leitores de títulos



Estejam bem atentos! De madrugada, as televisões apresentam as capas dos jornais do dia seguinte. De manhã, preguiçosas, fazem os seus alinhamentos noticiosos pirateando grande parte desses temas, enchendo-os depois de “chouriços” de video de arquivos, repescando peças antigas, chamando uns políticos para comentar aquilo que nem sequer investigaram, ao menos para saberem se era verdade ou não o que os jornais traziam em título (há mesmo um jornal que só existe pelos seus títulos). Às vezes, até parece ser interessante que o título seja falso, para alimentar a polémica, desresponsabilizando-se naturalmente o canal pelo estardalhaço que entretanto fez, à pala dessa falsidade. Se, nesse dia, houver “bola” ou entretanto estourar um outro “escândalo”, esses assuntos acabam por esvair-se. Se não, vão sobrevivendo pela tarde, pelos canais noticiosos, repetidos à exaustão. Se, mesmo assim, ao fim dessas horas, o tema ainda ”estiver a dar”, vai acabar por engrossar os telejornais das oito, a vala comum da tríade “futebol, politiqueirice & o que está a correr mal”, que por cá se tem como sinónimo de jornalismo. Depois, chegam a noite e as novas primeiras páginas. E tudo se repete.

Indicações

“Luanda não vai indicar já o novo embaixador em Lisboa”, diz o “Expresso”. Não vai “indicar”? Foi este governo angolano que solicitou “agrément” para o nome de um novo embaixador, que já foi concedido. Luanda pode atrasar a vinda do embaixador, mas é um facto que já o “indicou”.

Tempo

No ano passado, tivemos meses seguidos sem chover, dias contínuos de sol até dizer basta! Este ano, a chuva regressou, por dias que pareceram intermináveis para alguns, intermeada por jornadas de calor intenso, quase estranho. De súbito, tudo mudou. Agora, como ontem e hoje, há vários climas num só dia, da chuva-de-molha-tolos a “boas abertas” (por que será que esta deliciosa expressão desapareceu do léxico climático?), de bons ventos a um fresco quase fora de época. Grande natureza! Ela é que “a leva direita”, faz o que quer e sobra-lhe... o tempo!

sábado, abril 28, 2018

”Fair play” solar


O “Sol” replica hoje à minha resposta a uma sua anterior nota. Tudo isto começou porque eu havia chamado “clandestino” ao semanário, por não conhecer a sua tiragem. Aqui entre nós, a nota do jornal tem uma precisão mais do que discutível, porque, em matéria de números concretos, ficamos na mesma. E, se falássemos de sobras, então as coisas fiavam mais fino. Mas anoto, com gosto, o “fair play” solar.

Mal fica

Eu nem sequer ouso perguntar a alguns amigos benfiquistas, que coincide serem pessoas de bem, como se sentem ao verem o seu clube - o tal que se queixa de ver o seu “bom nome” posto em causa por aí - ser representado por quem foi na Assembleia da Liga.

Franco Charais


Numa livraria, encontrei ontem, a preço reduzido, um livro de memórias do general Franco Charais - ”O Acaso e a História, Vivências de um Militar”. Foi publicado pela Âncora Editora, em 2002. Li-o em algumas horas.

Para as novas gerações, o nome dirá pouco. Franco Charais foi um oficial de Artilharia que esteve envolvido no 25 de abril. Integrou o Conselho de Estado, fez parte do Conselho da Revolução, foi comandante da Região Militar Centro e foi um dos subscritores do chamado “documento dos nove” - um manifesto de nove figuras moderadas do MFA, publicado no auge do “Verão quente” de 1975, de “resistência” ao “gonçalvismo”. Foi uma figura de grande equilíbrio no período revolucionário, com um perfil sóbrio de militar e genericamente apreciado pela sua seriedade.

Cruzei-me com Franco Charais no palácio da Cova da Moura, em maio de 1974. Ele era tenente-coronel e trabalhava com o general Costa Gomes. Eu era então aspirante a oficial miliciano e adjunto da Junta de Salvação Nacional, ligado às questões da extinção da PIDE/DGS, no gabinete do general Galvão de Melo. Recordo-me que Charais ocupava por ali um belo gabinete com azulejos. O mesmo que, precisamente duas décadas depois, em 1994, eu viria a ocupar, por uns meses, como subdiretor-geral dos Assuntos Europeus.

Ainda em 1974, já a Junta tinha sido dissolvida na sequência do 28 de setembro, vim a estar presente (acompanhando o então major Costa Neves, ainda hoje estou para saber a que título, mas esses tempos eram mesmo assim!) numa reunião chefiada por Franco Charais, no edifício que é hoje o Instituto de Defesa Nacional, e que surge descrita no livro, na qual o CDS, em face das dificuldades sentidas para a sua implantação em liberdade, informou a “comissão coordenadora” do MFA de que estava a encarar a possibilidade de se extinguir. O que, claro, não veio a suceder. A certo passo da conversa, Charais disse: “Os senhores não são os únicos a queixarem-se. Outro partido de direita, o PPD tem os mesmos problemas”. A reação do CDS foi a esperada: “Nós somos um partido de centro!”. 

O livro tem uma estrutura narrativa às vezes não muito fácil, porque feita de saltos no tempo, com peças sobre a sua vida pessoal e militar. Para além de alguns registos curiosos sobre o tempo colonial, na perspetiva de um militar no terreno, a principal curiosidade para mim foi apreciar o modo como Franco Charais interpretou o seu papel no xadrez do MFA, como viu e interveio nas relações de força e, muito em especial, como sofreu o “phasing out” do papel político dos militares. Charais chegou a general, mas o livro deixa abundante material para mostrar o revanchismo de uma hierarquia militar conservadora que entretanto ascendeu ao poder e que prejudicou fortemente a carreira de quem fez o 25 de abril (e não estamos a falar apenas de militares tidos por radicais). Tudo isso feito com a cumplicidade objetiva, e deliberada, do PS, do PSD e do CDS, convém que se diga, alto e bom som.

Charais dedica-se hoje à pintura e realiza-se por essa via. Achei interessante ler este seu livro, coincidindo com mais uma celebração do 25 de abril que também lhe devemos.

sexta-feira, abril 27, 2018

O futuro das Coreias


Só o futuro nos irá ajudar a perceber o significado real do encontro de hoje - sem dúvida, histórico - entre os presidentes das duas Coreias. (Esperemos, contudo, que o Comité Nobel de Oslo não se precipite a dar-lhes o Prémio Nobel da Paz, repetindo a patetice que fez com Obama). 

O tempo nos dirá os eventuais efeitos daqulo que hoje ocorreu para uma distensão sustentável entre os dois países. Uma coisa me parece muito clara: as hipóteses de reunificação continuam muito remotas.

Há um ponto para o qual gostaria de chamar a atenção. 

Quem conhece alguma coisa da política da Coreia do Sul sabe que os seus líderes não têm, necessariamente, uma permanente sintonia com os governos de Washington. No passado, Seul deu algumas vezes mostras de agastamento, pelo facto dos EUA abusarem da sua função de garante militar do “statu quo”, em moldes que procuravam condicionar a sua própria estratégia nacional. Ao longo destas complicadas décadas, houve vários desentendimentos entre a Coreia do Sul e os EUA sobre o modo como lidar com o volúvel vizinho do Norte. 

Quero com isto dizer que não nos deveremos surpreender se Washington vier a mostrar reticências aos termos do entendimento que hoje foi assinado. Os coreanos do Sul têm uma lógica de movimentação face ao “irmão“ do Norte que nada garante que seja totalmente subscrita pelos EUA. Sendo que da atitude destes depende muito o sucesso ou insucesso do que hoje se iniciou.

Um “player” da região tem todas as razões para estar satisfeito: a China. Pequim viu serem dados passos no sentido daquilo que é o seu óbvio interesse: uma península coreana desnuclearizada e menos tensa militarmente, sem que haja uma alteração significativa na lógica de alinhamento internacional da Coreia do Norte. Se a isto se somar algum potencial ganho económico para o regime de Piongyang (que se especula poder fazer parte de um acordo secreto complementar), que venha a atenuar a tragédia humanitária que o país vive (e que podia “sobrar” para a China, em caso de implosão política), será ouro sobre azul para Pequim.

O outro Paralelo 38




Nesta madrugada, ao ver Kim Jong Un e o seu homólogo sul-coreano cruzarem-se no Paralelo 38, que desde 1953 marca a divisão das duas Coreias, na minha memória gastronómica soou uma campaínha.

Existia, em Loulé, o restaurante Paralelo 38, uma casa simples com ótimo peixe, cujo dono, um simpático velhote (que agora me lembram que se chamava Abílio, “Abilinho”), nos anos 70, se gabava das visitas de Mário Soares e nos servia, no final, uma bela aguardente de medronho.

Varoufakis

Olhando para a comunicação social internacional, fica muito claro o que significou esta deslocação de Varoufakis a Lisboa. 

O antigo ministro grego das Finanças quis “apanhar boleia” da festa da Revolução portuguesa para lançar o seu movimento político para as eleições europeias, precisamente no país do presidente do Eurogrupo, onde se situa o essencial das políticas que combate. 

A luta de Varoufakis é hoje também contra o primeiro ministro Tsipras, como se viu em todas as entrevistas, pelo que a Avenida da Liberdade foi a “praça Sintagma” que arranjou mais à mão. 

O partido português “Livre”, que pertence ao mesmo movimento político europeu, deu um deliberado palco a Varoufakis e aproveitou para se promover.

Notou-se o silêncio embaraçado do Bloco de Esquerda, que tanto tinha endeusado Varoufakis no passado. É que, embora os bloquistas, lá no fundo, concordem em pleno com as críticas feitas por este a Centeno, estar a destacá-las neste contexto seria ajudar à propaganda rival do “Livre”.

A Avenida


No 25 de abril, estive e sempre estarei de cravo vermelho ao peito.

A data da Revolução, para a qual, há 44 anos, dei o meu ínfimo contributo pessoal, é por mim comemorada, desde então, com uma sinceridade que não tem par com outros eventos a que me associo. Vivi-a em oito países diferentes, às vezes em família, outras com amigos, algumas vezes com cerimónias de permeio.

Fui, em algumas ocasiões, sempre por dever de ofício, à cerimónia na Assembleia da República. Nesses momentos, para além da observação coletiva de quem levava ou não um cravo ao peito, assisti à cansativa sucessão de discursos políticos e partidários, que, invariável e oportunisticamente, utilizavam a comemoração para tratar da conjuntura do momento.

Aquilo que poderia ser um espaço de proclamação de elegias à liberdade conquistada naquela data acabava por se transformar numa arena de severo combate político, com as diversas leituras de "abril" a servirem de arma de arremesso, de forma quase sempre pouco subliminar.

Com sinceridade, ninguém acreditará que essa maratona declaratória contribuía, minimamente, para levar as virtualidades da Revolução às novas gerações, para nelas ajudar a construir o culto desse momento fundacional da nossa democracia. Nos últimos dois anos, parece que este vício terá sido um pouco corrigido.

Depois, há a Avenida. Do Marquês ao Rossio, um certo país político-militar faz à tarde a sua festa. De início, parecia que essa romaria laica poderia vir a ter o caráter daquilo que foi o primeiro 1° de Maio: uma festa plural, em que a bandeira comum fosse vermelha, claro, mas com o verde da nossa República.

Cedo se percebeu que não ia ser assim, que uma certa lateralização ideológica ia prevalecer. E a Avenida logo passou a uma manifestação com com bandeiras sectárias e slogans, uma espécie de comício ambulante, onde certas forças políticas, com os seus apêndices multiplicadores de imagem, ganharam um espaço claramente desproporcionado face àquilo que vontade do povo regularmente expressa nas urnas.

Comemorar o 25 de Abril, celebrar essa magnífica Revolução que, por uma vez, quase que fez o milagre impossível de unir o país, deveria passar por uma despartidarização e consubstanciar-se na organização de festas populares - com música, com juventude, com alegria. E sem discursos, sem desfiles políticos, sem slogans. Como, em França se faz com o "14 juillet". Ah! Mas sempre, claro, com muitos cravos.

É que, no 25 de abril, estive e sempre estarei de cravo vermelho ao peito.

quinta-feira, abril 26, 2018

Vermo-nos gregos

Partilhando a alegria de alguns amigos, felizes por verem Varoufakis descer ontem a Avenida da nossa Liberdade, não tenho coragem para lhes dizer que essa presença separa mais do que une. Mas tudo bem! Viva o 25 de abril.

A raiz do pensamento

Seria muito bom saber o que, no íntimo, alguns deputados sem cravo ou ausentes de S. Bento pensam, com sinceridade, sobre o 25 de abril. Mas não temos o direito de perguntar-lhes: foi também para isso, para cada um pensar o que lhe apetece, que se fez o 25 de abril.

quarta-feira, abril 25, 2018

Um bom 25 de abril, meu capitão!


Um dia, o capitão Teófilo Bento surgiu na parada com um megafone. Estávamos nos primeiros meses de 1974, na Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na Alameda das Linhas de Torres, uma unidade que, tempos depois, iria ser uma das primeiras a “sair para a rua”, para tomar o objetivo estratégico próximo, que eram os estúdios da RTP.

Lembro-me de alguns de nós termos estranhado o inusitado uso daquele aparelho nas mãos do Bento, porque nada o justificava. Creio que a ninguém passou pela cabeça ligar o uso do aparelho à Revolução que aí vinha. Porém, esse megafone iria ser a sua imagem de marca no 25 de abril, que se aproximava.

À época, eu era, simultaneamente, bibliotecário, diretor do jornal da unidade “O Intendente”, oficial e instrutor de Ação Psicológica na EPAM. Meses antes, ao ter ficado classificado em primeiro lugar entre os nove selecionados para a tal APSIC, fora convidado para ficar na EPAM naquele cúmulo de funções, tendo como principal missão coordenar os cursos de formação dos futuros oficial daquela especialidade.

Devo dizer que nunca percebi como fui parar à APSIC. Embora sem nunca ter pertencido a nenhuma estrutura política clandestina, tinha tido uma atividade bastante visível na CDE de Vila Real, durante as eleições de 1969. Na universidade, a minha eleição para órgãos associativos fora “não homologada” duas vezes, por decisão do governo, tendo ainda sido objeto de uma suspensão por “agitação académica”, que me impedira de frequentar as aulas e só ser autorizado a fazer as ‘frequências” e os exames finais. Estava longe, contudo, de ser um ativista ou um “politicamente ativo”, na gíria da PIDE/DGS. Por isso, estranhei um pouco a minha seleção para uma especialidade militar daquela natureza. Mas esses erros não eram incomuns: meses antes, António Reis, com muito destacada ação política e que fora candidato a deputado pela CDE, também viria a integrar o curso de APSIC.

Voltemos ao capitão Teófilo Bento. Uma tarde de fevereiro de 1974, no meio da parada da unidade, Bento, com quem eu tinha uma relação simpática, mas respeitosamente distante, dirigiu-se-me:

“Ó Seixas da Costa, preciso de falar consigo!” E como se fosse a coisa mais natural do mundo, foi adiantando: “Você estaria disponível para nos ajudar numa ação militar para deitar abaixo o regime?

Caí das nuvens! Tinha algum conhecimento da agitação que atravessava os meios militares, tinha estado presente em duas reuniões clandestinas de milicianos (uma num apartamento em Campolide, outra perto do Areeiro), mas não tinha a menor ideia de que a EPAM estivesse envolvida e de que Teófilo Bento tivesse um papel nesse contexto. Reagi, por isso, com grande prudência, não fosse tratar-se de uma provocação:

“Ó meu capitão! Isso é um assunto que não pode ser tratado assim! Tenho de ter mais informações para pensar nele”.

“Muito bem. Um destes dias falamos melhor”, respondeu-me Bento.

Nessa tarde, falei com o António Reis, que politicamente “bebia do fino” e que, rindo-se da inabilidade conspirativa do Bento, me confirmou que o capitão era a figura central da EPAM para as movimentações do que estavam em preparação. E que falaria com ele sobre o “incidente”.

Depois, as coisas aceleraram. Veio o 16 de março e, pelo modo como as pessoas na unidade reagiram a esse golpe frustrado, ficou mais claro quem estava com que lado.

Na madrugada de 25 de abril, o capitão Teófilo Bento, acompanhado do alferes Geraldes e do aspirante António Reis, teriam papel destacado na sublevação da unidade e na organização da coluna que iria tomar a RTP.

Na noite desse dia, foi Teófilo Bento quem, com todos nós a seu lado, fez as “honras da casa” na RTP a Spínola e à Junta de Salvação Nacional, que dali se dirigiu ao país.

Dois dias depois, a 27 de Abril, Teófilo Bento, que interinamente passou a chefiar a RTP, coordenou, na sala da biblioteca da EPAM, um encontro com um impressionante grupo de intelectuais, num "brainstorming" em que foi acolitado por António Reis e por mim. Pela sala espalhavam-se figuras como Luís de Sttau Monteiro, Mário Castrim, Luis Francisco Rebelo, Álvaro Guerra, Manuel Jorge Veloso, Manuel Ferreira, Adelino Gomes, Orlando da Costa e creio que cerca de duas dezenas mais de figuras cimeiras da nossa vida cultural e jornalística (ficarei muito grato a quem puder ajudar a completar esta lista).

Spínola tinha entretanto outras ideias para a RTP e elas não passavam pela manutenção de Teófilo Bento e dos militares da EPAM por lá, em funções que ultrapassassem a segurança das instalações. (No 25 de novembro do ano seguinte, o meu amigo Duran Clemente ainda procurou “recordar”, na RTP o papel original da EPAM).

Teófilo Bento viria a sair da EPAM. Iria mais tarde dirigir o empreendimento agrícola do Cachão, perto de Mirandela. Perdemo-nos de vista por muitos anos. Cruzámo-nos episodicamente e mantemos uma relação solidária de camaradagem, fruto desses dias únicos que vivemos em conjunto.

Um forte abraço, amigo Teófilo Bento! 

Os EUA, a ONU e Gaza

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